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Com impasse entre sócios, Furnas pode estatizar Santo Antonio e aumentar dívida da Eletrobras

Enquanto o governo se esforça num momento crucial para viabilizar a privatização da Eletrobras, a companhia pode ter que estatizar, mesmo que temporariamente, a hidrelétrica de Santo Antonio, no rio Madeira (RO). A concessionária da hidrelétrica teve duas derrotas significativas em arbitragens motivadas por conflitos históricos entre seus sócios, e a conta pode pesar sobre Furnas, subsidiária integral da Eletrobras, que é a maior sócia da usina, com 43% de participação total. Para fazer frente às despesas, a usina deve receber um aumento de capital de R$ 1,5 bilhão de seus sócios, mas Furnas é a única disposta a participar da operação, o que pode configurar a mudança de controle e se transformar numa estatização. O problema, para a estatal, não é a falta de recursos para fazer frente ao pagamento, mas sim os efeitos da consolidação de Santo Antonio em seu balanço, com aumento expressivo do endividamento e possível aceleração do vencimento de dívidas.

Com impasse entre sócios, Furnas pode estatizar Santo Antonio e aumentar dívida da Eletrobras

Enquanto o governo se esforça num momento crucial para viabilizar a privatização da Eletrobras, a companhia pode ter que estatizar, mesmo que temporariamente, a hidrelétrica de Santo Antonio, no rio Madeira (RO). A concessionária da hidrelétrica teve duas derrotas significativas em arbitragens motivadas por conflitos históricos entre seus sócios, e a conta pode pesar sobre Furnas, subsidiária integral da Eletrobras, que é a maior sócia da usina, com 43% de participação total. Para fazer frente às despesas, a usina deve receber um aumento de capital de R$ 1,5 bilhão de seus sócios, mas Furnas é a única disposta a participar da operação, o que pode configurar a mudança de controle e se transformar numa estatização. O problema, para a estatal, não é a falta de recursos para fazer frente ao pagamento, mas sim os efeitos da consolidação de Santo Antonio em seu balanço, com aumento expressivo do endividamento e possível aceleração do vencimento de dívidas.

A megausina estruturante está operando a plena capacidade, bateu recordes de geração neste início de ano, e tem, desde a última renegociação de dívida com os credores, em 2018, um plano considerado eficiente de gestão de caixa e liquidez. Os problemas que enfrenta, contudo, são financeiros, e estão relacionados a conflitos históricos entre seus sócios. 

Ao mesmo tempo em que a Santo Antonio Energia precisa de um aporte de seus sócios para pagar as despesas de uma das arbitragens, uma outra ação, liderada pela Cemig, obteve a anulação de uma capitalização concluída em 2018, o que implica em retornar as posições acionárias daquele ano. Por enquanto, essa parte da equação do futuro de Santo Antonio está suspensa, pois Furnas conseguiu uma liminar para suspender a execução da ação, e as atenções estão voltadas para o aumento de capital que acontecerá em breve.

A briga do consórcio construtor

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Em fevereiro, a Santo Antonio Energia (Saesa) informou que o Consórcio Construtor Santo Antonio (CCSA) saiu vencedor da disputa contra a companhia em uma disputa arbitral, e a concessionária da usina terá que pagar R$ 1,563 bilhão para encerrar o litígio. Uma condição dos contratos assinados no reperfilamento da dívida da usina em 2018 com o BNDES e outros credores determina que a empresa precisa de um aporte de seus sócios para fazer o pagamento, e tudo indica que Furnas será a única a participar da operação, estatizando em definitivo a empresa.

A Santo Antonio Energia já fez o provisionamento de cerca de R$ 2 bilhões para o pagamento da sentença, incluindo a baixa de valores a receber, a atualização monetária de recebíveis baixados e novas provisões. O pagamento, contudo, ainda não foi feito, pois a empresa pediu esclarecimentos sobre a sentença arbitral e ainda aguarda a apreciação deles pelo Tribunal Arbitral.

Mesmo sem fazer o desembolso, a Santo Antonio Energia precisou lançar contabilmente o pagamento, o que deixou sua situação financeira, já delicada, ainda mais problemática. A Delloite, auditoria independente responsável pelo balanço da companhia, fez um alerta para seu patrimônio líquido negativo em R$ 755,9 milhões, ao mesmo tempo em que existe necessidade de obtenção de capital dos sócios para liquidar os passivos da sentença arbitral.

A Cemig, que tem cerca de 18% entre participações direta e indireta na Madeira Energia (Mesa, a holding controladora da hidrelétrica), já se manifestou informando que não participará da capitalização, movimento que deve ser seguido pela Novonor (antiga Odebrecht) e pela Andrade Gutierrez, que têm 28,3 e 1,7% de participação na empresa, respectivamente, assim como pelo FI FGTS, que tem uma fatia de 9,79%. Outro ponto de atenção: Odebrecht e Andrade Gutierrez são também do consórcio construtor, que venceu a arbitragem.

Operação pode antecipar vencimento de dívidas

Segundo a agência de classificação de riscos Fitch, Furnas tem recursos para fazer o aporte, assim como a Eletrobras, que é garantidora das obrigações da sua subsidiária na concessionária do rio Madeira. Nesse cenário, Furnas se tornará a controladora da Madeira Energia, passando a consolidar a investida em seu balanço. A relação entre dívida líquida e Ebitda da Eletrobras, que estava em 3,7 vezes ao fim do ano passado, de acordo com as premissas utilizadas pela Fitch, subiria para 4,1 vezes com a estatização de Santo Antonio.

Em seu relatório 20-F arquivado na Comissão de Valores Mobiliários (SEC, o órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos), a Eletrobras fez o alerta para a possível estatização da Santo Antonio Energia, e destacou que a ausência dos demais sócios no aumento de capital pode significar uma ruptura das obrigações de dívida da usina, o que seria um evento de default, ou calote.

Furnas pode ter que assumir R$ 7 bilhões em garantias relacionadas a essas obrigações, e o default pode ter efeitos em cascata em outras dívidas assumidas pela Eletrobras. Além disso, uma mudança do controle da Mesa (que é o que acontecerá em caso de estatização) pode acionar a aceleração do vencimento das dívidas da empresa, informou a Eletrobras no formulário 20-F. A própria Santo Antonio Energia admitiu isso nas notas explicativas de seu balanço, na qual explica que pode haver a necessidade de pedido de anuência aos credores para que não ocorra a declaração do vencimento antecipado das dívidas.

Outro potencial problema da estatização da Santo Antonio Energia está relacionado à exigência de aprovação e notificação por órgãos reguladores, como a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Odebrecht X Odebrecht

A disputa entre a Saesa e o consórcio construtor, formado por Andrade Gutierrez e Odebrecht, inclui também os fornecedores de máquinas e equipamentos da usina, como a Alstom, e se arrasta há quase dez anos. Greves afetaram as obras de construção da usina entre 2013 e 2014, e foi necessário um aumento de capital dos sócios para quitar os pagamentos. Na época, havia previsão contratual de que a Santo Antônio precisaria honrar responsabilidades perante o consórcio construtor, o que foi objeto dessa arbitragem.

Em 2018, quando a dívida da Saesa com o BNDES era da ordem de R$ 10 bilhões, a companhia precisou travar uma intensa negociação com o banco e os demais credores para o alongar o prazo dos seus passivos e conseguir se reerguer. Uma das condições colocadas na época pelos credores foi que, caso a empresa perdesse a disputa para o consórcio construtor, o pagamento teria que vir de um aumento de capital dos próprios sócios, não sendo possível a utilização de nova dívida para isso. Assim, as sócias que também são construtoras – Odebrecht e Andrade Gutierrez – não seriam indevidamente beneficiadas.

Cemig X Mesa

Os desafios da concessionária da megausina não param por aí. No início do ano, a Santo Antonio Energia foi derrotada em outra arbitragem distinta, desta vez numa ação que foi movida pelas empresas Cemig e Andrade Gutierrez, sócias da companhia, questionando os demais sócios da Madeira Energia (Mesa) por uma conversão de dívida de cerca de R$ 1 bilhão em capital na holding, em operação realizada em 2018.

Em 29 de abril, Furnas, que é também parte na ação, conseguiu uma decisão liminar para suspender a execução da arbitragem, mantendo inalterada a capitalização de 2018. Mesmo com a decisão, a Madeira Energia manteve uma provisão para a reversão da capitalização em seu balanço, classificada como “provável”. Em seu formulário 20-F, arquivado na SEC, a Cemig, que liderou essa outra arbitragem, disse acreditar que a modificação da sentença é “remota”.

A capitalização questionada

Em 2014, a Madeira Energia chamou um aumento de capital de R$ 780 milhões para pagar uma cobrança do consórcio construtor da usina. A Cemig e a Andrade Gutierrez, novamente, questionaram a cobrança e a capitalização em uma arbitragem, da qual saíram vencedoras no início de 2017. Na época, contudo, o valor já havia sido pago pelos demais sócios, e como a Santo Antonio Energia não tinha como devolver os recursos, o valor revertido se transformou em uma dívida de curto prazo registrada no balanço da companhia. Em 2018, com as dificuldades financeiras, a Santo Antonio chamou novo aumento de capital dos sócios, e aqueles que tinham feito o aporte anterior (Odebrecht, Furnas e FI FGTS) aproveitaram a dívida de curto prazo e a converteram em capital, sem, de fato, colocar dinheiro novo na companhia.

Na sequência, a Andrade Gutierrez e a Cemig entraram com nova arbitragem contra os sócios na Mesa, dessa vez questionando o uso dos créditos da capitalização feita anos antes. As sócias alegavam que os recursos que entraram em 2014 foram utilizados para pagamento ao consórcio construtor, liderado pela Odebrecht e pela Andrade Gutierrez. Como a execução da sentença arbitral está suspensa, não se sabe como ficará a estrutura de capital da Mesa depois do novo aumento de capital previsto na Saesa para pagamento ao consórcio construtor.

Operação plena e plano para amortização das dívidas

Em 2018, os conflitos entre os sócios chegaram a quase impossibilitar a renegociação da dívida com o BNDES, e o reperfilamento só saiu depois que entraram em acordo de que não seriam usados recursos do caixa da empresa para custeio de disputas até o fim do novo prazo de pagamento, que passou de 2034 para 2040. Dessa vez, embora os sócios estejam novamente em guerra, a usina está concluída e operacional, com muitos dos seus problemas equacionados, inclusive um standstill assinado com o BNDES por conta dos efeitos da crise hídrica, que ajuda a passar por mais esse momento delicado.

A dívida segue elevada. Com o BNDES, ao fim de março deste ano, eram R$ 12,9 bilhões com vencimento em 2040. Considerando os debenturistas, o total da dívida bruta chega a R$ 19,4 bilhões, com vencimentos que variam de dezembro de 2022 (R$ 208 milhões) até junho de 2038. Passados os desafios relacionados ao cumprimento dessas arbitragens, o plano da concessionária é seguir buscando a excelência operacional e usar a geração de caixa para amortizar as dívidas, seguindo o cronograma acordado com os credores.

A hidrelétrica de Santo Antonio tem 3,568 GW de capacidade, por meio de 50 unidades geradoras, que entraram em operação plena em janeiro de 2017. O empreendimento foi o resultado de investimentos da ordem de R$ 20 bilhões, e gera energia para atendimento a 45 milhões de pessoas, além de royalties milionários, em grande parte destinados a Rondônia e à prefeitura da capital Porto Velho.