Por: Luan Vieira*
Comumente falam-se no setor que o MRE é um condomínio de usinas hidrelétricas despachadas centralizadamente, onde pequena centrais hidrelétricas (PCH’s) podem arbitrariamente participar. Neste condomínio, os participantes não podem escolher quando ou como vão gerar, logo, eles compartilham o risco hidrológico, ou seja, aqueles que geraram mais compartilham sua geração com os que geraram menos. É como se o Brasil fosse uma grande caixa d’agua e as usinas fossem torneiras que usufruem da disponibilidade dessa água acumulada. Quem escolhe qual torneira será usada é o ONS, por meio de modelos matemáticos visando a otimização da água disponível. A justificativa do despacho centralizado é a configuração da geração hidrelétrica no país, as usinas com reservatórios no Brasil estão distribuídas em cascatas. A capacidade de produção de uma usina que não esteja na cabeceira da cascata depende do uso da água que se faça a montante.
Assim, todo sistema precisa de um índice, no MRE o GSF (Generation Scaling Factor), reflete, ou deveria, a condição favorável para a geração hidrelétrica. Pois, nada mais é do que a razão entre a geração das usinas participantes do MRE (GER) e a garantia física atribuída a elas (GFIS). O GSF maior que 1, indica uma boa condição de hidrologia e consequentemente, existe um superavit de geração valorada ao PLD (chamado de energia secundária) sendo compartilhada entre todas as usinas do sistema. Da mesma maneira, se o GSF for menor do que um, isso indica uma condição desfavorável da hidrologia e uma geração menor do que a garantia física, apresentando um déficit de geração exposta ao PLD. Contudo, em todo e qualquer índice, se os dados de entrada estiverem corrompidos o próprio índice também estará. Este é o caso do problema do GSF que nunca foi resolvido.
É possível classificar este problema do GSF em dois, sendo o primeiro estrutural e o segundo conjuntural. O problema estrutural do GSF consiste no crescimento da carga sem o acompanhamento de novas usinas com reservatórios. É como se a caixa d’agua mantivesse-se para atender mais pessoas, ou seja, é uma perda de capacidade. Para as UHEs serem capazes de atender a carga, os reservatórios precisariam estar sempre mais cheios. O problema conjuntural é bem mais complexo, consistindo em anos de práticas diversas que impactaram no MRE. Esse problema se subdivide em mais dois, o da GFIS e o da GER. O problema da GFIS resume-se na falta de revisão ordinárias e extraordinárias das GFIS das usinas do MRE, a judicialização das revisões que ocorreram e o incremento de GFIS por meio das usinas estruturantes. Sendo que todos significaram um aumento do denominador, sem necessariamente aumentar o numerador, consequentemente afundando, artificialmente, o índice.
No que diz respeito a GER, o governo criou desde a crise hídrica de 2001 diversos programas e práticas para diversificar a matriz energética e dar mais segurança ao sistema. A principal delas foi a permissão da Geração Fora da Ordem de Mérito (GFOM). A qual consiste no despacho de usinas térmicas fora do modelo com a finalidade de poupar os reservatórios para o futuro. Quando a GER deixa de acontecer, mesmo tendo condições de serem despachadas dá-se o nome de deslocamento hidráulico (DH). As usinas que deixaram de gerar são prejudicadas e consequentemente o GSF afunda. Mas, não é só isso que causa o DH. Para simplificar, aqui estão os outros causadores: Geração Distribuída; Energia de Reserva; Importação e Atraso na entrada de operação das LT’s. Com isso, percebe-se que uma relação de tipos de fonte que deveria ser parecida com o comensalismo configura mais uma competição pelo atendimento da carga.
As usinas hidrelétricas estavam gerando menos, mas assumindo o custo desse DH, até que em 2015 eles judicializaram o GSF, impactando num travamento de bilhões na CCEE deixando a situação tão insustentável que o governo precisou intervir. Disso, houve três desfechos:
1-Repactuação do Risco hidrológico (2015): Repassar o risco aos consumidores em troca de abatimento no preço da energia.
2-Compartilhamento do Deslocamento Hidráulico (2017): Os geradores pagam o PLDx e o consumidor paga (custo do DH – PLDx).
3-Extensão de Outorgas (2021): Pagamento do remanescente pela extensão de outorgas.
Portanto, apesar do MRE ser simples, muitos são os problemas que o influenciam, tornando-o extremamente complexo. Para piorar, entendendo o MRE é fácil concluir que nenhuma das soluções mencionadas aprimoraram o mecanismo tão pouco resolveram seja a parcela estrutural seja a conjuntural do problema. É possível que quando a favorável condição hidrológica passar, isto volte a assombrar todos, tomara que não seja somente responsabilidade do consumidor exorcizar esse fantasma de novo.
*Luan Vieira é engenheiro Eletricista pela UNIFEI, analista de Gestão de Energia pela Delta Energia
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