Por: Nivalde de Castro*
O objetivo central deste pequeno artigo é firmar uma hipótese, consistente, de que o Setor Elétrico Brasileiro receberá um impacto positivo, dinâmico e construtivo para sua expansão derivado do processo de transição energética global, em particular da Europa, transição que passa a operar no modo “marcha-forçada” com as sanções econômicas aplicadas à Rússia pela invasão da Ucrânia.
Os desequilíbrios no mercado mundial de gás e petróleo com a redução da oferta russa, um dos maiores produtores e exportadores destes insumos energéticos, acendeu a luz vermelha de três variáveis estratégicas para as economias desenvolvidas, em especial da Europa: segurança energética, quebra nas cadeias produtivas e inflação.
Neste novo contexto, está ocorrendo um movimento de ajuste das políticas energéticas como, por exemplo, o acionamento de usinas termoelétricas e revisão do papel das usinas nucleares consideradas verdes na Europa, até mesmo, à reativação de usinas nucleares no Japão e suspensão do fechamento de três nucleares da Alemanha, entre tantas outras. O objetivo maior deste reposicionamento é garantir o suprimento energético, notadamente no período do inverno, através incluso de crescentes medidas de racionamento. E com o agravante de que, no curto e médio prazo, a oferta de gás e petróleo é inelástica, dado o volume de importação da Europa vis a vis a participação russa neste mercado.
Um movimento estratégico previsto nos Acordos Climáticos internacionais, de substituição de gás e petróleo por fontes renováveis, especialmente eólica, solar e hidrogênio verde (H2V) agora será acelerado, como atestam os novos planos e programas direcionados para redução de consumo, via eficiência energética, e aumento da capacidade instalada. O leitmotiv desta dinâmica é que o aumento e a instabilidade no preço final da energia elétrica, afeta diretamente a competitividade industrial, já várias fabricas eletro intensivas estão parando a produção e os impactos sobre o poder aquisitivo das famílias. Desta forma, os investimentos em energia eólica on e off shore e solar serão intensificados dado o novo patamar do custo de oportunidade.
Destaca-se que a União Europeia, desde 2000 vem priorizando investimentos em renováveis. De 2000 até 2020, a produção de energia elétrica gerada por fontes renováveis passou de 16% para 38%. Contudo, muito mais deverá ser feito para se garantir o triplo objetivo de segurança energética, descarbonização e redução com previsibilidade de custos.
Passando para o cenário nacional, a transição energética será positiva para o Brasil por diversas razões, sendo que aquelas relacionadas ao hidrogênio verde serão examinadas a seguir.
Este recurso energético renovável terá uma função impar em garantir a substituição de gás, petróleo e carvão, ou seja, a descarbonização, em inúmeros processos industriais de difícil eletrificação. As indústrias siderúrgica, cimenteira, cerâmica, fertilizantes, dentre outras, terão que produzir, na dinâmica da transição, bens verdes para atender as metas de redução de emissões de carbono, cada vez mais rigorosas, no horizonte de 2050. Assim, somente os países com potencial de geração eólica e solar, como o Brasil, serão capazes de produzir H2V através da eletrólise, rota tecnológica mais madura.
Um exemplo do potencial deste mercado está na Alemanha, que estimava, antes da crise da Ucrânia, a necessidade de importar cerca de 85% da demanda interna de H2V projetada para 2050. Deste exemplo, vislumbra-se cenário de que o H2V será a commodity energética que irá substituir gradativamente o gás e o petróleo, em função dos três vetores: segurança, sustentabilidade e custo.
O grande benefício para os países importadores desta nova commodity, como é o caso da Alemanha, é que o mercado mundial terá uma estrutura oposta ao atual oligopólio do gás e do petróleo, em razão da desconcentração produtiva do H2V. Será, na verdade, um mercado oligopsônico, no qual poucos países comprarão de muitos países. Ou seja, os riscos associados à segurança energética, emissões e custos serão reduzidos.
O Brasil possui vantagens competitivas na estruturação deste novo mercado. A primeira é o potencial de geração eólica, tanto on quanto off shore, e solar, estimada pela EPE em 1.300 GW, destacando que, hoje, a capacidade total instalada de geração é de cerca de 190 GW. O fato de o sistema elétrico ser integrado e de dimensão nacional garante que novas plantas de renováveis poderão se conectar à rede, possibilitando o suprimento de H2V aos portos oceânicos sem nenhum constrangimento.
Por fim, o desenvolvimento da indústria nascente de H2V na sua trajetória de ganhos de escala terá uma grande vantagem no atendimento da demanda interna das cadeias produtivas nacionais, as quais, a exemplo de outros países, deverão converter as suas matrizes energéticas cinzas em verdes. Trata-se de processo de descarbonização da indústria nacional, para garantir competitividade no mercado internacional, considerando o cenário europeu de taxação de bens intermediários pelo grau de pegada de carbono.
Em suma, o Setor Elétrico Brasileiro possui um grande potencial de expansão da fronteira de geração associada diretamente ao desenvolvimento da indústria eletrointensiva do H2V, sendo um novo e promissor cenário para o país.
* Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico
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