Rodrigo Machado e Felipe Zaratini escrevem: Procedimento Competitivo Simplificado - A última cartada do governo federal?

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Publicado

01/Out/2021 16:30 BRT

Por Rodrigo Machado e Felipe Zaratini*

O Ministério de Minas e Energia (MME) publicou, em 17 de setembro deste ano, a Portaria nº 24/2021 (alterada pela Portaria nº 25/2021, publicada em 21 de setembro) que trata das diretrizes gerais para realização de Procedimento Competitivo Simplificado para Contratação de Reserva de Capacidade, na forma de energia de reserva, denominado Procedimento Competitivo Simplificado de 2021 (ou Procedimento Simplificado de Reserva).

A normativa se apoia (i) na Medida Provisória nº 1.055/2021, que autoriza que as contratações de reserva de capacidade ocorram por meio de leilões simplificados; (ii) nas alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.120/2021, a qual dispõe, entre outras questões, que os custos relacionados à contratação de reserva de capacidade serão rateados entre todos os usuários finais de energia elétrica do SIN; (iii) no Decreto nº 6.353/2008, que regra a contratação de energia de reserva; e (iv) na Resolução nº 04/2021 da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), que determinou a realização de procedimento simplificado para contratação de reserva de capacidade.

O Procedimento Simplificado de Reserva busca a manutenção e a preservação do abastecimento de energia elétrica ao Sistema Interligado Nacional (SIN), por meio da contratação de energia de reserva para o período abrangido entre 2022 e 2025. Para tanto, serão firmados Contratos de Energia de Reserva com empreendimentos termelétricos a biomassa, a gás natural, a óleo combustível, a óleo diesel, além de empreendimentos eólicos e solares fotovoltaicos.

A realização desse certame é mais uma medida adotada pelo Governo Federal com vistas à contenção da possibilidade de racionamento de energia elétrica. Dentre as outras já adotadas, tivemos: (i) a inclusão de custos fixos ao CVU de UTEs (Portaria MME nº 05/2021); (ii) a contratação de oferta adicional de geração termelétrica ao SIN (Portaria MME nº 17/2021; (iii) o programa de Redução Voluntária de Demanda (Portaria MME nº 22/2021); e (iv) a criação da bandeira tarifária escassez hídrica.

Ressalta-se, porém, que até o momento e apesar de todas essas medidas, os recursos do sistema ainda se mostram insuficientes para apaziguar os temores sobre a segurança energética do país. Segundo relatório elaborado em setembro pelo Tribunal de Contas da União (TCU), as medidas tomadas “não estão sendo suficientes para afastar o risco de desabastecimento e garantir a segurança do suprimento eletroenergético na situação atual de escassez hídrica.

Ademais, as medidas já adotadas – mesmo que fossem suficientes por si só – envolvem o dispêndio de valores significativos que, em última instância, serão cobrados dos consumidores e podem contribuir ainda mais com a crescente inflação.

Nesse contexto, a dúvida que resta nesse momento é se esse certame para contratação de reserva de capacidade bastará para solucionar a situação do sistema e encerrar a adoção de medidas que encarecem a conta de luz diante do que o próprio MME chamou de “a pior crise hídrica dos últimos 91 anos”[1]

Para esclarecer essa incerteza, será necessário que o Governo Federal enderece algumas questões e preocupações com relação a esse leilão que serão determinantes para garantir o sucesso do certame.

De início, destacamos que a Resolução 04/2021 do Creg determinou que o Procedimento Simplificado de Reserva deveria prever a simplificação dos prazos e requisitos para cadastramento e habilitação técnica e publicação do edital.

Com relação ao cadastramento e habilitação, para participação no certame, os interessados deverão se cadastrar junto à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em até 10 dias contados da publicação da portaria – de acordo com nota publicada no site da EPE, os cadastramentos foram recebidos até às 23:59h do dia 29 de setembro.

Por se tratar de um procedimento simplificado, no momento do cadastro da EPE não foi exigida nenhuma documentação, bastando apenas o preenchimento completo da Ficha de Dados no AEGE (Sistema de Acompanhamento de Empreendimentos Geradores de Energia).

Para esse leilão, a EPE destaca que apresentação de documentação será exigida apenas após a fase de cadastramento inicial. Todavia, há certa insegurança com relação à falta de clareza sobre como e quando esses documentos serão exigidos no futuro. Diante do racional simplificado do leilão e do contexto da sua realização na busca de soluções para a crise energética, a expectativa dos agentes é que o assunto seja equacionado pela regulamentação.

O fato é que, ainda que simplificado, o prazo para cadastramento foi excepcionalmente exíguo. Há companhias que sequer conseguem tomar uma decisão dessa natureza em 10 dias diante de suas regras de governança (que muitas vezes envolvem controladores no exterior e com complexo processo decisório). Possivelmente a intenção do Governo Federal era selecionar apenas empreendimentos que já possuíssem algum grau de desenvolvimento que permita que eles atendam o – mais uma vez bastante exíguo – prazo para início de operação comercial estabelecido pelo leilão.

De acordo com as regras do certame, os empreendimentos que se sagrarem vencedores deverão entrar em operação comercial até maio de 2022. Considerando que a Portaria MME nº 24/2021 estabeleceu que o leilão deve ser realizado ainda em outubro de 2021, isso dá aos agentes um prazo de apenas sete meses para iniciar a operação das usinas.

Os prazos previstos para a realização do Procedimento Simplificado de Reserva não são apenas desafiadores para os agentes, mas também para o próprio governo. Tanto é assim que, ao que tudo indica, a Aneel nem mesmo submeterá a minuta dos editais de procedimentos licitatórios a consulta pública para discussão pelos agentes setoriais.

A análise do procedimento do leilão foi distribuída ao Diretor Efrain Pereira da Cruz em 20 de setembro e, em ato subsequente, em 30 de setembro a aprovação do edital e dos anexos do Procedimento Simplificado de Reserva foi incluída na pauta para deliberação na 37º Reunião Pública Ordinária da Diretoria da Aneel de 2021, marcada para o dia 5 de outubro.

E, com efeito, seria bastante desafiador a realização de uma consulta pública, considerando que os agentes teriam, no mínimo, 10 dias para realizar contribuições (nos termos da Norma de Organização 01/1998), e, assim, a Aneel teria somente duas semanas para concluir a sua análise e realizar o certame.

Fato é que o prazo para realização do certame foi tão desafiador que a Aneel se viu obrigada a escolher entre abrir mão da consulta pública ou publicar o edital com pouquíssimo prazo até a realização do leilão. Não havia, aqui, saída fácil para a agência.

De toda a forma, apesar da brevidade, a elaboração do edital demandará bastante atenção. E isso porque a fase de cadastramento possui mais margem para ser simplificada e menos regulamentada na medida em que não constitui nenhuma espécie de proposta vinculante pelos empreendedores, apenas uma intenção de participar.

Porém, ao efetivamente participar e ganhar o leilão, os agentes estarão vinculados às propostas formuladas e, dessa forma, será essencial que o edital preveja de maneira clara os próximos passos no processo de habilitação e outorga e também no que se refere à alocação de riscos no certame.

Por fim, é notório que o Governo Federal está adotando medidas importantes para conter o risco de racionamento no País, contudo a resposta somente pelo lado da oferta dificilmente surtirá efeitos. É necessário que os mecanismos de resposta de demanda se mostrem exitosos.

Independentemente disso, fato é que todos os desafios que a presente crise hídrica trouxe ao sistema estão servindo de importante aprendizado para os agentes e entidades do setor e, certamente, as lições aprendidas contribuirão também para evitar outros racionamentos nos anos por vir.

[1] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4945870-pais-vive-maior-crise-hidrica-dos-ultimos-91-anos-diz-ministerio.html


*Rodrigo Machado e Felipe Zaratini são, respectivamente, sócio e associado do Madrona Advogados.


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