A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira o Projeto de Lei 11.247/2018, que originalmente criava um marco legal para a exploração de energia eólica offshore, mas recebeu diversas emendas, incluindo postergação de subsídios para renováveis, novas condições que vão viabilizar a contratação de termelétricas a gás natural, incentivos à pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e até mesmo novos incentivos ao carvão mineral. O texto será agora encaminhado ao Senado.
Nos últimos dias, a tramitação do PL gerou mobilização no setor, dividido entre segmentos que alertaram para os danos causados pelo aumento dos subsídios, e aqueles que alegam que os incentivos às fontes renováveis serão benéficos aos consumidores pois permitirão o desenvolvimento de empreendimentos renováveis mais baratos.
Apesar do texto final ter beneficiado o carvão mineral, na contramão das políticas de transição energética em implementação em grande parte do mundo, o PL faz parte da “agenda verde” defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que pretende levar os avanços dos últimos dias como cartão de visita em sua passagem pela COP 28 na próxima semana em Dubai.
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Nova redação e incentivos ao carvão
O texto do PL gerou polêmica desde a publicação do relatório do deputado Zé Vitor (PL-MG), pelas emendas contempladas, como a viabilização do gás natural para as termelétricas exigidas pela Lei 14.182, de privatização da Eletrobras, a determinação de contratação de PCHs como reserva de capacidade, investimentos em hidrogênio verde e eólicas, e a expansão dos benefícios à geração distribuída (GD).
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Entre os itens mais questionados, estavam dispositivos que poderiam comprometer a viabilidade do mercado livre de energia, devido à previsão de transferência abrupta de custos hoje alocados no mercado cativo a esses consumidores. Havia previsão, por exemplo, de alocar no mercado livre custos de Itaipu e projetos estruturantes da Amazônia.
Na tarde desta quarta-feira, 29 de novembro, o deputado apresentou novo relatório, que veio sem os pontos que comprometiam o mercado livre, mas trouxe novos incentivos, desta vez ao carvão mineral.
Segundo o deputado Zé Vitor, a emenda que garante a renovação dos contratos das termelétricas a carvão até 2050 atende ao pleito da bancada do Rio Grande do Sul a partir da postergação adotada para a termelétrica de Jorge Lacerda, Santa Catarina, na renovação de seu contrato.
Em janeiro de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.229 de 2022, prevendo a contratação de energia gerada em Jorge Lacerda em quantidade correspondente ao consumo do montante mínimo de compra de carvão mineral nacional estipulado nos contratos vigentes atualmente.
A energia deve ser contratada como reserva, ao preço calculado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com uma receita fixa equivalente ao custo variável unitário (CVU) teto para a geração a carvão mineral do leilão A-5 de 2021.
Desta vez, serão contempladas as termelétricas a carvão mineral que possuem contratos de compra de energia no ambiente regulado (CCEARs) vigentes em 31 de dezembro de 2022 e com previsão de término de CCEAR não superior a 31 de dezembro de 2028.
Mais subsídios
Um dos temas que movimentou o mercado de energia na semana passada, a prorrogação por 36 meses do prazo para construção dos empreendimentos enquadrados como incentivados, com desconto pelo uso da rede, também foi contemplada no PL aprovado hoje.
Além disso, foi estendido o prazo do desconto também para projetos de geração renovável com potência instalada de até 30 MW das fontes biomassa, biogás, biometano e resíduos sólidos urbanos.
A geração distribuída também ganhou uma emenda, que estabeleceu que o prazo para entrada das unidades geradoras no sistema de transmissão será contado a partir da celebração do Contrato de Uso do Sistema de Distribuição, no lugar da data de emissão do parecer de acesso.
As renováveis também apareceram numa nova alteração das regras do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que terão as concessões renovadas por 20 anos ao preço máximo do Leilão A-6 de 2019.
Jabutis da Eletrobras
Sob a justificativa de promover maior diversificação da matriz energética, foram consideradas alterações na Lei 14.182/2021, que tratou da privatização da Eletrobras, por meio da contratação de termelétricas movidas a gás natural em várias unidades da federação.
O texto proposto reduz a exigência de contratação de termelétricas localizadas em determinadas regiões do país, mas amplia a obrigação de novos contratos para pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
A lei 14.182 trouxe a obrigação de contratação de 8 GW em termelétricas, divididas entre 1 GW no Nordeste, 2 GW no Sudeste, 2,5 GW no Norte e mais 2,5 GW no Centro-Oeste, sempre em regiões sem ponto de suprimento de gás na época da aprovação da lei.
Outra determinação dessa lei foi uma reserva da demanda dos leilões de energia nova para PCHs, de no mínimo 50% dos contratos dos leilões, até que fossem contratados 2 GW nessa fonte.
No caso do gás, como havia limitação do preço da energia – a lei colocou como teto o preço do leilão A-6 de 2019 -, os projetos não se mostraram competitivos.
O texto aprovado hoje altera a lei e passa a exigir a contratação de 1,25 GW em térmicas no Nordeste, 1 GW no Norte, 1 GW no Sudeste e mais 1 GW no Centro-Oeste.
Apesar de reduzir a potência total a ser contratada, o texto alterou as condições de custeio do gás natural a ser usado por essas termelétricas, o que vai garantir sua viabilizar e encarecer o custo final arcado pelo consumidor.
O preço a ser calculado pela EPE vai considerar, além do leilão A-6 de 2019, o valor da molécula de gás entregue na central de geração, que será obtido por meio de uma chamada pública a ser realizada pelos governos estaduais por meio das distribuidoras de gás locais.
Mais PCHS e hidrogênio
Em relação às PCHs, a falta de demanda das distribuidoras nos leilões de energia nova inviabilizou a contratação dos 2 GW da fonte. Por isso, o PL fala na obrigação de contratação de 3 GW em usinas no Centro-Oeste, 1.500 GW no Sul e Sudeste e 400 MW nas regiões Norte e Nordeste, por meio de leilões de reserva de capacidade e energia associada. Nesses casos, quem faz a contratação é o governo, então a demanda não depende mais das distribuidoras.
Adicionalmente também deverão ser contratadas 250 MW de energia proveniente hidrogênio líquido a partir do etanol na região Nordeste, com contratação até o segundo semestre de 2024, e entrega até 31 de dezembro de 2029, e a contratação de 300 MW de energia proveniente de eólicas na região Sul, com contratação até o segundo semestre de 2025, para entrega até 31 de dezembro de 2030.
Caso os montantes definidos não sejam contratados integralmente nos anos previstos por inexistência de oferta, as diferenças deverão ser contratadas nos anos subsequentes até atingir o valor total de capacidade definido, ficando a data de entrega da energia postergada em igual prazo, como também os montantes já contratados.
Quando ao pagamento pela Eletrobras ou por suas subsidiárias, na forma definida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), correspondente a 50% do valor adicionado à concessão pelos novos contratos, recursos estes que deverão ser utilizados prioritariamente no pagamento da Conta Covid e da Conta de Escassez Hídrica. Os recursos também poderão ser utilizados para redução de impactos tarifários às concessionárias de distribuição.