Por: Agnes M. da Costa
Quando recebi o convite para escrever este artigo para o Dia das Mulheres, fiquei muito animada e honrada, mas na hora me questionei sobre o que é que eu poderia agregar aos cada vez mais conscientes debates e reflexões sobre inclusão e equidade que tanto marcam a data. Resolvi perguntar às minhas redes se haveria algum tema sobre o qual pouco se fala no Dia das Mulheres para tentar jogar um novo olhar sobre a temática, e este artigo é a minha compilação das provocações que recebi na última semana em resposta a minha pergunta.
“Falta falar sobre os homens” foi a resposta instigante que eu recebi de uma amiga, e eu fiquei um pouco em dúvida se deveria trazer essa perspectiva, até porque o dia é para refletirmos sobre as mulheres na sociedade contemporânea. Mas como sou uma pessoa que, usualmente, aborda publicamente os dilemas e desafios de carreira e de liderança, sob o ponto de vista das mulheres, me permitirei assim essa transgressão, adotar um outro olhar, até porque considero igualmente importante o que os homens vivem nesse processo de transformação da sociedade, embora eu fale ou escreva menos sobre isso. A transformação da sociedade e da realidade é um trabalho de todos nós, homens e mulheres, com direitos e obrigações, divididos de preferência, e como nós no setor defendemos, de forma igualitária.
Assim, trazendo aqui as reflexões dos que pensaram sobre o que falta tratar, começo falando da paternidade. O mundo mudou, vemos novas gerações de homens reivindicando o seu papel adicional na sociedade, o de pais: aquele que cuida, que participa, que se interessa. Temos que reconhecer que muitos não foram educados para essa finalidade, mesmo assim, eles estão desbravando esse mundo, com seus erros e acertos, e de preferencia com mulheres que lhes apoiam (e até anseiam por) nessa equidade na criação dos filhos. Então cabem aqui duas ponderações.
A primeira é que precisamos educar nossos filhos, meninos e meninas, para o cuidar. Cuidar dos filhos, mas também cuidar da casa. Se queremos um mundo com igualdade de oportunidades – e muitos homens me procuram para agradecerem pelo esforço de pautar essas reflexões em nome de suas filhas e do mundo que querem para elas, é muito importante que eduquemos as novas gerações para que os direitos, mas também as obrigações sejam igualmente assumidas por todos. Até porque esses pais conscientes vão provavelmente orientar as suas filhas a não se amarrarem em pretendentes que lhes sobrecarreguem, cerceando suas alternativas e oportunidades. Além disso, precisamos educar as novas gerações para a qualidade das experiências. Não é apenas assumir essas funções de cuidar, mas terem prazer nisso. Do mesmo jeito que hoje mostramos para as meninas que matemática, competições e, sei lá, futebol, são muito legais, precisamos mostrar para os meninos, principalmente à medida que crescem, que crianças pequenas são meritórias de sua atenção e cuidado, que cozinhar é legal, e que colocar a mesa e fazer a cama não fazem a mão de ninguém cair. Da mesma forma, lavar sua própria roupa, a louça e limpar a cozinha, as tais tarefas domésticas, não tiram a masculinidade de ninguém.
Agora, quando olhamos para a paternidade pelo lado do mercado de trabalho, já observamos uma tendência a países estenderem as licenças paternidade, igualando os direitos dos pais ao das mães em alguns casos. Mas sempre me questiono sobre qual é o papel das empresas, dos empregadores nessa seara. Enquanto só mulheres tiverem o direito (e a obrigação cultural) de tirarem a maior parte da licença para essa finalidade, não há chances de elas terem as mesmas oportunidades de carreira nessa fase de vida em que as pessoas, os casais, costumam ter filhos. Pessoas fazem falta aos empregadores quando se afastam de suas funções para cuidarem de bebês. Pessoas têm obrigações com suas famílias. Seja a licença de 20 dias ou 6 meses, o ideal é que fosse igual para homens e mulheres, para ninguém preferir contratar um homem por medo de ficar mais na mão se contratar a mulher que tem mais direitos e obrigações familiares. Além disso, não podemos ignorar que o contato dos pais com seus filhos bebês é muito importante para criar uma ligação profunda entre ambos, que influencia todo o seu relacionamento no futuro, o que chamamos de bonding.
Outro tema que me trouxeram como relevante para ser tratado foi a violência e suas nuanças. Comecemos pelo contexto da pandemia em que os números sobre violência doméstica aumentaram bastante. A violência doméstica e os abusos psicológicos não são algo específico a um único estrato social, então não tem porque pensarmos que no nosso setor tão comprometido com ESG e igualdade de oportunidades, e entre aqueles que lêem este texto, não convivamos em nossos dia-a-dias com homens que cometam esse tipo de violência ou abuso e mulheres que o sofram. Seria isso um problema exclusivo da vida privadas das pessoas?
E eu não trouxe à tona o ESG à toa: o social (e aqui evidentemente entra a discussão de inclusão e de igualdade) e o ambiental precisam estar refletidos nas estratégias das empresas e instituições, em suas práticas em todos os níveis de atuação, das atividades meio às atividades fim, mas também em seus colaboradores e líderes. E a governança é o que torna todos accountable. O G dos ESG é para garantir o “walk the talk”. Não podemos fazer vistas grossas à violência doméstica, aos comportamentos abusivos e, entre esses, tampouco, ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.
Esse último tema eu trago por ter sido lembrada que as mulheres experimentam em suas vidas profissionais muito mais medos do que homens, além daquele relacionado ao assédio: o medo relativo à aparência (a roupa e o cabelo estão adequados, usar blusa sem manga é estar sujeita a galanteios inoportunos?), o medo da interpretação errônea de seus comportamentos (ser demasiadamente assertiva pode ser considerado grosseria?) e o medo pela integridade física (viajando a trabalho o hotel fica num local razoável em que mulheres possam andar sozinhas; ao sair tarde do trabalho, é seguro esperar no ponto de ônibus ou andar até o carro?), apenas para mencionar alguns. Então o que podemos nos perguntar no nosso setor comprometido a propiciar ambientes de trabalho inclusivos é: o que podemos fazer para que nossas colaboradoras não tenham que lidar com essa carga adicional apenas por irem trabalhar? E a primeira coisa a se fazer é reconhecer essa carga adicional que pesa muito para as mulheres.
E essa é apenas uma ilustração do por que existe o Dia das Mulheres e não um dia dos homens, como não cansam de reivindicar alguns indivíduos pouco esclarecidos. O Dia das Mulheres serve para nos lembrar que não faz sentido metade da população ter menos oportunidades, ter mais obrigações domésticas, ter mais medo (e menos liberdade) apenas em função do gênero. Por mim, poderia se chamar também o dia da igualdade, porque, ao invés de focar num gênero, em contraposição ao outro, focaria no propósito por uma sociedade mais igualitária, que é o que se almeja com as reflexões desse dia.
Preciso reconhecer, contudo que, para nossa sorte, no nosso setor existem cada vez mais homens genuinamente interessados na construção de uma sociedade igualitária. Precisamos poder falar sobre coisas difíceis com empatia e generosidade, e aqui cabe todo o meu reconhecimento àqueles que enfrentam com coragem, seriedade e peito aberto a pauta de inclusão. Não podemos nos esquecer, tampouco, que, para se progredir em uma carreira, todo mundo precisa do tempo e do aconselhamento de profissionais mais experientes, de sponsors. O número crescente de mulheres que conseguem hoje ocupar posições de liderança se deve assim também a muita generosidade e atenção dos excelentes profissionais de nosso setor que as antecederam e que viram nelas, mesmo sem precedentes, grandes potenciais e talentos em que apostar.
Por fim, vale ainda uma última reflexão sobre carreira e família. Para ser feliz, nem todo mundo precisa fazer carreira e/ou constituir família. A gente escutava antes que atrás de todo grande homem sempre existia uma grande mulher. Pode ser que isso fosse verdade na época do meu avô. Hoje precisamos reconhecer que, no caso de profissionais que constroem carreiras de “sucesso” e relevantes legados em paralelo a uma família que decidem constituir com mais alguém, esse alguém ao seu lado é uma grande pessoa. Porque, assim como família geralmente é um projeto de duas pessoas, carreiras (quando existem famílias) também o são, dessas mesmas duas pessoas. Então precisamos ainda estender nosso reconhecimento ao crescente número de homens que não só não se intimidam com as conquistas profissionais de suas companheiras de vida, mas as estimulam, até porque essas conquistas são também merecidamente suas.
Assim, a todos os homens que navegam conosco nesse mar desconhecido de construção de relações igualitárias e que nos inspiram por sua empatia e generosidade, nosso muito obrigada!
Agnes M. da Costa é chefe da Assessoria Especial em Assuntos Regulatórios do Ministério de Minas e Energia.
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