Lindemberg Reis, Samuel Vieira e Lucas Malheiros escrevem: MP 1.118/2022 e a inventividade danosa

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Publicado

21/Set/2022 18:47 BRT

Por: Lindemberg Reis, Samuel Vieira e Lucas Malheiros*

Caro leitor, te convidamos a fazer o seguinte exercício: baixe a Medida Provisória n° 1.118/2022 e veja seu objeto que consta em poucas páginas. Ficará claro para você, logo na primeira lauda, que se trata de uma MP acerca da revisão da incidência de tributos sobre combustíveis, com alterações à Lei Complementar n° 192/2022. 

Entretanto, ao inserir na referida MP assuntos sem pertinência temática no Projeto de Lei de Conversão no 25/2022, impacta-se de forma expressiva o setor elétrico nacional. Trata-se de alterações na Lei 9.427/96, propondo três pontos de reforma:

I. Dotar de prazo adicional à entrada em operação dos empreendimentos de geração via fontes renováveis, permitindo se beneficiarem dos descontos na TUST e na TUSD;

II. Condicionamento à utilização do Sinal Locacional na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) e na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd); e

III. Congelamento da Tust para concessões e autorizações de geração por todo período de outorga;

O texto encaminhado para o Senado sofreu de incorporações fora do contexto. Excluída a hipótese de falta de bom senso, trata-se de inovações não desejáveis, ao menos sob a ótica do usuário. 

Vejamos:

A Medida Provisória n° 998/2020, convertida na Lei n° 14.120/2021, estabeleceu o fim dos descontos nas tarifas de uso dos sistemas de distribuição (Tusd) e de transmissão (Tust) para empreendimentos de geração a partir de fontes incentivadas, bem como para os consumidores que adquirirem energia desses geradores. Após a publicação da Lei n° 14.120, em março de 2021, somente se beneficiarão do desconto os empreendimentos que solicitaram outorga até fevereiro de 2022 e entrarem em operação em até 48 meses da data da outorga, ou seja, no limite, até fevereiro de 2026. 

Ao ampliar os prazos para entrada em operação de fontes incentivadas para 72 meses, prevê-se 40,8 GW entrando em operação e que, segundo a Lei, não seriam alcançados pelo subsídio. Em potência instalada, equivale a três usinas hidrelétricas de Itaipu recebendo subsídios, desnecessários, diga-se de passagem. Em síntese, tal medida adicionará um custo de R$ 8,5 bilhões/ano ao consumidor, sem considerar tributos.

Aliás, cabe o pensamento crítico. A matriz de geração de energia elétrica nacional é uma das mais renováveis do mundo. São cerca de 80% da geração por meio de fontes hídricas, eólicas, térmicas a biomassa e usinas fotovoltaicas. Portanto, ainda são cabíveis estímulos, via subvenções, às fontes renováveis? A Lei n° 14.120/2021 deixa claro que estes subsídios já cumpriram seu papel, não sendo mais necessários, desejáveis, prudentes.

Já a proposição de flexibilização do uso do sinal locacional para a Tust, apresentada na MP, agravará as distorções que motivaram os aprimoramentos técnicos conduzidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – que buscou em Consulta Pública recente, nº 39/21, justamente a intensificação do sinal locacional, para corrigir homologação de preços equivocados. Em apertado resumo, a MP prejudica o consumidor do Norte e Nordeste do país, justamente quem deveria ser mais beneficiado com o sinal locacional bem estimado.

Em seu turno, fixar a Tust para os geradores por todo o período da outorga, como propõe a MP, cerceia os geradores a aportarem recursos para custearem a expansão do sistema de transmissão, cujos custos recairão exclusivamente sobre os novos geradores e usuários do Sistema Interligado Nacional (SIN). Considerando que a região Nordeste do Brasil concentra grandemente novos projetos de geração, essa medida proposta na MP irá novamente prejudicar o desenvolvimento da região.

Em simulações realizadas pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o congelamento da Tust para o segmento de geração irá alocar custos de expansão e renovação da transmissão apenas sobre novos geradores, representando um custo estimado de R$ 4,6 bilhões acumulados em nove anos. 

Dessa forma, as medidas inseridas na MP, sem pertinência temática, irão inserir custos ao setor elétrico em torno de R$ 36 bilhões no horizonte 2023-2031, aproximadamente, R$ 9 bilhões por ano.

O movimento da MP no 1.118/22 para o setor elétrico vai justamente na contramão dos esforços empreendidos recentemente em prol da desoneração das tarifas de energia elétrica. São exemplos (i) a própria Lei Complementar n° 192/2022, que limitou a incidência de ICMS em 17%/18% a depender do Estado, além de reduzir a base de incidência do imposto; (ii) a Lei n° 14.300/2022, que impõe metas para reduzir os subsídios à micro e mini geração distribuída; (iii) estudos que estão sendo conduzidos pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para a modicidade tarifária. 

De tal sorte que o disposto na MP no 1.118/22 pode ser classificada como inventividade danosa ao setor elétrico, em nada agregando para a sua evolução. A Abradee defende movimentos sustentáveis, equilibrados, pautados na segurança jurídica, ao encontro da desoneração tarifária. Este é o nosso compromisso.

*Lindemberg Reis, Samuel Vieira e Lucas Malheiros são, respectivamente, gerente de Planejamento e Inteligência de Mercado, Especialista em Regulação e Assessor de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). 


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