Por*: Maria João Rolim e Alice Khouri
A sustentabilidade em sua tridimensão (social, econômica e ambiental) ganha cada vez mais espaço tanto no mundo corporativo, quanto nas mais diversas áreas de estudo e investigação.
Apesar de o assunto ser tudo menos recente (e a maturidade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas é um bom exemplo, e a primeira vez que se falou em ESG já foi em 2004), houve nos últimos anos uma mudança notória na forma de tangibilidade da sustentabilidade – ou seja, a sua tradução em ações e medidas concretas.
O que durante muito tempo apenas integrou uma estratégia corporativa adicional ou “bônus”, agora consiste em uma matéria essencial para mitigação dos riscos e otimização das oportunidades de negócio, independente do setor. Várias empresas já tem vindo a adotar, voluntariamente, uma estratégia de sustentabilidade que transcenda os aspetos mais debatidos, que são os ambientais. Contudo, foi sobretudo a partir de 2022 que se observou uma intensificação deste processo de realce do tema da sustentabilidade de forma mais transversal, o que teve como marco a publicação, no âmbito da União Europeia, da Diretiva conhecida como CSRD, que inaugurou a obrigatoriedade do reporte de sustentabilidade por parte das empresas. Não obstante a taxonomia sustentável na UE existir desde 2020, a grande tração ao tema surgiu mais recentemente.
Ainda que com um cronograma de obrigação e prazos distintos a depender do porte das empresas, todas, independentemente do mercado, são destinatárias deste novo cenário de obrigações. Ao ter que reportar as ações ligadas ao ESG (environmental, social and governance aspects), em números e ambição, as empresas se viram forçadas a olhar para o tema de forma mais tangível e pragmática. Perceberam, contudo, que não se trata de algo simples assim: dentro do E incluem-se não só a eficiência energética e o aumento de uso das renováveis, mas também atenção à vida útil dos materiais e uma perspectiva de circularidade económica, além de gestão ótima dos recursos hídricos. Por sua vez, o S ainda é pouco debatido, mas abrange temas cruciais para a eficiência das empresas, como o impacto em seus trabalhadores (seja de saúde ou condições laborais) e o impacto daquele negócio na comunidade que o abriga. E, por fim, o G, que em verdade deve ser o meio e não a finalidade da sustentabilidade: governança corporativa, ou estruturação transparente e subsidiada na accountability para que haja eficiência e consecução dos objetivos e resultados pretendidos, o que inclui temas essenciais como diversidade, igualdade e inclusão, com específica menção à paridade de género nos conselhos de administração.
A cultura ESG vem, portanto, exigir uma visão mais abrangente e não focada apenas nas emissões de carbono das empresas, exigindo que a sustentabilidade esteja considerada na estratégia corporativa e se traduza em ações mensuráveis – que possam ser acompanhadas e monitorizadas. Afinal, não se consegue gerir o que não se pode medir.
Para que isso seja possível, no entanto, essencial se faz o estudo da regulação em consolidação – e constante alteração, com novidades quase que diárias no cenário europeu – e que tem sido referência para o mundo. No Brasil é visível o corrente movimento regulatório de classificar e desenvolver setores chave para o desenvolvimento sustentável em âmbito nacional.
Como exemplo, temos a iniciativa no Ministério da Fazenda no desenvolvimento de uma Taxonomia Sustentável Brasileira com o intuito de criar definições do que consistiria em uma atividade ou ativo sustentável e, assim, evitar a fragmentação do entendimento de cada ator econômico. Como também a recém aprovada Subemenda Substitutiva ao Projeto de Lei nº 2.148, de 2015, que institui o mercado de carbono regulado brasileiro – Sistema Brasileiro de Comércio e Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). No setor elétrico, fontes de energia disruptivas, como hidrogênio de baixo carbono, tecnologias de captura de carbono, e a éolica offshore, buscam hoje novas regulações para alavancar seus mercados com segurança jurídica e previsibilidade.
Para além do ambiente regulatório e o cenário de obrigações dele advindo, também são exigidos dos profissionais uma multidisciplinariedade crescente, com uma capacidade de compreender conceitos ligados à sustentabilidade transversal e tridimensional, e ir além, interpretando-os e aplicando-os de forma a adaptar a realidade dos setores em que atuam.
Tanto na União Europeia quanto no Brasil, o setor energético, neste sentido, ainda continua bastante focado no aspecto de descarbonização que compõe o E do acrónimo, dado o seu protagonismo quando o assunto são emissões de gases de efeito estufa e o aquecimento global. Contudo, ainda na própria letra E outros desafios aguardam dedicação do sector: circularidade económica de toda cadeia produtiva, eficiência energética e soluções de armazenamento, gestão dos gastos relacionados à água, impacto na biodiversidade, dentre outros.
Sustentabilidade corporativa e seus impactos nas relações socioeconômicas é uma realidade, acompanhar esse movimento é, portanto, uma obrigação profissional em todas as áreas.
* Maria João Rolim é sócia do Escritório Rolim Goulart Cardoso, coordenadora do MBA em Regulação, Energia e Clima no CEDIN. Alice Khouri é advogada e fundadora da iniciativa cívica Women in ESG Portugal. As duas advogadas são professoras do curso Estratégia ESG Corporativa na Prática.
Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.
As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.
Outras opiniões:
Deloitte escreve: Armazenamento de energia de longa duração é tecnologia crucial para a descarbonização