A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) insistiu que não há possibilidade jurídica de cumprir a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a pedido da Enercore, suspendendo a resolução que definiu o PLD mínimo de 2023. Em nova petição ajuizada ontem, 16 de março, a procuradoria federal junto à Aneel pediu que a Justiça reconheça a impossibilidade jurídica de cumprimento da liminar, já que o desembargador Daniel Paes Ribeiro não se posicionou “quanto às consequências práticas que decorrem deste ato de interferência”.
Como o desembargador suspendeu a resolução que fixou o PLD mínimo, mas não disse como o novo preço deverá ser calculado, a Aneel entende que não tem como cumprir a liminar, e o preço mínimo de R$ 69,04/MWh, na prática, está vigente.
Essa é a segunda vez que a agência reguladora se manifesta neste sentido. A Enercore já reafirmou sua posição e disse que a manifestação da Aneel é “estapafúrdia e meramente protelatória”, e “não passa de precaríssima tentativa de protelar” o cumprimento da decisão em questão.
Segundo a representação da comercializadora, a Aneel precisa apenas suspender a vinculação da Tarifa de Energia de Otimização (TEO) Itaipu ao PLD mínimo, utilizando, como alternativa, a TEO das demais usinas, já aprovada e no valor de R$ 15,05/MWh para este ano. “Bastaria à CCEE aplicar as resoluções da própria Aneel já em vigor”, diz a petição da empresa, ajuizada no dia 15 de março.
Por conta destes comentários, a procuradoria da Aneel pediu, inclusive, que a Justiça oficie a Ordem dos Advogados (OAB) do Distrito Federal para apurar a conduta dos advogados que representam a Enercore, pelos escritórios Advocacia Bettiol e Serrão Advogados. Ao comentar a manifestação da Enercore, a petição da Aneel afirma que o documento demonstra “o aparente desespero dos seus advogados para tentar o convencimento do juízo, diante da falta de argumentos”, e alega que foram violados dispositivos do Estatuto da OAB relativos à ética do exercício da advocacia.
O processo
A troca de petições ocorre no processo movido pela Enercore questionando a consideração da TEO de Itaipu na formulação do PLD mínimo. A metodologia do piso considera, desde 2003, o custo de geração da energia de Itaipu, e desde 2019 está vigente uma resolução que determina que o PLD mínimo de cada ano será definido pelo maior valor entre a TEO de Itaipu e a TEO das demais hidrelétricas do sistema.
No ano passado, o assunto virou polêmica entre os agentes, uma vez que a TEO das demais usinas ficou em R$ 15,05/MWh, mas o aumento do custo de Itaipu, por conta do câmbio e da inflação dos Estados Unidos, levou a TEO da usina ao patamar próximo de R$ 70/MWh. Os agentes questionaram os cálculos, mas no dia 29 de janeiro, em reunião extraordinária, a diretoria da Aneel aprovou o PLD mínimo para este ano em R$ 69,04/MWh.
Em janeiro, a Enercore entrou com a ação judicial, alegando que a Aneel errou no cálculo. O pleito foi rejeitado em primeira instância, e em fevereiro o desembargador federal Daniel Paes Ribeiro acatou um recurso e concedeu a decisão, suspendendo a resolução da Aneel de dezembro que determinou os limites máximo e mínimo do PLD.
Segundo a comercializadora, o preço mínimo de energia no mercado de curto prazo deveria considerar outras variáveis, como custos de operação e manutenção das hidrelétricas e os custos com a compensação financeira pelo uso de recursos hídricos.
O problema, segundo a Aneel, é que a decisão interferiu nas normas do setor, mas não se posicionou quanto às consequências jurídicas e administrativas. De acordo com a petição ajuizada ontem, a decisão liminar permite que seja criado um PLD distinto e exclusivo para a Enercore, e “nem mesmo a própria comercializadora” conhece o preço mínimo que resultou da decisão do desembargador.
Além do âmbito judiciário, há expectativa de que o assunto seja discutido dentro da Aneel. Recentemente, a Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel) enviou uma carta ao diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, pedindo prioridade na discussão do tema. Ontem, durante evento da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o presidente da Abraceel, Rodrigo Ferreira, afirmou que “discordar e benéfico e faz parte do jogo, mas vamos discordar nas esferas apropriadas, e tratar os assuntos do regulador dentro do regulador”.
Há ainda um impasse em relação às partes do processo judicial da Enercore. A procuradoria pediu que a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) seja parte da ação como “amicus curiae”, termo jurídico para entidade que vai fornecer subsídio à decisão da Corte. A participação da associação no processo é justificada, segundo a Aneel, pelos potenciais efeitos em todos os agentes que operam no mercado de curto prazo de energia. A Enercore é contrária a isso, e afirma que a lei veta a admissão em casos em que a entidade pretenda um julgamento favorável a uma das partes. No caso, como as distribuidoras estão sobrecontratadas, uma decisão que reduza o PLD mínimo vigente prejudica as associadas da Abradee, segundo o entendimento da Enercore.
Outro lado
A MegaWhat tentou entrar em contato com os advogados da Enercore mas ainda não obteve retorno.
(Atualizado em 174/03/2023, às 10h, para inclusão de informações)