A diretora-geral substituta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Camila Bomfim, acatou os recursos apresentados por entidades que representam consumidores de energia e suspendeu uma decisão polêmica de 17 de maio, que liberou a Âmbar Energia, controlada pela J&F, a substituir temporariamente as quatro usinas vencedoras do leilão emergencial de outubro do ano passado pela termelétrica Mário Covas, pertencente à companhia.
Com isso, a Âmbar Energia deve ter que pagar, após os ritos apropriados, as penalidades pelo atraso da entrada em operação das usinas, que deveriam ter iniciado a geração em 1º de maio. A multa mensal para os quatro empreendimentos soma R$ 209 milhões.
O imbróglio ainda não terminou. Na próxima terça-feira, o mérito do processo, que está sob relatoria do diretor Efrain Cruz, deve ser discutido na reunião ordinária da agência reguladora.
Enquanto entidades que representam os consumidores de energia se uniram para questionar a decisão cautelar proferida há 15 dias, a Âmbar foi além e pediu a substituição definitiva das quatro novas usinas pela termelétrica existente, apesar de dizer que continua correndo para construir os empreendimentos até o fim deste mês.
A substituição
As quatro usinas, que originalmente pertenciam à Evolution Power Partners (EPP) mas foram compradas pela Âmbar, somam 344 MW de potência. Na ocasião do certame, a EPP estimava investimentos de R$ 1,2 bilhão para construir as usinas, que ficariam no Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.
Antes mesmo da conclusão da compra, a Âmbar iniciou as obras para transferir as quatro usinas para o terreno contíguo ao da termelétrica Cuiabá, no Mato Grosso, a fim de aproveitar a infraestrutura de fornecimento de gás natural e de escoamento de energia para o Sistema Interligado Nacional (SIN). Como o atraso acarretaria multa, a Âmbar pediu para cumprir o contrato com a termelétrica conhecida como Cuiabá no mercado.
A medida cautelar proferida pela Aneel gerou grande insatisfação no setor, principalmente de entidades ligadas aos consumidores de energia, já que contraria o edital, que estabelecia que apenas usinas novas poderiam participar do certame, e impede que o empreendedor com atraso pague a penalidade devida. Agora, a Âmbar fez novo pedido, desta vez visando substituir em definitivo as quatro termelétricas – que diz estarem em fase avançada de construção – pela usina existente.
A empresa de energia da J&F protocolou ontem, 1º de junho, o novo pedido na Aneel, com o argumento de que a substituição definitiva das usinas pela Cuiabá vai resultar em uma economia anual de R$ 2,1 bilhões aos consumidores, somando R$ 8 bilhões durante os 44 meses de vigência dos contratos firmados no leilão. A redução seria causada pelo fato de a receita fixa da usina existente ser menor que a combinada das quatro em construção.
Em paralelo, a Âmbar disse que continua construindo as usinas – que, a depender da decisão do mérito da Aneel, poderão ficar paradas e sem contrato de venda de energia. Ao pedir a cautelar na Aneel, no fim de abril, a Âmbar estimava que as usinas novas ficariam prontas até o fim de julho, mas agora a empresa afirma que elas entrarão em operação comercial até o fim de junho.
Edital inviável
Embora o edital determine que apenas empreendimentos novos poderiam participar do leilão emergencial, chamado de Procedimento de Contratação Simplificado (PCS), o diretor Efrain Cruz, relator do processo na Aneel, disse em seu voto que, há ocasiões em que “a vinculação estrita ao edital apresenta-se inviável, ou, como no caso aqui analisado, menos eficiente para o SIN”, disse.
Segundo Efrain, como a termelétrica era considerada 100% indisponível para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – a usina não tem contrato e opera no sistema de merchant, chamada a gerar quando necessário pelas condições de abastecimento -, “ela consistirá em novo recurso energético disponibilizado ao SIN caso se torne comprometida com as condições de geração exigidas pelos contratos de comercialização oriundos do PCS.”
O voto foi proferido em um dia conturbado da reunião da diretoria da Aneel, com a despedida do então diretor-geral André Pepitone e da ex-diretora Elisa Bastos. Os diretores Sandoval Feitosa e Hélvio Guerra acompanharam Efrain, e a cautelar foi concedida.
Questionamentos
Os questionamentos começaram na sequência. A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) apresentou um recurso direto à diretora-geral substituta, Camila Bomfim, defendendo a suspensão da cautelar aprovada pela diretora em 17 de maio.
“Não se vislumbra razão para que a Diretoria da Aneel adote decisão em contrariedade às regras editalícias. Não se trata de uma situação de perigo potencial para as térmicas que não honraram o compromisso contratual com a oferta urgente de energia com novas termelétricas, mas sim da mera aplicação de penalidade expressamente prevista em contrato”, afirmou a Abrace no recurso. O perigo, segundo a associação, seria para os consumidores, que não receberam o aporte da penalidade dos empreendimentos em atraso, e teriam “que arcar com o pagamento de uma energia desnecessária e cara em descumprimento direto às regras de sua contratação e seu contrato.”
Também entraram com recursos semelhantes a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) e o Instituto Pólis.
Em sua decisão, a diretora Camila Bomfim afirmou que, pelas regras do edital, a termelétrica Cuiabá não poderia ter participado do certame, e as vencedoras não poderiam ter suas obrigações contratuais de entrega de energia honradas por outras usinas, ainda que pertencentes ao mesmo grupo econômico.