Empresas do setor ampliam ações para capacitação e presença de mulheres em cargos técnicos e de liderança

Natália Bezutti

Autor

Natália Bezutti

Publicado

08/Mar/2023 20:34 BRT

As empresas de energia têm buscado mudar a imagem de um setor ‘mais masculino’ e ampliado as suas ações para capacitação de mulheres nas áreas técnicas e operacionais, bem como em cargos de liderança.

No entanto, a 16ª edição do Global Gender Gap Index, estudo publicado pelo Fórum Econômico Mundial em julho de 2022, mostrou o mundo levará 132 anos para que haja uma paridade completa entre homens e mulheres.

Em um dos recortes, o estudo mostrou que as mulheres ocupam apenas 37% dos cargos de liderança no mundo e, em 18 segmentos de mercado, a representação nesses cargos para o segmento de Energia, mostra uma participação de 20%, à frente, apenas de Manufatura (19%) e Infraestrutura (16%).

Mas como as empresas brasileiras de geração, transmissão e distribuição de energia estão encaminhando as suas pautas para promover equidade e diversidade em seu quadro de funcionários?

O grupo Energisa, que possui atuação nos três segmentos, com dez distribuidoras e 12 concessões de transmissão, geração centralizada e distribuída, além de comercialização e serviços, tem ampliado a participação feminina, tanto na área administrativa, quanto nas áreas técnicas.

A companhia conta atualmente com 3.097 profissionais mulheres, sendo 265 em cargos de liderança e centenas em atividades como eletricistas de distribuição e de linhas de transmissão, técnicas de manutenção e líderes de equipes.

Entre as executivas do grupo, está Daniele Salomão, vice-presidente de Pessoas, Gestão e Sustentabilidade do Grupo Energisa. Daniele ingressou na empresa, ainda em sua marca de fundação, a Cataguases Leopoldina, e participação das mulheres no setor elétrico é também uma pauta permanente da executiva.

“Temos desenvolvido uma série de iniciativas para empoderar nossas colaboradoras, que são grandes exemplos de determinação, coragem e de que a mulher pode estar de fato onde ela quiser, ocupando diferentes posições e exercendo funções tradicionalmente executadas por homens. Acreditamos que a diversidade, ao possibilitar que diferentes pontos de vista sejam explorados, potencializa a inovação e contribui para uma cultura de bem-estar, confiança e alta performance”, disse Salomão.

Entre suas responsabilidades, a executiva lidera a implementação da estratégia da Agenda ESG da companhia, que tem avançado na priorização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com metas até 2050.

“Temos metas bem arrojadas na agenda ambiental, como a substituição de 20 usinas térmicas por energia limpa e a busca por alcançar a neutralidade nas emissões de carbono até 2050. Nas comunidades das nossas concessões, investimos no fomento da geração de renda, em ações culturais e de manifestação dos valores regionais”, revela a executiva.

Considerada a quarta maior hidrelétrica do Brasil, a usina de Santo Antônio (3.568,3 MW), no rio Madeira, em Porto Velho (RO), é administrada Santo Antônio Energia, empresa que conta com 13 líderes mulheres em cargos de liderança, sendo quatro gerentes e nove coordenadoras.

Em seu Conselho de Administração, são sete o número de cadeiras ocupadas por mulheres, com Elvira Presta e Solange David ocupando, respectivamente, a presidência e a vice-presidência do Conselho.

“A participação de mulheres em setores compostos majoritariamente por homens cresce a cada dia. As vantagens são inúmeras e refletem diretamente e de forma positiva os resultados dos negócios. Dados levantados pela consultoria Mckinsey indicam que quando há diversidade de gênero nos Conselhos Administrativos das empresas, as decisões são mais rápidas e assertivas, além de trazer muito mais inovação para o dia a dia”, disse Michele Spolador, gerente de Pessoas da Santo Antônio Energia.

A empresa declarou que estuda ampliar participação feminina entre seus colaboradores, incluindo os cargos de gestão. Para isso, já possui um programa de diversidade, com workshops com a liderança, além do apoio de parceiros especializados no tema. A expectativa é de iniciar, nos próximos meses, um treinamento focado na mentoria de carreira das profissionais mulheres para o desenvolvimento e alcance de cargos de liderança.

No segmento de geração solar, a Lightsource bp conta com uma equipe de 21 mulheres, de um total de 45 funcionários no Brasil. Nos cargos de liderança há uma equidade entre mulheres e homens, sendo três executivas.

A líder das áreas de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fundiário, Adriana Martins, aponta que a presença de mulheres em cargos de liderança é de suma importância e traz visibilidade e reconhecimento da competência feminina, especialmente em setores tradicionalmente masculinos, como é o caso do setor elétrico.

“Essa representatividade é fundamental para que as mulheres não se limitem nas suas ambições e objetivos, que por vezes podem ser restringidos devido a fatores culturais ou familiares”, disse a executiva.

Não só no Brasil, mas globalmente, a empresa está ciente que a diversidade e equidade são temas que devem ser constantemente fortalecidos e incentivados. Por isso, em 2021, criou o programa ‘Vibes’ com o compromisso de manter e nutrir a igualdade, inovação e colaboração global.

A Enel Brasil também tem trabalhado na ampliação da contratação feminina e capacitação de mulheres. Em 2022, a empresa aponta que mais de 51% das contratações foram de representantes do sexo feminino, além de ter ampliado em três vezes o número de mulheres em posições de alta gestão. Duas delas estão no comando das distribuidoras nos estados do Rio de Janeiro e Ceará.

Acreditando que a capacitação é uma alavanca para o desenvolvimento de carreira das mulheres, a empresa investiu em soluções, como uma plataforma de conteúdos pensados e desenvolvidos especificamente para as mulheres e suas carreiras, além da realização de cursos dedicados à formação de mulheres eletricistas.

Fruto desse trabalho de capacitação, Sara Anunciada da Silva, responsável pela área de fiscalização do sistema subterrâneo da Enel, está na empresa desde 2017, sendo a primeira mulher na companhia a ocupar a sua atual posição.

“A Enel é uma empresa que valoriza o papel da mulher no mercado de trabalho, tanto na área pessoal como profissional. A companhia me estimula a estudar, a ser mãe e também como me tornar uma melhor profissional. É um desafio e também um aprendizado”, conta Sara, que está concluindo curso superior em Engenharia Elétrica.

Sobre o avanço da Enel Brasil na equidade de gênero, Raiane Pires de Alcantara Sauerbronn, responsável por Desenvolvimento de Pessoas, afirma que a empresa sabe que ainda possui “um longo caminho pela frente, mas estamos orgulhosos do trabalho feito até aqui. Estamos escrevendo uma nova história: de uma empresa cada vez mais inclusiva e aberta a diversidade”.

Já a Quantum Participações, grupo que atua no segmento de transmissão, possui 22 colaboradas de um total de 57 funcionários, e que atuam na operação das transmissoras, sendo que 14% do time são de engenheiras.

“Queremos contribuir, cada vez mais, com a inserção de mulheres no setor de energia. Trabalhamos com a intenção de incentivar a equidade e o protagonismo feminino, por meio de oportunidades dentro da companhia”, afirma Juliana Teixeira, gerente de RH e Comunicação.

Segundo a empresa, a presença feminina em seu quadro de trabalho está crescendo gradualmente e a meta é continuar criando oportunidades e apoiando as mulheres no setor de energia.

“A sensação de trabalhar no setor é gratificante, pois é um mercado que por muitos anos foi marcado pelo público masculino, foi desafiador embarcar nessa área. Eu cresci com meu pai e meu irmão trabalhando no setor elétrico, então quis fazer parte deste universo”, afirma Amanda Oliveira, engenheira de Operação & Manutenção na Quantum.

O segmento de geração distribuída, que pode ser considerado relativamente novo no setor, tem ampliado a participação de mulheres. No entanto, levantamento da consultoria Greener apontou uma lacuna na presença feminina nas empresas desse segmento, pois em 2020, 40% dos 685 players entrevistados sequer tinham uma funcionária do sexo feminino.

A falta de diversidade mostrada no estudo não é a mesma vista na fintech Meu Financiamento Solar. Nos últimos três anos, a empresa registrou crescimento de 163% nos negócios e viu como resultado dessa expansão, um aumento no quadro de colaboradores, que, ao longo de 2022, foi elevado em 167%.

Hoje a empresa conta com 291 profissionais, sendo 52,6% mulheres, e 59,4% de presença feminina nos cargos de liderança. Para a fintech, essa composição representa uma quebra de paradigma em dois mercados tradicionalmente ocupados de forma majoritária por homens: financeiro e setor elétrico.

O comando geral da empresa fica por conta de Carolina Reis, diretora-executiva e especialista no setor de energia solar fotovoltaica, no qual atua há sete anos.

“Existem alguns desafios para as mulheres, como conciliar agenda familiar com a profissional e fugir da síndrome da impostora, não se colocando em uma posição inferior achando que não dará conta quando as coisas fogem do controle, e que em algum momento, alguém te descobrirá”, diz Carolina Reis.

A Solarprime também é umas das empresas de GD que aumentou a presença de mulheres em cargos de liderança. Atualmente, a rede de franquias possui 131 funcionários, dos quais, 42% são do sexo feminino.

De acordo com a empresa, o número de mulheres em cargos de liderança, em dois anos, aumentou cerca de cinco vezes, respondendo por um aumento de 500% na presença de mulheres em postos de chefia.

Mayara Dias Bouças, gerente de Recursos Humanos da Solarprime, atribui ao aumento no número de lideranças femininas o pensamento desconstruído da diretoria da empresa.

“O segmento de energia solar é majoritariamente ocupado por homens, principalmente, em cargos mais técnicos como, por exemplo, na engenharia. No entanto, na Solarprime esse cenário vem mudando e atualmente temos 32% dos cargos técnicos ocupados por mulheres. Isso prova que a diretoria analisa muito mais o perfil e capacidade técnica do que o sexo dos colaboradores”. 

Indústria

A Unicoba, empresa que fornece soluções de armazenamento de energia para aplicações estacionárias e portáteis, declara que estabeleceu metas para atingir os seus objetivos ESG para os próximos anos, e que isso ocorreu de forma realista.

Dos 670 funcionários da companhia, 52% são de profissionais do sexo feminino, e que 36% das mulheres ocupam cargos de gestão.

Entre essas mulheres, Andrea Terranova, diretora de Controladoria e Finanças na Unicoba, destaca que a participação de mulheres em cargos de liderança “mostrar que a cultura da empresa é inclusiva, justa e incentivada pela alta gestão para proporcionar um ambiente de trabalho cooperativo e mais diversos. Além disso, diversidade traz inovação pois temos profissionais com vivências e pontos de vista diferentes contribuindo para soluções múltiplas para os problemas”.

Outra fornecedora de produtos, sistemas e serviços para a indústria de energia, a Aker Solutions, lançou uma série de iniciativas de diversidade e inclusão para ampliar o quadro de mulheres na companhia.

De setembro de 2020, quando criou seus comitês de diversidade, até março deste ano, o número total de mulheres da empresa no Brasil saltou de 142 para 416, um crescimento de 292%.

Atualmente, as profissionais representam 26,6% do total dos cerca de 1.560 funcionários, considerando a planta de São José dos Pinhais (PR) e a base de Rio das Ostras (RJ). Até o final de 2023, a expectativa é chegar a 30% de mulheres na companhia e 27% em cargos de liderança.

Na unidade de São José dos Pinhais, fábrica de equipamentos submarinos, 90 mulheres já ocupam posições na linha de manufatura, o que representa 23,3% do público fabril da planta.

Natalli Padilha, é a coordenadora de manufatura da planta, contando com uma equipe de 37 pessoas, das quais 30 são homens. “Queremos normalizar a presença de mulheres em ambientes fabris e estimular que meninas também considerem essa opção de carreira”, disse Padilha.

Segundo a Siemens Energy, a pauta de Diversidade e Inclusão é tratada como sua prioridade estratégica, bem como a promoção de um ambiente de acolhimento e respeito às diferenças.

Para enfatizar a relevância da diversidade e inclusão da companhia, a diretora Financeira global, Maria Ferraro, também é ocupa a direção executiva de Inclusão e Diversidade. A empresa trabalha com três diretrizes estratégicas globais para o programa de diversidade e inclusão, prevendo a igualdade de oportunidades, pertencimento e sociedade e parcerias. Por sua vez, as diretrizes estão estruturadas em quatro pilares de atuação: LGBTIQAP+ & Aliades, Pessoas com Deficiência & Aliades, Raça & Etnia & Aliades e Gênero & Aliades.

“A presença masculina no setor de energia ainda predomina e pode ser, em alguns momentos da jornada de carreira, algo intimidante ou desfavorável para as mulheres que querem ter sucesso nos mais variados campos de atuação. Há momentos em que, realmente, é necessária muita persistência. No meu caso, saber o caminho que eu queria seguir desde o começo foi essencial para aumentar a minha autoconfiança e chegar à alta liderança na área. Hoje, vejo que duas coisas foram essenciais na minha jornada: ser resiliente com relação ao meu objetivo e poder contar com uma rede de apoio e confiança que nunca duvidou do meu potencial por eu simplesmente ser mulher”, diz Nalu Tacini, General Manager de Grid Technologies Latam da Siemens Energy.

A executiva possui mais de 20 anos de experiência no mercado de energia, tendo passado por diversas posições de liderança na área financeira, sendo CFO em diferentes áreas de tecnologia de transmissão da Siemens e da Siemens Energy, tanto no Brasil quanto na América Latina.

Já a SLB (antiga Schlumberger) que atua no fornecimento de equipamentos e serviços para a indústria do petróleo, desenvolve diversos programas e ações para aumentar o número de mulheres em cargos de liderança, desde a contratação de Jovens Aprendizes para cargos operacionais e administrativos, até mentorias para profissionais que já ocupam cargos de liderança ou estão prestes a ocupar.

Segundo a gerente de RH da SLB, Nara Padilha Tsuboi, a SLB procura incentivar a participação de mulheres em cargos de liderança, por meio dos programas de desenvolvimento de pessoas e ações de atração e retenção de mulheres no campo.

“A maior diferença ainda está nas áreas operacionais e de engenharia, por isso, procuramos atrair jovens, mulheres que vão se formar como técnicas e poderão seguir carreira na própria SLB, pois estarão preparadas para o ingresso nos programas de trainee, em que também priorizamos a contratação de mulheres”.

Atualmente, a empresa possui 20% de mulheres em cargos de liderança e tem a meta de alcançar 25% até o fim deste ano.

Como fruto de suas ações para atração e mentoria para o desenvolvimento de profissionais mulheres na companhia, a engenharia do Petróleo, Cinara Marculino de Brito, ingressou na SLB como trainee em 2019. Depois de fazer o treinamento de três meses em Abu Dhabi, passou mais de dois anos trabalhando em plataformas de petróleo e hoje é coordenadora de Operações de Perfuração na base de Macaé.

Há um ano, Cinara participa do programa de mentoria SuperWoman, sendo orientada para desenvolver suas potencialidades como liderança e traçar novos objetivos para carreira. “Nós, como mulheres, ficamos constrangidas de falar onde queremos chegar, nossas ambições, ao contrário dos homens, que não tem vergonha de se vender. Este foi um ponto que consegui desenvolver durante a mentoria”, comentou.

Para este ano, ela pretende migrar para uma área diferente da operacional, a exemplo de RH ou Financeira, e, para isso, conta com a orientação dos seus mentores.