Na corrida pela descarbonização, as empresas do setor de petróleo e gás natural têm apresentado técnicas como captura, uso e armazenamento geológico de carbono (CCUS, na sigla em inglês) como solução para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
A Petrobras, por exemplo, anunciou a reinjeção de 10,6 milhões de toneladas de CO2 nos reservatórios do pré-sal em 2022, o equivalente a 25% do total reinjetado por toda a indústria naquele ano, segundo o Global CCS Institute. A companhia, entretanto, não contabiliza o CCUS como emissões evitadas, e sim como redução na intensidade de emissões das atividades de exploração e produção de petróleo (E&P).
Uma das razões para isso é que o gás carbônico se encontra associado ao gás natural, ou seja, não é possível extrair o gás natural dos reservatórios sem retirar também gás carbônico. Na plataforma, é feita a separação dos gases e o CO2 é reinjetado. Não se trata, portanto, de um gás carbônico capturado da atmosfera, e sim de moléculas injetadas logo após serem extraídas dos reservatórios. E, no pré-sal, o teor de CO2 associado ao gás natural pode ser até dez vezes mais alto do que na Bacia de Campos.
“Uma premissa dos projetos da Petrobras no pré-sal é não liberar o CO2 componente do gás natural para a atmosfera. Por isso, a reinjeção do CO2 é adotada de forma mandatória e não depende de atratividade econômica”, disse a companhia à MegaWhat.
Além disso, na Petrobras o gás carbônico é utilizado com propósitos econômicos na estratégia de recuperação avançada de petróleo (EOR, da sigla em inglês), como forma de gerenciar a pressão interna dos reservatórios e favorecer a extração de óleo – para EOR, também se utiliza a injeção de gás natural, que vem sendo alvo de polêmica entre a petroleira e o Ministério de Minas e Energia (MME).
O professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Alexandre Szklo concorda que seria “questionável” se o CCUS no pré-sal fosse contabilizado como captura de carbono, já que não resulta em mitigação de emissões.
“O que estamos fazendo é não ventar [liberar para a atomosfera] o CO2, que seria a forma mais econômica de lidar com esse gás. Nesse sentido, a gente pode dizer que seria uma redução de emissão. Mas é diferente, por exemplo, de fazer captura de CO2 numa refinaria. E há outras formas de mitigação”, avalia.
O que de fato reduziria a concentração de gás carbônico na atmosfera seria, por exemplo, a estocagem de carbono como um serviço, anunciada como projeto-piloto pela Petrobras em maio deste ano durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston, mas ainda sem data de implementação. A ideia seria aproveitar os reservatórios e os poços já existentes para injetar carbono de outras atividades da própria companhia e até mesmo de outras empresas.
No Mar do Norte, o projeto Northern Lights é pioneiro na prática de estocagem de carbono como serviço. A atividade é de transporte e armazenamento de CO2 (CCS, na sigla em inglês; a diferença para o CCUS é que aqui não há outra utilização, como é o caso da aplicação do CO2 em EOR). O Northern Lights é uma joint-venture da Equinor, Shell e TotalEnergies anunciada em 2017 e que deve começar a prestar o serviço a partir de 2025, com transporte e estocagem de 800 mil toneladas de CO2 para a produtora de fertilizantes e amônia Yara Sluiskil. Este acordo foi assinado em agosto de 2022.
Em maio deste ano, Northern Lights celebrou seu segundo contrato, desta vez com a empresa de energia dinamarquesa Ørsted, prevendo o transporte e estocagem de 430 mil toneladas de CO2 por ano durante dez anos a partir de 2026. A Ørsted irá entregar o CO2 liquefeito e à Northern Lights cabe o transporte e a estocagem.
Para Alexandre Szklo, não é coincidência que grandes petroleiras estejam liderando os serviços de CCS e CCUS, e nem que a experiência mais avançada ocorra no Mar do Norte. “São empresas que estão muito posicionadas na parte de transporte de gases liquefeitos por navios. A Equinor tem muitos campos depletados [que já tiveram grandes reservas de óleo e gás extraídas] no Mar do Norte, Shell e Equinor têm ativos depletados offshore. Essas empresas têm estudado essa cadeia de valor”, diz o professor, complementando que a nova atividade pode significar uma mudança na orientação do próprio negócio das companhias.
“Toda empresa que perfura para extrair fluidos também tem know how para utilizar poços e analisar a integridade deles para injetar fluidos, até porque está injetam o próprio CO2 para recuperação avançada. Então são áreas de negócio potencial para as empresas de petróleo”, finaliza.
No Brasil, entretanto, o CCUS como serviço pode estar mais longe de se tornar realidade. Um dos motivos é que os maiores reservatórios não estão depletados, ou seja, ainda produzem muito óleo e gás. Mesmo assim, Szklo conta que a Coppe está trabalhando em projetos demonstrativos na região do pós-sal, em ativos que já passaram por seu pico de produção, com reconversão de poços para armazenamento de CO2 e posterior monitoramento.
Outro obstáculo no Brasil é a falta de regulação para CCS e CCUS. Há no Senado Federal o projeto de lei 1425/2022, de autoria do então senador Jean Paul Prates (PT-RN), atualmente presidente da Petrobras. O projeto apresenta proposições para o armazenamento de CO2 e posterior reaproveitamento econômico, mas não se aprofunda nas regras e remuneração de transporte – questões que já dificultam o mercado de gás natural, que hoje tem valor de mercado muito maior do que o dióxido de carbono.
“Temos dificuldade de fazer o escoamento de gás natural offshore, não conseguimos expandir a rota 5 e a rota 6 para aproveitar o gás do pré-sal. E aí a gente está falando aqui de injetar CO2 em reservatórios offshore”, contextualiza Szklo.
“É claro que dá para fazer projetos de demonstração no Brasil e que a Petrobras tem que comemorar, estudar isso, assim como outros operadores. Mas o arcabouço institucional vai ter que andar, porque senão a gente vai ficar limitado a projetos de demonstração ou projetos dentro da fronteira da empresa, sem oferecer muito para o mercado”, avalia o professor.
Pré-sal: alto teor de CO2, mas com recorde em estocagem e baixa intensidade de emissões
Além de responder por um dos maiores programas de CCUS do mundo, o pré-sal também tem uma das menores intensidades de emissões de gás carbônico: em torno de 10 quilos de CO2 por barril de óleo equivalente produzido.
“Isso tem a ver com a eficiência das operadoras, mas está muito mais relacionado à produtividade dos campos. Estamos na rampa de início da produção de áreas altamente produtivas. É possível produzir muito com pouca perfuração de poço e ainda aproveitando a recuperação primária, da pressão do próprio reservatório”, explica Szklo. Com o tempo, é esperado que a intensidade de carbono aumente, pois será preciso aplicar mais energia para extrair óleo e gás de reservatórios já em produção.
Tecnologias mais recentes também possibilitam produzir petróleo com menos poços. A produção em novos campos, com aplicação de tecnologias mais avançadas, já foi apontada pela gerente executiva de Mudança Climática da Petrobras, Viviana Coelho, como forma de manter a mesma produtividade, com menos emissões.
Em entrevista à MegaWhat, a Petrobras explica que, em relação à produção de óleo e gás, a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa está no consumo e queima de diesel pelas sondas de perfuração e embarcações de apoio, que fazem a logística de transporte de pessoas, materiais e equipamentos durante os processos de construção, manutenção e abandono de poços. Por isso, produzir com menos perfurações significa reduzir emissões.
No pré-sal, a aplicação da técnica de EOR com injeção de CO2, gás natural e água, também possibilita um maior aproveitamento dos poços e, como a eficiência da produção melhora, a pegada de carbono de cada barril reduz.
Mesmo assim, Szklo levanta questionamentos. “Libra e Júpiter [no pré-sal da Bacia de Santos] têm teores de CO2 acima de 25%. É muita coisa. Na bacia de Campos, o normal é um teor entre 2% e 5%. Poderia haver a decisão de não produzir em áreas com teor muito alto de CO2, por exemplo”.
Além do baixo teor de emissões, o óleo do pré-sal é celebrado por ser “leve e doce”, exigindo menos energia no refino. Assim também é a produção na porção da Margem Equatorial na Guiana e em Gana, que têm condições geológicas muito parecidas com a Foz do Amazonas no Brasil. Considerando que, mesmo com a transição energética, o petróleo continuará necessário em alguns setores da economia, esta pode ser uma grande vantagem competitiva no mercado em descarbonização – mas pode não ser o único fator a ser considerado.
Szklo aponta que há discussões sobre privilegiar a produção de países mais pobres, que dependam mais da economia do petróleo, ou mesmo de não produzir em áreas com grande risco ambiental. “Esse é o critério, por exemplo, que impede a produção de óleo no Ártico norte-americano. Não há uma discussão se esse óleo é ou não importante do ponto de vista de gases de efeito estufa. A decisão é que não vai ter atividade petrolífera porque existe uma questão de biodiversidade. No caso do Foz do Amazonas, tem a questão da biodiversidade e de populações indígenas. Eu diria que é uma discussão mais próxima da que houve sobre o Ártico do que sobre a eventual qualidade do óleo ou mudanças climáticas globais”.
Outras formas de evitar ou mitigar emissões
Apesar de todo o esforço para reduzir as emissões na exploração e produção de petróleo e gás, a maior pagada de carbono destes produtos está no consumo. Ou seja, por mais eficientes que as empresas sejam, as emissões produzidas durante a queima dos produtos pelo consumidor final continuará existindo e é bastante relevante: segundo Szklo, entre 85% e 95% das emissões de uma operadora são de escopo 3, ou seja, relacionadas ao uso de seus produtos.
No refino está uma grande oportunidade para reduzir emissões, já que é uma atividade que exige alto consumo de energia e calor. “Há fluidos que precisam ser aquecidos e outros que precisam ser resfriados. Então, se eu puder melhorar a troca térmica e fazer uma integração entre as correntes, eu reduzo o consumo de combustível em caldeiras”, explica Szklo.
Há também oportunidades de reduzir as emissões de carbono controlando o flare (queima de gases como medida de segurança nas plataformas) e as emissões fugitivas, sobretudo de metano, que se transforma em CO2 na atmosfera. Outro ganho de eficiência é o correto dimensionamento de motores elétricos para gerenciamento de bombas.