Fábio Amorim e João Paulo Menna Barreto escrevem: Concessão de distribuição - tratar diferentes como diferentes

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Publicado

03/Fev/2023 10:47 BRT

Por: Fábio Amorim e João Paulo Menna Barreto de Castro Ferreira*

No dia 23/11/2022, a diretoria da Aneel recebeu o Grupo da Transição e apresentou temas regulatórios do setor elétrico. Dentre os pontos de atenção levantados, destacamos as condições de sustentabilidade econômico-financeiras da Amazonas Energia (já com Termo de Intimação nº 04/22), Light e Enel Rio.

No MME, o novo ministro Alexandre Silveira tem sob análise uma relação de 25 prioridades setoriais, dentre elas a situação das três distribuidoras acima citadas.

É de conhecimento que, no segundo semestre de 2022, a Aneel requereu a Amazonas um plano de viabilidade para sua concessão, sendo que este prazo expira agora em janeiro, portanto, estamos próximos de uma decisão da agência.

Ao analisar o ativo, o BTG Pactual, em seu relatório, destacou que a concessão possui perdas comerciais em patamares acima de 40%, uma alta inadimplência e problemas específicos de uma concessão em um estado gigante e com áreas totalmente diferenciadas.

Dúvida não há que a concessão da forma ora desenhada não é viável e soluções sinalizadas poderiam ser no sentido de um maior prazo de concessão, divisão de sua área por subconcessões, um novo referencial regulatório para perdas comerciais e uma necessária neutralidade de seu reconhecimento, e, também, expurgos para interrupções onde o Estado não chega. As três distribuidoras têm em comum quase a totalidade destes problemas.

Portanto, inviáveis atualmente as três concessões, que por regras e modelagem ora adotadas correm riscos de intervenção, caducidade, extinção da concessão, indenização e relicitação, o que não interessa a nenhum agente setorial ou institucional envolvido.

As três concessionárias possuem perdas comerciais em patamares que inviabilizam suas concessões. Light e Enel Rio, privatizadas em 1996 e há meses de requererem renovação de seus contratos, e Amazonas, privatizada há apenas quatro anos, padecem do mesmo mal, por mais que tenham e continuem a investir bilhões neste problema moral, ético, social e criminal. Não revertem perdas a patamares aceitáveis e cabíveis, o consumidor paga parte destes ilícitos penais que os “consumidores” fazem, mas perdem, também, o consumidor honesto e o acionista. Portanto, não há um círculo virtuoso e Light e Enel Rio têm, ainda, outro ponto em comum, pois irão requerer nos próximos meses a renovação de suas concessões.

Diante da realidade de suas concessões, e de um novo marco regulatório que se avizinha, entendemos que este momento é propício para uma provocação.

Ao invés de se pensar em intervir e, eventualmente, decretar a caducidade das três concessões, não seria o momento de se contemplar nos contratos de concessão expurgos das perdas comerciais em áreas de risco, neutralidade por alguns anos desta perda e adotar subconcessões em áreas complexas e diferentes da realidade do Brasil como um todo?

Se sim para as perguntas acima, as três distribuidoras poderiam ter em seus contratos a exata realidade de suas concessões e, assim, se tornarem viáveis, garantindo sua saúde financeira e uma tarifa menor.

Salvo um ou outro ponto crítico de perdas comerciais em outra concessão, nada se equipara às três, que sofrem para se manter viáveis e estão sob risco de sofrerem restrições. Dados da Aneel indicam há muito que nos estados do Rio e do Amazonas sempre foram registrados uma maior ocorrência de irregularidades no consumo, em que pese estas distribuidoras investirem bilhões há anos em práticas e tecnologias para combater esse ilícito penal.

Não por acaso, cláusulas econômicas e de qualidade do serviço, as quais se tornaram mais rigorosas após aditivos contratuais, se não cumpridas, sujeitam as concessionárias à intervenção. Estas cláusulas, no entanto, não refletem a realidade dessas concessões, de modo que devem ser estabelecidos padrões diferenciados de acordo com as peculiaridades de cada empresa.

No caso da Amazonas, Light, Enel Rio e de uma ou outra distribuidora aqui não citada não é crível que sejam penalizadas pela ausência do Estado.

As três distribuidoras têm ainda em comum uma população vivendo em aglomerados subnormais ou precários (comunidades), sendo este um bom indicador para o grau de informalidade da concessão e, consequentemente, para as dificuldades encontradas no combate às perdas.

No Rio existem mais de mil favelas em sua região metropolitana e nela estão mais de 1 milhão de “consumidores”, realidade essa fruto da ausência do Estado e a presença de milícias e facções criminosas, dentre outros fatores.

Relatório da XP datado de 02/02/23 reforça a dificuldade acima apontada ao afirmar que “um ponto de atenção é uma possível complexidade para o Estado do Rio e Janeiro encontrar outros operadores privados com interesse em atuar na área de concessão da Light ... e ainda pagar o volume da outorga”. Ampliamos o raciocínio para a Enel, na sua área de concessão que se encontra na região metropolitana da cidade do Rio. Portanto, reafirmamos entendimento no sentido de renovação de concessão que contemple a realidade de cada área de concessão.

Nesse cenário, as distribuidoras enfrentam o desafio de garantir a prestação do serviço, manter o padrão de qualidade, combater irregularidades no consumo e a inadimplência em sua área de concessão. Claramente, essa conta não fecha e este pode ser um momento de se contemplar nos contratos a serem renovados estas peculiaridades. Não há como termos contratos de adesão para realidades tão descoladas de todo o país.

Estamos em vias de inaugurar um novo marco regulatório e, neste momento, vivenciaremos a renovação dos contratos de concessão das 20 distribuidoras privatizadas na década de 90. Como as pretéritas concessões das distribuidoras não privatizadas foram prorrogadas sem onerosidade, em conformidade com a lei e contrato, é necessário que a segurança jurídica e previsibilidade sejam mantidas.

E, neste momento, entendemos oportuno que os novos contratos contemplem expurgos de interrupções do serviço e de perdas comerciais nas áreas de risco, neutralidade para perdas em prazo a ser definido e subconcessões para refletir a realidade de cada área.

Com um modelo totalmente novo, cláusulas estabelecidas nos anos 90 e seus aditivos deverão ser revistas, contemplando uma realidade atual e aderente à cada concessão. O setor será outro e o segmento de distribuição também. Por isso, não há que se falar em prorrogação e sim renovação dos contratos, já que teremos um instrumento que refletirá o novo modelo setorial.

Temos que tratar os diferentes de forma diferente. Não é viável que uma distribuidora que possui uma área de concessão dominada por traficantes e milícias continue a ser compelida e prejudicada a prestar um serviço que é desviado ou interrompido pelo percentual surreal de extrema violência e manipulações na rede e nos medidores.

Se o Estado não consegue recuperar estes territórios, o que uma concessionária pode fazer? No atual cenário, bilhões são investidos anualmente para “enxugar gelo”. Assim, temos uma oportunidade de convergência ideal para contemplar contratualmente a realidade das empresas, customizando as concessões.

Momento de se ter um olhar diferenciado para o Rio, Amazonas e outros estados que, com suas mazelas, impedem as distribuidoras de receberem pela energia que fornecem e fazem com que a tarifa seja mais cara, não remunerando a concessionária e nem o acionista.

Estamos no exato momento de mudanças. Novo governo, novo modelo e a possibilidade de se customizar os contratos de acordo com a realidade de cada distribuidora. Muito melhor uma renovação do que sanções regulatórias, que só prejudicam os stakeholders envolvidos e criam riscos e apreensões em um setor tão relevante para o desenvolvimento do país.

Fábio Amorim é consultor jurídico de Energia Elétrica no Décio Freire Advogados e presidente da comissão de Direito de Energia Elétrica da OAB/RJ; e João Paulo Menna Barreto de Castro Ferreira é membro da comissão de Direito de Energia Elétrica da OAB/RJ.

 

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