Gustavo De Marchi escreve: Integração das fontes para a efetiva transição energética

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Publicado

17/Set/2021 17:00 BRT

Por Gustavo De Marchi*

Tem-se observado ao longo das últimas semanas um acalorado debate envolvendo o Ministério de Minas e Energia (MME), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e as associações setoriais acerca da grave situação hídrica do país e da consequente crise energética, com a adoção de medidas para o enfrentamento da questão de forma a afastar, ou pelo menos minimizar, o risco de racionamento.

Em virtude desse cenário, surge a necessidade de considerar a questão sob o prisma da transição energética mundial, ou seja, a passagem de uma matriz baseada predominantemente nos combustíveis fósseis para uma baseada em fontes renováveis com baixa ou zero emissão de carbono.

Por transição energética se entende o conjunto de medidas tendentes a disseminar a utilização de fontes energéticas com baixa emissão de carbono, bem como o uso eficiente dos recursos energéticos, o financiamento e uso comercial de inovações tecnológicas e a adequação das atividades produtivas ao desafio existencial representado pelas mudanças climáticas.

No setor elétrico brasileiro, um dos efeitos percebidos em razão das mudanças climáticas é a frustração da quantidade de chuvas quando comparados com seus padrões históricos, o que demanda um planejamento energético que considere, além dos atributos e da disponibilidade das fontes alternativas, as peculiaridades de cada região do país, sejam socioeconômicas ou territoriais, de forma a garantir uma transição segura.

É sabido que o Acordo de Paris trouxe uma grande expectativa para os investimentos em energias renováveis, contudo o Brasil já é um país que se destaca por possuir uma das matrizes mais renováveis do mundo, tendo em vista que 82,9% da energia elétrica produzida já vem dessas fontes, conforme divulgado pelo Ministério de Minas e Energia.[1]

Mesmo que a matriz energética atual já seja majoritariamente renovável, constata-se a ampliação da geração a partir de fontes ecologicamente sustentáveis com um grande avanço na utilização de fontes como a eólica e a solar. No entanto, a intermitência inerente a essas fontes torna necessária sua utilização de forma integrada com as demais já disponíveis em âmbito nacional para se assegurar a segurança energética no país.

Nesse ponto, ressalta-se que transição energética não ocorre de forma linear e não pode ser encarada como uma ruptura, mas, antes, como uma coexistência entre as fontes, de forma que as poluentes possam ser progressivamente substituídas, principalmente considerando as peculiaridades nacionais, como nossa geopolítica, as dimensões continentais do Brasil, os impactos nos produtores e consumidores, as transformações socioeconômicas e no meio ambiente, já tão impactado pelas mudanças climáticas.

Ademais, temos visto recentemente os impactos que as mudanças climáticas têm gerado na escassez hídrica nacional, com consequências para a nossa principal fonte de eletricidade, que por muito tempo esteve basicamente ancorada nas usinas hidrelétricas. Contudo, em virtude das restrições ambientais a grandes projetos hidrelétricos e do esgotamento dos potenciais de geração, a participação dessa modalidade de geração já vem sendo reduzida.

Nesse esteio, ressalta-se que em que pese relevantes, as discussões em torno da transição energética e a necessidade de se reduzir a emissão de carbono por meio do incremento da utilização de fontes limpas, como a eólica, a solar e a geração de hidrogênio, não são suficientes para se assegurar o cumprimento dos compromissos ambientais internacionais. É imperativo que se implemente um planejamento que deve perpassar também por medidas que paralisem a degradação ambiental.

Em recente estudo liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)[2] notou-se que a emissão de gás carbônico proveniente da Floresta Amazônica está mais elevada do que a sua absorção, o que é reflexo do alto desmatamento e das mudanças climáticas.

Portanto, para que o país possa efetivamente cumprir com o Acordo de Paris não basta que amplie sua matriz energética. É necessário um planejamento que adote como premissa a imperiosa paralisação do desmatamento amazônico e, de forma a garantir a segurança energética, reduzindo os riscos de novas crises de abastecimento de energia, é fundamental que se considere a abundância de nossas fontes, utilizando-as de forma integrada.

O país recentemente aprovou o novo marco regulatório do gás natural em atendimento às diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), tendo em vista o enorme potencial ainda inexplorado do energético, o que poderia ser também uma alternativa para a transição, com menores custos, movimentando a fragilizada economia, por meio da atração de investidores.

Nota-se, portanto, que o Brasil possui uma extrema vantagem: a pluralidade de fontes. Entretanto, a pluralidade de fontes por si só não traz a segurança energética necessária ao desenvolvimento sustentável do país (vide o cenário atual). É preciso que haja um eficiente planejamento capaz de garantir a real integração energética, atrelada a uma política setorial que permita a competição justa, segura e equilibrada entre as fontes e evite rompimentos drásticos da utilização daquelas já sedimentadas.

Tudo isso ao mesmo tempo em que precisamos urgentemente dar atenção ao ponto mais importante para garantir a segurança energética e reduzir o custo da energia: a ampliação da oferta. Afinal, nunca é demais lembrar Juscelino Kubitschek: “energia cara é aquela que não existe”.

[1] https://www.gov.br/pt-br/noticias/energia-minerais-e-combustiveis/2021/08/entenda-como-a-matriz-eletrica-brasileira-esta-mudando

[2] https://news.un.org/pt/story/2021/07/1757372


*Gustavo De Marchi é sócio do Décio Freire Advogados e presidente da Comissão de Energia do Conselho Federal da OAB. É membro titular do Corpo de Árbitros na Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem, vice-presidente do Setor Elétrico do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), Coordenador nacional da temática de Direito da Energia na Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB e consultor jurídico da FGV Energia. Presidente do Conselho de Administração da Amazonas Energia e Membro do Conselho de Energia da ACRJ.


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