Por: Alexandre Vidigal*
Em tempos atuais e com os olhos voltados às futuras gerações não há a menor dúvida de que a redução de emissão de carbono em patamares substanciais é medida que já não comporta mais adiamento e, de fato, as providências para o alcance de resultados minimamente efetivos precisam ser implementadas o quanto antes.
Neste cenário a redução e mesmo eliminação da queima de combustíveis fósseis é um consenso que já resta muito bem definido e, seguramente, sem volta.
Não obstante, não se pode esquecer que o nível de desenvolvimento e eficiência no uso do petróleo, gás e carvão alcançou resultados muito expressivos com o passar do tempo, e quase que em uma progressão exponencial década a década, sendo certo se afirmar que muito ainda há a se conquistar quanto a inovações e tecnologias no uso daqueles produtos.
Sobre isso, e apenas como um singelo exemplo, cabe lembrar que na década de 60/70 um motor a combustão com elevada cilindrada gerava uma potência até seis vezes menor que os motores atuais com capacidade cúbica bastante inferior, e que têm baixo consumo de combustível e prolongada durabilidade.
Isso a demonstrar que os padrões de eficiência energética no presente em relação a tudo que produz movimento, luz e calor em nada se comparam com os do passado.
Claro que, a se pensar em avanço na eficiência energética e na descarbonização do planeta não se pode descartar o impulso tão expressivo que vem marcando os últimos anos com as tecnologias de mobilidade elétrica, ou eletromobilidade, e nisso, principalmente no setor automotivo, em um ambiente de profunda euforia pelas inovações.
Neste palco de tão destacadas alterações e de um aparente processo de revolução industrial, não é demasiado se admitir alguma inquietação pela velocidade como as coisas vêm acontecendo, e até mesmo por algum desdém em relação ao destacado progresso que a ciência proporcionou até o momento com outras fontes de energia, como o petróleo, e até mesmo os combustíveis renováveis, como o álcool e o biogás, e que, talvez, devessem merecer uma atitude mais includente e menos excludente, nisso considerando-se o quanto os motores a combustão ainda podem evoluir em eficiência energética, produzindo elevada potência, baixo consumo e grande autonomia e durabilidade.
Quanto a isso, cabe indagar até que ponto as conquistas e avanços com relação à eletromobilidade são mesmo seguros e confiáveis a se prolongarem no tempo ou até que ponto não irão promover uma profunda desorganização da atividade econômica e do bem-estar da sociedade, inclusive pela falta de informações e dados confiáveis quanto ao real impacto por demanda de energia elétrica que essa mudança acarretará.
E como se não bastasse a própria e necessária preocupação que o mundo precisará ter com a geração de energia, outro fator a despertar a necessária atenção é que hoje o mundo tem toda uma estrutura bem instalada e articulada para atender às demandas de combustíveis fósseis, desde a extração do petróleo, seu processamento até a distribuição da gasolina, diesel, querosene e gás, desenvolvida e aperfeiçoada por décadas, em uma evidenciada sintonia entre demanda e oferta. Por sua vez, não é seguro se afirmar que para a eletromobilidade o mundo apresente semelhante interação em tempo que acompanhe o acelerado ritmo do espaço que os veículos elétricos vêm ocupando no mercado automotivo.
Aliás, na atual mobilidade convencional a combustão os fatores geopolíticos e econômicos interferem muito pouco em impossibilitar o apelo global de redução da emissão de carbono pela queima de combustíveis, pois as tecnologias mais avançadas em motorização e sua eficiência, com pouco tempo são disponibilizadas em todos países. Por outro lado, sendo a geração de energia elétrica uma situação preocupante para muitos países, não se pode afirmar com segurança que haverá disponibilidade suficiente daquela fonte de energia para a adoção e a expansão da eletromobilidade.
Fator relevante quanto a isso é saber que os principais polos de desenvolvimento e eficiência dos motores a combustão são as indústrias europeias, americanas e asiáticas. Como estas já estão passando a priorizar os veículos com motores elétricos e até mesmo tornando exclusivo o seu desenvolvimento e produção, os motores a combustão deixarão de contar com os avanços tecnológicos que poderiam prolongar substancialmente sua utilização compatível com os padrões de descarbonização.
Neste contexto, é paradoxal saber que as preocupações isoladas da redução de emissão de carbono, ainda que em um entorno regional ou mesmo continental pouco poderão contribuir nas metas de descarbonização, até mesmo porque a atmosfera é uma só, não comportando limitações geográficas e suporta de igual modo os impactos da poluição emitida em pontos distintos do planeta. Ou seja, quanto aos resultados esperados para a redução na emissão de carbono, talvez fosse mais eficiente se avançar ainda mais no desenvolvimento do já tradicional modelo de mobilidade com o uso de combustíveis fósseis do que dar uma guinada de 180 graus e se adotar um modelo, o da eletromobilidade, que não se tem certeza da possibilidade de sua ampla adesão em uma escala global.
Outra questão a despertar uma necessária reflexão e que deveria ser prioritária na pauta da eletromobilidade é quanto à disponibilidade dos recursos minerais, cada vez mais indispensáveis, quantitativa e qualitativamente, para atender às elevadas demandas para os veículos elétricos.
Estudos indicam que nos próximos 20 anos a produção industrial necessitará de quatro vezes mais cobre do que todo aquele já produzido pelo homem. O lítio precisará ter uma produção 40 vezes superior à atual. E a eletromobilidade tem parcela relevante nisso na medida em que se um veículo convencional precisa de cerca de 15 quilos de cobre, um veículo elétrico precisa de mais de 80 quilos. E, como se não bastasse, a própria estrutura moderna de geração de energia elétrica pelos novos meios de produção, como os aerogeradores e os painéis solares, necessitam de uma quantidade elevada de metais. Só para se ter uma ideia dessa demanda, uma torre eólica contém cobre da ordem de 8 toneladas por megawatt pela geração em alto mar e 2,5 toneladas por megawatt em terra, sendo bastante comuns os aerogeradores com produção de 2 MW.
Assim como o cobre, o alumínio, manganês, lítio, cobalto, níquel, zinco, terras raras, dentre outros minerais, terão demandas nunca antes imagináveis para atender às necessidades da transição energética e da eletromobilidade que, por surgirem em um mesmo momento, sobrecarregarão ainda mais a necessidade de oferta de bens minerais.
E isso são dados que não podem ser considerados apenas como mera constatação, mas sim como ponto de relevante atenção. Como se sabe, os recursos minerais são finitos e um empreendimento minerário demora algumas décadas para entrar em produção. Estima-se que a cada 1000 alvos minerários, apenas 1 ou 2 se tornam viáveis. A mineração é uma indústria cara e, na atualidade, são cada vez mais elevadas as restrições ambientais e sociais e cada vez mais severas as exigências para o funcionamento de um projeto minerário. Não há como se negligenciar a existência de um franco descompasso entre as enormes ambições da transição energética e da eletromobilidade e a limitada e insuficiente capacidade de produção mineral para atender a esses novos desafios. Para a superação deste fosso entre a oferta e demanda será necessária a adoção de políticas consistentes e robustas e que envolvam não só governos e indústrias, mas também a conscientização da sociedade. Tudo a revelar um ambiente que, embora em uma certa zona de conforto nos próximos cinco anos, brevemente exigirá o incentivo ao aumento expressivo da produção mineral em todo mundo.
Outra questão ainda, e de expressiva relevância e que pouco se tem considerado, é quanto ao possível impacto causado pela eletromobilidade na elevação do preço do petróleo. Apesar de servir de insumo para dezenas de produtos ou processos de fabricação das mais diversificadas indústrias, até mesmo da farmacêutica e alimentícia, e por isso mesmo nunca deixará de ser necessário, o petróleo tem como de seus principais derivados os combustíveis e os óleos lubrificantes e que são elementos significativos na composição do seu preço final. Em razão disso, como os veículos elétricos levarão a uma substancial redução do consumo naqueles produtos, não será difícil imaginar a necessidade de considerável diminuição da produção de petróleo o que poderá resultar no seu encarecimento para atender às demais indústrias que dele necessitam.
E como se não bastassem tais observações, atualmente já é motivo de preocupação também a enorme quantidade de veículos que deverão ser levados ao descarte, e nisso considerando-se a troca de toda uma frota de centenas de milhões de veículos a combustão pelos elétricos, além do reduzido ciclo de vida destes, cerca de quatro vezes menor que os veículos a combustão. Enquanto estes rodam até mais de um milhão de quilômetros, mantendo-se em circulação por vinte anos, os elétricos têm uma vida útil de cerca de 200 mil quilômetros e pouco mais de oito anos. Essa enorme quantidade de descarte exigirá um esforço diferenciado para se evitar impactos ambientais, principalmente em alternativas eficientes de reciclagem para atender aos complexos processos físico-químicos de reaproveitamento dos componentes das próprias baterias, produzidas com materiais altamente nocivos ao meio ambiente.
Com esta breve abordagem, o que se impõe saber é se o mundo está mesmo preparado para as mudanças tão intensas e severas que vêm ocorrendo com a adoção dos veículos elétricos, e até que ponto não cabe a reflexão do quanto precipitado possa estar sendo a escala e o célere tempo dessas mudanças, com o risco de a sociedade, no intento em se dar um expressivo passo à frente, não estar correndo o risco de andar para trás.
*Alexandre Vidigal de Oliveira é aluno do curso de Direito de Energia Elétrica da Escola Superior do Instituto dos Advogados Brasileiros -(Esiab), doutor em Direito, especialista em temas de energia, ex-secretário Nacional de Mineração, do Ministério de Minas e Energia.
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