Projetos de diesel verde e SAF no Brasil tentam resolver gargalo de matéria-prima

Maria Clara Machado

Autor

Maria Clara Machado

Publicado

22/Jan/2024 18:52 BRT

O Brasil, que já é um dos maiores produtores mundiais de biodiesel e etanol, tenta agora se inserir no mercado de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) e diesel verde, cuja apresentação mais comum é sob a forma de HVO. Com regulações cada vez mais definidas em relação à descarbonização de transportes em mercados como Europa e Estados Unidos, as empresas se preparam para atender a uma demanda nascente.

SAF e diesel verde são considerados combustíveis drop-in, que podem ser misturados ao combustível de origem fóssil em grandes proporções e não necessitam de ajustes nos motores ou na infraestrutura de abastecimento.

Apenas para a aviação, a Associação do Transporte Aéreo Internacional (Iata) avalia que serão necessárias 24 mil toneladas de SAF em 2030 para que as emissões zero no setor sejam alcançadas em 2050 – e, para 2024, a estimativa é de uma produção de apenas 1,5 tonelada.

Uso da terra e escolha certa da cultura são estratégicos

Nesta trajetória, os agentes já identificam a disponibilidade de matéria-prima como um gargalo evidente, e a escolha da cultura certa pode ser uma vantagem competitiva crucial. SAF e diesel verde podem ser fabricados a partir de óleos vegetais ou gordura animal. Estas matérias-primas também podem ser usadas para a fabricação de outros biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel – que, ao contrário do diesel verde, não é um combustívei drop-in e tem um limite para a mistura ao diesel fóssil.

Há, ainda, uma preocupação com a segurança alimentar, que já levou a União Europeia a estabelecer um percentual mínimo de biocombustíveis produzidos a partir de resíduos, em um esforço para evitar que haja uma competição entre a produção para alimentos e a indústria de energia.

“Quando falam em substituir o petróleo, a humanidade precisa entender o tamanho do desafio. Não é qual é a tecnologia que é a melhor. Todas vão ser utilizadas. Se você não somar todas elas, a gente não sai do lugar”, avalia o presidente do Grupo BBF (Brasil BioFuels), Milton Steagall.

Biorrefinaria na Amazônia

Em 2022, a BBF anunciou investimento de R$ 2,2 bilhões em uma biorrefinaria em Manaus, no Amazonas, com capacidade para produzir 500 milhões de litros de SAF ou diesel verde – a produção seria determinada pela Vibra, que tem acordo com a BBF para comprar toda a produção da usina por cinco anos, prazo que pode ser renovado por igual período.

Os combustíveis serão produzidos a partir do óleo de palma, cultura que a BBF já domina. Para Steagall, este é um grande diferencial do projeto da BBF. “O próprio investidor para fazer esse projeto confia muito na nossa experiência no cultivo de palma, na nossa diversificação em cima de região, porque a BBF tem área plantada no hemisfério norte e tem área plantada no hemisfério sul”, disse.

Para o presidente da BBF, o fato de a palma ser uma planta de tecnologia e cultivo já conhecidos traz mais segurança e confiabilidade ao projeto. “A gente não pode trabalhar com matéria-prima cuja cultura não seja domesticada e que não tenha ampla divulgação de tecnologia. E a palma nesse quesito, ela é a disparada a mais viável”, enumera.

Para garantir os melhores frutos, Acelen entra na tecnologia agrícola

Na Acelen Renováveis, que anunciou uma biorrefinaria em Maratipe, na Bahia, a produção de matéria-prima também é entendida como ponto estratégico do projeto. “Quando a gente olha o mundo transitando para esse tipo de combustível avançado, o gargalo é o uso eficiente da terra para prover uma solução de matéria-prima renovável e sustentável. Então, a gente chegou na decisão estratégica estar no início da cadeia”, diz o diretor da Cadeia de Renováveis da empresa, Yuri Orse.

Assim, a Acelen Renováveis vai providenciar o plantio de macaúba com alta tecnologia, que inclui o desenvolvimento genético para cultivar as melhores plantas.

O desenvolvimento das sementes será feito em Minas Gerais, onde está um dos maiores maciços naturais da macaúba no Brasil, segundo Orse. Ali, a empresa vai implantar, em parceria com o governo estadual, um Centro de Inovação e Tecnologia Agroindustrial (Cita), para pesquisa, aprimoramento e desenvolvimento da espécie.

A ideia é que as sementes sejam desenvolvidas em Minas Gerais, mas o cultivo esteja mais próximo da refinaria. “A área de viabilidade da macaúba vai do norte de Minas Gerais até a parte central da Bahia. E é essa área que a gente está prospectando”, explica Orse.

Segundo ele, a escolha pela macaúba se deve à sua alta produtividade por área, de “até sete vezes ou até mais que o óleo de soja”. Com isso, ele calcula que a planta pode reduzir em até 80% a emissão de um ciclo de vida de combustível fóssil. Além disso, a macaúba pode ser cultivada em áreas degradadas, cuja recuperação colabora com o sequestro de carbono da atmosfera, conta o diretor da Acelen Renováveis.

A biorrefinaria deve entrar em operação no segundo semestre de 2026, com capacidade para produzir um bilhão de litros por ano, seja de SAF ou HVO. Assim como no projeto da BBF, a planta é flexível e é a demanda do mercado que vai orientar o produto a ser fabricado. O investimento total, considerando a implantação da biorrefinaria e o cultivo da macaúba, é de R$ 12 bilhões nos próximos 10 anos.

A macaúba, entretanto, levará quatro anos para dar os primeiros frutos, e a maturidade da floresta só deve ser atingida no oitavo ano. Então, a Acelen Renováveis busca “matérias-primas competitivas e sustentáveis” para alimentar a planta à medida que a macaúba cultivada amadurece. Segundo Orse, os estudos passam por óleo de soja, óleo de milho, gordura animal e “novas culturas que estão em discussão”, como óleo de canola, camelina e carinata.

Petrobras e Be8 também estão nesse mercado

A Petrobras pode ser parceira da Acelen Renováveis em Mataripe, mas também planeja produzir diesel verde e SAF na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), em Cubatão, São Paulo. A capacidade estimada é de 2.700 m³ por dia de carga, com proporção de 70% de óleo de soja e 30% de sebo bovino. O anúncio da contratação da tecnologia HEFA (Hydroprocessed Esters and Fat Acids) junto à empresa Honeywell UOP foi feito em dezembro, mas a estatal não informou a previsão de início de operação. A Honeywell também será fornecedora das plantas da BBF e da Acelen Renováveis.

Atualmente, a Petrobras atua no diesel coprocessado, chamado de Diesel R, que é feito com óleos vegetais ou gordura animal misturados ao óleo mineral. Assim, o diesel R5 tem 5% de conteúdo renovável e 95% de material fóssil, enquanto o o R10 tem 10% de conteúdo renovável. A empresa ainda não produz acima desses percentuais de matéria-prima renovável.

Outro biocombustível renovável prestes a ser produzido no Brasil é o BeVant, produzido pela Be8 a partir de óleos vegetais e gordura animal. Classificado como um metil éster bidestilado, o BeVant não é considerado um HVO, mas pode substituir o diesel sem mudanças na infraestrutura de abastecimento ou adaptações nos motores. Outra diferença está no preço, já que o BeVant deve custar cerca de metade do HVO, segundo a Be8.

A empresa investiu R$ 50 milhões no projeto e a expectativa é que a produção do BeVant comece já neste ano, em outubro, em fábrica em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, com capacidade de 150 milhões de litros por ano. A empresa não descarta a ampliação da produção para outra planta, no Paraná, nem o licenciamento da patente para que outras empresas produzam o combustível verde.

Mercado brasileiro depende de regulação

A BeVant foca no mercado interno brasileiro, mas é uma exceção entre as produtoras, já que ainda não há regulação para diesel renovável e SAF no país.

A Acelen Renováveis, por exemplo, mira o mercado norte-americano e Europeu. “Você tem os Estados Unidos com a regulação posta para o diesel renovável você tem a Europa e a Ásia evoluindo para o SAF. Por conta desta regulação existente e uma demanda clara, o nosso projeto tem esse direcionamento no momento”, diz Yuri Orse.

A empresa já tem um escritório funcionando em Houston, nos Estados Unidos, para comercializar os produtos da Refinaria de Mataripe. Orse conta que ainda não está confirmada a comercialização dos combustíveis verde por este escritório, mas é algo que pode ser definido até que os primeiros litros de HVO ou SAF sejam produzidos. “É um plano em construção”, disse.

Segundo o diretor da Acelen Renováveis, o mercado brasileiro seria um “desejo” da empresa, mas precisa que haja uma demanda regulada para isso.

A planta da BBF, planejada para ser erguida em uma região de logística complexa como a Amazônia, está em compasso de espera até que haja regulação definida no Brasil. “Todos os investidores, por mais que acreditem no projeto e tenham expectativas positivas, precisam do arcabouço jurídico definido para que isso seja levado adiante”, disse Milton Steagall.

A empresa está usando este tempo para fazer análises técnicas dos fornecedores de tecnologia. “A gente está trabalhando dentro dessa característica de não ter pressa, mas ter muita competência e assertividade nas escolhas, porque você não consegue mudar uma planta no meio do caminho. Para você retrofitar uma planta dessa é praticamente 60 % do preço de construir uma planta nova”, disse Steagall.

Segundo ele, as análises até o momento confirmam que os planejamentos iniciais estavam corretos e a planta deve entrar em operação em 2026.

Combustível do Futuro

A grande expectativa para regulação gira em torno do Combustível do Futuro, projeto de lei (PL) que propõe percentuais mínimos para SAF a partir de 2027 e que cria incentivos ao diesel verde, com percentual obrigatório a ser definido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

O PL foi enviado ao Congresso pelo Poder Executivo, e atualmente tramita na Câmara dos Deputados. Em entrevista ao Poder 360, o relator do projeto na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania – SP), disse que o PL será enviado ao Senado no começo de fevereiro.

Os agentes estão otimistas. “O projeto realmente rodou bastante e eu mesmo participei da audiência pública no Congresso Nacional. A gente tem uma perspectiva grande de que dentro do primeiro trimestre seja aprovado”, diz Milton Steagall, da BBF. “O PL está no caminho certo”, avalia Yuri Orse, da Acelen Renováveis, que projeta que já haja demanda para SAF no Brasil em 2027, como propõe o projeto em tramitação.

Leia também:

Nova Indústria Brasil traz diretrizes para planos já lançados, com R$ 2,1 bi em solar e R$ 19,5 bi em mobilidade