Por Maurício Tolmasquim*
Nos últimos vinte anos vem ocorrendo uma mudança importante da matriz elétrica mundial. O combate às mudanças climáticas e à redução dos custos das fontes energéticas “não convencionais” vêm permitindo um aumento expressivo da participação das energias renováveis na geração de eletricidade. O mesmo vem ocorrendo no Brasil, onde há uma forte expansão da capacidade instalada das energias eólica e solar.
Apesar de serem renováveis, possuírem baixo conteúdo em carbono, e terem pequeno impacto ambiental local, a geração eólica e solar é variável e pouco previsível, o que impõe um desafio para a operação segura do sistema elétrico.
Tornar o sistema elétrico mais flexível, ou seja, capaz de acomodar as mudanças da demanda e oferta de energia rapidamente e de forma confiável, é o caminho para aumentar a participação das fontes energéticas intermitentes de forma segura. O aumento da flexibilidade do sistema passa pela implementação de medidas operacionais, expansão da malha de transmissão, expansão do armazenamento, incentivo a resposta pela demanda e priorização da geração flexível.
As medidas operacionais, tais como melhor gerenciamentos de reserva, redução do tempo de despacho e melhoria de previsão, podem ser implementadas com baixo custo de investimento. A expansão da malha de transmissão, apesar de exigir investimentos vultosos, permite o aproveitamento da complementaridade entre as usinas de uma mesma fonte de energia e entre fontes de energia com regimes de geração complementares. Já o armazenamento, seja por meio de hidrelétricas reversíveis ou baterias, permite o gerenciamento de energia do sistema e a manutenção da qualidade da potência elétrica fornecida. Ele cria demanda nos momentos de excesso de eletricidade e serve de suprimento durante os momentos de escassez. A resposta da demanda, por sua vez, viabilizada pelo desenvolvimento das tecnologias digitais e por sinais de preços adequados, fornece incentivos ao consumidor de consumir menos nos momentos de alta demanda e baixa oferta e simetricamente, consumir mais nos momentos de baixa demanda líquida.
A geração flexível a partir de hidrelétricas com reservatórios e turbinas a gás de partida rápida, complementa o leque de ações elencadas. As hidrelétricas com reservatórios podem em alguns minutos atingir a plena capacidade de funcionamento e em menos de um segundo aumentar ou diminuir em 50% a sua geração. Apesar destes atributos, as hidroelétricas com reservatório sofrem uma grande oposição da opinião pública em função dos seus potenciais impactos sócios ambientais, sobretudo aquelas localizadas na região amazônica.
As termelétricas a gás flexíveis podem ser rapidamente ligadas ou desligadas e ter prontamente a sua geração aumentada ou diminuída. Portanto, se adequam as variações frequentes da geração inerentes as fontes renováveis intermitentes. As termelétricas inflexíveis, seja por questões tecnológicas (por exemplo, carvão ou nuclear) ou por questões contratuais (por exemplo, gás natural) levam a perda da capacidade do sistema elétrico de se adaptar a variabilidade dos recursos naturais. Assim, elas tornam o despacho mais caro e mais poluente, visto que devem ser obrigatoriamente despachadas mesmo em momentos de boa hidrologia, bons ventos ou alta irradiação solar.
Para o sistema elétrico as térmicas a gás ideais são aquelas que funcionem apenas quando necessárias para garantir a segurança do sistema. No entanto, para atender a dinâmica do setor de gás nacional, elas não são as mais adequadas. A garantia de uma demanda firme de gás é fundamental tanto para a produção de gás associado a produção de petróleo, bem como para a amortização dos caros gasodutos.
Assim, vivemos um dilema no setor energético brasileiro: garantir a flexibilidade do sistema elétrico ou garantir uma âncora para o mercado de gás nacional?
É claro que existem soluções para este dilema como a implementação de um mercado secundário para o gás natural ou a viabilização do seu armazenamento. Contudo, apesar de possíveis, estas são soluções mais complexas.
*Maurício Tolmasquim é professor titular da Coppe/UFRJ, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia.
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