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Leilão de reserva acontece hoje, às 10h, e mercado aposta em empresas com oferta de gás

Leilão de reserva acontece hoje, às 10h, e mercado aposta em empresas com oferta de gás

(Por Camila Maia, Natália Bezutti e Rodrigo Polito)

O leilão de reserva de capacidade que acontece hoje, 30 de setembro, a partir de 10h, deve ter grande interesse de termelétricas, uma vez que o outro leilão que contrataria a fonte em 2022 foi cancelado pelo governo. Para especialistas, os investidores que tenham parceria com fornecedores de gás natural, ou que tenham a própria oferta de gás, devem ter vantagem competitiva na disputa, devido às limitações de localização dos empreendimentos e ao preço máximo estipulado. Por isso, a aposta é no produto do Norte, onde há reservas de gás em exploração.

A disputa é ainda alvo de questionamentos na sociedade, pelos impactos ambientais associados e pelos custos que serão acrescidos ao setor elétrico brasileiro, já que serão usinas contratadas na modalidade de reserva, custeadas por encargos.

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O leilão

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A polêmica em torno do leilão veio desde sua criação, por meio de emendas na Medida Provisória (MP) 1.031, convertida na Lei 14.182 de 2021. Originalmente, a MP tratava da privatização da Eletrobras, mas recebeu diversas emendas, incluindo a obrigação de contratação de 8 GW em termelétricas em regiões específicas do país, com o intuito de fomentar o desenvolvimento do mercado de gás natural brasileiro.

Hoje, serão ofertados três produtos, que somam 2 GW dos 8 GW determinados pela lei. Será um produto de 1 GW na região Norte, e outros dois produtos no Nordeste, divididos entre 300 MW no Maranhão e 700 MW no Piauí. O preço máximo da energia contratada é R$ 444/MWh, e o Custo Variável Unitário (CVU) máximo dos projetos é de R$ 450/MWh.

Os projetos terão, necessariamente, que ficar na região metropolitana de São Luís, no Maranhão, na região metropolitana do Sudoeste Maranhense. No caso do Piauí, os projetos deverão estar em Teresina ou na Região Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina. As usinas devem entrar em operação em 31 de dezembro de 2027, e os contratos terão duração de 15 anos.

No Norte, os projetos deverão estar em Belém, Santarém, Macapá, Manaus, Palmas, Gurupi, Rio Branco e Porto Velho, além de suas regiões metropolitanas, quando aplicável. O início de operação das usinas será em 31 de dezembro de 2026, com prazo de 15 anos.

A sistemática do leilão dará preferência aos projetos que utilizem gás natural produzido na Amazônia Legal e, no Nordeste, que usem gás natural produzido nacionalmente. Deverá ser comprovada a disponibilidade do combustível para operação.

Apostas do mercado

Agentes do mercado apostam no sucesso da Eneva no certame, principalmente no produto do Norte, já que a companhia tem reservas de gás na região amazônica. Segundo o banco suíço UBS, a companhia tem uma vantagem competitiva na disputa e, caso contrate 1 GW, considerando o preço máximo do edital, poderá ter um acréscimo de R$ 9 bilhões em seu valor de mercado.

Embora o mercado tenha levantado dúvidas sobre o interesse dos investidores no certame, o segmento de geração termelétrica está preparado para a disputa de hoje, enquanto ainda vive a ressaca pelo cancelamento do leilão de reserva de capacidade previsto para o fim deste ano.

Para a Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), o leilão deverá ter participação de empresas para todos os produtos, com um número maior de pretendentes na disputa concentrada na região Norte, apesar do preço teto de receita fixa considerado “apertado” pela entidade.

“Alguns associados estão entusiasmados com o leilão”, disse o diretor presidente da Abraget, Xisto Vieira Filho. “Mas, realmente, se fosse aumentado o preço teto e mantido o mesmo volume de contratação, a competição seria muito maior”, completou.

Segundo ele, na faixa de preço estipulada pelo governo para o certame, termelétricas que tenham parceria com fornecedores de gás natural ou que possuam sua oferta própria de gás terão mais competitividade nesse leilão.

Na visão de Fernando Porrua, diretor técnico da PSR, os lotes do Nordeste devem ter baixo interesse, e podem até ser vazios, devido à dificuldade de remuneração dos projetos, pela falta de gás na região. Segundo ele, projetos com soluções baseadas em GNL sofrem com a dificuldade nas condições de oferta, e aqueles que dependem de gasodutos têm a incerteza da alocação dos custos desses ativos.

“A perspectiva do mercado é de que haja maior competição pelo produto Norte, com a Eneva entre os principais players, eventualmente disputando com a Global e Eletronorte”, disse Porrua.

Questionamentos

No início da semana, o Instituto Arayara, organização não governamental que atua nas agendas climática e de transição energética sustentável, entrou com ação civil pública pedindo o cancelamento do leilão, alegando que ele causaria um aumento de 74% das emissões de gases efeito estufa, enquanto outras alternativas para a segurança energética trariam até uma redução de 30% das emissões.

A questão ambiental também foi levantada pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), que afirmou que as usinas que serão contratadas devem emitir 5,2 milhões de toneladas de CO2t ao ano, montante que equivale a quase 30% das emissões de termelétricas de serviço público a gás natural no país em 2020.

As entidades fazem parte da Coalizão Gás e Energia, que tem questionado a viabilidade do certame. “Essas termelétricas, operando na modalidade inflexível, ou seja, ligadas pelo menos 70% do tempo ao longo de cada ano, acrescentarão R$ 111 bilhões ao custo de operação e manutenção do sistema elétrico entre 2022 e 2036 em comparação ao cenário de referência do plano decenal energético (PDE 2031)”, afirma a coalizão, que calcula que o resultado seria um impacto de 10% nas contas de luz.

No âmbito administrativo, foram apresentados – e negados – na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pedidos de impugnação do edital pela Junqueira Sociedade de Advogados e Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). Os pedidos, negados pela agência, que considerou que não havia legitimidade para imputação do edital, faziam referência a questões específicas das condições de preços do gás, no caso da Abegás, e à afronta a isonomia dos participantes, no caso do escritório de advocacia.

Sistemática

O leilão terá início às 10h, transmitido pelo site da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) cadastrou 37 projetos, que somam 11,89 GW de potência. As usinas devem comprovar a disponibilidade de gás natural para operação contínua por um período mínimo de oito anos, com período adicional de, no mínimo, cinco anos, e período remanescente compatível com a duração do contrato.

Haverá três etapas sucessivas no leilão, no qual os investidores vão disputar os três produtos. Na etapa inicial, os proponentes farão lance único correspondente à quantidade de lotes e ao preço do lance, e essas ofertas serão classificadas por ordem crescente de preço. Na etapa contínua, aqueles classificados considerando a capacidade de escoamento do sistema vão disputar lance a lance, com preços menores que o preço corrente. A última etapa é a da ratificação de lances, quando aqueles com empreendimento marginal (o último da fila) poderão ratificar o lance de forma proporcional à oferta.