Por: Clauber Leite*
A ampliação da abertura do mercado livre de energia elétrica poderá proporcionar avanços importantes para o setor elétrico brasileiro e para os pequenos consumidores. Mas, diferentemente do que podem sugerir alguns debates, a mera abertura não é suficiente para proporcionar reduções significativas nas contas de luz: avanços efetivos nesse sentido dependem do aumento da eficiência econômica do setor elétrico, da produtividade das empresas e da concorrência, entre outros aspectos.
O fato é que, se bem encaminhado, o processo de portabilidade da conta de luz realmente pode ajudar a reduzir custos, além de favorecer a adaptação à evolução tecnológica em curso e possibilitar uma participação mais ativa dos consumidores na tomada de decisões sobre suas condições de uso de energia.
Atualmente, apenas consumidores (ou conjunto deles) com demanda contratada a partir de 500 kW podem atuar no mercado livre. Nessa condição, as empresas são classificadas como consumidoras especiais e podem adquirir energia das chamadas fontes incentivadas (como eólica, solar ou de biomassa). Já os usuários com demanda contratada a partir de 1.500 kW são classificados como consumidores livres, podendo adquirir energia de qualquer fonte. Essas exigências vêm diminuindo ao longo do tempo e a proposta do Projeto de Lei 414/2021, de reforma do setor, é que sejam totalmente extintas.
Mas para garantir resultados realmente favoráveis aos pequenos consumidores, a abertura do mercado precisa vir acompanhada da adoção de mecanismos que reduzam os riscos da contratação de energia elétrica. Basta imaginar o que estaria acontecendo neste momento de salto do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) com as contas de luz de consumidores que eventualmente estivessem descontratados, até porque é muito significativa a assimetria de informações entre esses consumidores e os demais agentes. Dessa forma, o processo não pode prescindir da capacitação dos consumidores residenciais sobre o tema.
Em paralelo, uma efetiva redução dos custos finais da energia depende da competição entre os fornecedores. Nesse sentido, os órgãos de defesa da concorrência precisam estar atentos para riscos inerentes a processos de abertura de mercado desse tipo, como a formação de cartéis para definição de produtos e preços, ou a divisão dos mercados entre diferentes oligopólios.
Mais, a redução de custos para consumidores que migrarem ao mercado livre não pode continuar se dando, em parte, a custas de aumentos daqueles deixados para os regulados. É preciso que haja uma divisão justa dos valores dos chamados contratos legados, já fechados pelas distribuidoras, cujo custo médio é superior aos negociados no mercado livre. Para se ter uma ideia, se os atuais contratos não forem ampliados, seu término deve dar somente em 2054. Nesse contexto, também têm de ser considerados outros custos que hoje recaem exclusivamente sobre o ACR, como o da energia nuclear. Além disso, o atendimento aos consumidores de baixa renda tem de ser considerado nesse processo, talvez com a criação de comercializador de última instância ou um comercializador regulado que garanta seu atendimento.
Apesar de desafios como esses, o movimento de ampliação do mercado livre combinado à evolução tecnológica abre espaço para a oferta de novos produtos e serviços inovadores para os pequenos consumidores. Mecanismos de gestão pelo lado da demanda podem, por exemplo, possibilitar que os consumidores residenciais gerenciem o uso de energia conforme as condições do setor, dando melhores respostas a sinais de preços. Portanto, além de economizar, quando livre esse consumidor poderá contribuir de maneira estratégica para evitar que o setor elétrico brasileiro chegue novamente a situações críticas como a atual.
* Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
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