Opinião da Comunidade

Daniela Giacobbo escreve: Desafios regulatórios às eólicas offshore

Daniela Giacobbo escreve: Desafios regulatórios às eólicas offshore

Por: Daniela Giacobbo*

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estimou um potencial técnico de geração para a fonte eólica offshore de cerca de 700 GW (EPE, Roadmap,2020), capacidade apta a dar escala à indústria de energia e às dela dependentes. Já no PDE 2030, a EPE prevê a tecnologia como candidata à expansão, o que impulsionaria o cumprimento das metas para a transição energética e solucionaria o problema de abastecimento, decorrência das crises hidrológicas das últimas décadas.

Analisou-se essa possibilidade no evento promovido pelo Conselho Federal da OAB, no dia 30/08, que trouxe visões múltiplas, de agentes públicos e de empreendedores, sobre as perspectivas e os desafios regulatórios e ambientais para a fonte. Foram destacadas as indefinições legais, principalmente quanto ao regime de outorga/delegação (por meio de concessão ou autorização) analisando-se a necessidade de criação ou não de um marco jurídico-regulatório para tal. Ou, o aperfeiçoamento do arcabouço já existente para a implantação, em definitivo, da tipologia.

Assim tem-se dois enfoques, um de ordem prática e, o outro, de ordem jurídica, que se entrelaçam, posto que as leis só existem para que do seu texto sejam extraídas as normas que irão nortear as decisões na implementação das políticas públicas e as relações contratuais consequentes (concessão ou autorização) para a prestação de um serviço essencial, que é o da energia. E, nesse contexto, envolvidos diversos agentes, importantíssimo é o estabelecimento de regras claras, de modo a conferir segurança jurídica a investidores nacionais e estrangeiros.

O SEB é composto por vários órgãos e entidades, com competências definidas e interdependentes, com o protagonismo regulatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), já que, de acordo com o art. 2º da Lei 9.427/19961, a agência tem por finalidade regular2 e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. De fato, a autarquia em regime especial tem “autonomia para estabelecer regras diretivas com tecnicidade, na implementação das políticas públicas”3. Dessa competência resultou a Resolução 876/20204, que tem por escopo estabelecer os requisitos e procedimentos necessários à obtenção de outorga de autorização para exploração e à alteração da capacidade instalada de centrais geradoras eólicas, fotovoltaicas, termelétricas e de outras fontes alternativas. Se é certo que o normativo não fala em aplicação apenas às eólicas onshore (como outras resoluções que regram especificamente a fonte terrestre, coma REN Conama 462/145, que trata dos procedimentos para o licenciamento ambiental), o fato é que tal regramento, em princípio, não seria aplicável às marítimas, não só por também se referir às “centrais geradoras com capacidade instalada reduzida”, mas porque ainda não definido o seu modelo de exploração, atribuição do poder concedente.

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Diante do caráter precário e procedimental, as resoluções, previstas no art. 59, VII, da CRFB/19886, obviamente não têm o condão de definir regime jurídico. Como os demais normativos infra legais, as resoluções têm grandes limitações: não podem inovar no mundo jurídico, “pois não representam autorizações dadas pelo legislador, cabendo-lhes, apenas, a tarefa de regulamentar leis e decretos, em atendimento ao princípio constitucional da reserva da lei”7. O licenciamento ambiental tem caráter procedimental o que justificou a regulação por resoluções, “diante da premência” para a edição de normas para a tutela ambiental, “pelo vácuo legislativo”8

Na análise de eventual sobreposição da área de influência dos projetos, quando do licenciamento ambiental pelo Ibama9, poderia ser adotada solução semelhante ao disposto na REN 546/201310 (com as alterações da REN 675/2015, que modificou as Resoluções 390 e 391), que impôs a necessidade de metodologia para diminuir o risco de interferência entre os parques, com regras específicas para a alteração da capacidade instalada e das características técnicas, e a declaração de ciência dos atingidos.

A REN 876/2020 estabelece como requisito para emissão do DRO11, a declaração de propriedade ou posse das áreas necessárias à implantação do empreendimento. Na faixa de mar territorial, a SPU é o órgão responsável pela liberação da área. Ou seja, regularidade ambiental e disponibilidade da área são requisitos para a obtenção do DRO, mas Ibama e SPU não têm, de acordo com as leis que os instituíram, competência reguladora. A SPU tem a atribuição, para os contratos de cessão, de expedir certidão declaratória, informativa quanto à disponibilidade do espaço físico em águas públicas, dentro das 12 milhas, para que o interessado possa dar início aos demais procedimentos, nos termos do art. 12 da Portaria 404/201212. Isso demonstra a necessária articulação que deve haver entre os entre envolvidos na fase prévia à outorga. No ponto, as Leis 8.617/1993 e 9.636/1998 devem ser interpretadas restritamente, porque não definem a forma de cessão, na gestão das áreas situadas no mar territorial, bem de domínio da União.

Assim, ainda que possua poder regulador, não compete à Aneel a definição do regime jurídico de exploração da fonte – se concessão ou autorização -, pois a autarquia implementa políticas públicas. Tal atribuição caberia, talvez, ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), nos termos do art. 2º, incisos I e IV, da Lei 9.478/199713, por meio de uma política nacional de aproveitamento do recurso eólico marítimo, com a participação da sociedade e dos entes envolvidos, até que sejam promulgadas as leis reguladoras, nos termos do parágrafo único, inc. I, do art. 175 da CRFB/198814, respeitando-se o direito adquirido dos projetos por ventura já contemplados com DRO.

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1 Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996. Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9427cons.htm. Acesso em: 1 set. 2021.
2 E, também, “nos termos do que dispõe o artigo 3º Lei nº 13.848/201920, que passou a reger a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras […] a natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua implementação”. GIACOBBO, Daniela. FROTA, Leandro. Por que precisamos de uma agência reguladora ambiental, defendem advogados. Poder 360. 18 out. 2020. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/congresso/brasil-precisa-de-uma-agencia-regulatoria-ambiental-defendem-advogados/. Acesso em: 1 set. 2021.
3 GIACOBBO, Daniela Garcia. O Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e as perspectivas para a implantação de uma agência reguladora ambiental. In: GUERRA, Sérgio (Org.). Teoria do estado regulador – Volume III, p. 234.Curitiba: Ed. Juruá, 2017. ISBN: 978-85-362-7680-9.
4 Resolução Normativa 876, de 10 de março de 2020. Estabelece os requisitos e procedimentos necessários à obtenção de outorga de autorização para exploração e à alteração da capacidade instalada de centrais geradoras Eólicas, Fotovoltaicas, Termelétricas e outras fontes alternativas e à comunicação de implantação de centrais geradoras com capacidade instalada reduzida. Brasília, DF: Aneel, 10 mar. 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-normativa-n-876-de-10-de-marco-de-2020-247799577. Acesso em: 1 set. 2021.
5 Resolução 462, de 24 de julho de 2014. Estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície terrestre, altera o art. 1º da Resolução CONAMA n.º 279, de 27 de julho de 2001, e dá outras providências. Brasília, DF: Conama, 24 jul. 2014. Disponível em: http://www2.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=703. Acesso em: 1 set. 2021. 6 “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: […] VII – resoluções”.
7 Op cit, p. 249.
8 Id
9 O Ibama exerce a sua competência nos termos do art. 3º, VII, “c”, do Decreto 8.437/2015 .“Art. 3º. Sem prejuízo das disposições contidas no art. 7 º, caput, inciso XIV, alíneas “a” a “g”, da Lei Complementar nº 140, de 2011, serão licenciados pelo órgão ambiental federal competente os seguintes empreendimentos ou atividades: […]VII – sistemas de geração e transmissão de energia elétrica, quais sejam: […]c) usinas eólicas, no caso de empreendimentos e atividades offshore e zona de transição terra-mar”.
10 Resolução Normativa 546, de 16 de abril de 2013. Altera as Resoluções Normativas n. 390 e 391, de 15 de dezembro de 2009. Brasília, DF: Aneel, 16 abr. 2013. Disponível em: https://www.absolar.org.
11 Despacho de Registro do Requerimento de Outorga, nos termos do art. 6º da referida REN 876/2020.
12 Portaria 404, de 28 de dezembro de 2012. Brasília, DF: SPU, 28 dez. 2012. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/patrimonio-da-uniao/legislacao/portarias/portarias-da-spu/arquivos/2016/portaria-404-2012-cessao-de-espaco-fisico-em-aguas-publicas-revoga-portaria-24-2011-1.pdf/view. Acesso em: 1 set. 2021.
13 Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm. Acesso em: 1 set. 2021.
14 “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão”.

*Daniela Garcia Giacobbo é advogada e consultora jurídica na DGG Advocacia e Consultoria Jurídica. É mestra em Direito da Regulação (FGV Direito Rio) e membro da Comissão Especial de Assuntos Regulatórios da OAB Nacional. Professora, palestrante e autora de diversos artigos e capítulos de livros sobre Direito Ambiental e Direito de Energia, setores dos quais participa de entidades associativas.

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