Opinião da Comunidade

Fernanda Tomé e Hirdan Medeiros escrevem: Energia elétrica, transição energética e gás natural?

Fernanda Tomé e Hirdan Medeiros escrevem: Energia elétrica, transição energética e gás natural?

Por: Fernanda Tomé e Hirdan Medeiros Costa

A expressão “transição energética” pode remeter a diferentes análises em razão da amplitude que representa e dos cenários de interpretação possíveis, especialmente quando estudada no âmbito do mercado de energia elétrica. Em um cenário em que se prioriza a geração a partir de fontes renováveis, com baixa emissão de carbono e reduzidos impactos ao meio ambiente, cabe às instituições brasileiras afetas ao setor elétrico garantir o adequado suprimento do Sistema Interligado Nacional (SIN), necessário ao desenvolvimento econômico e social do país.

Indispensável destacar que o desenvolvimento sustentável do país, sobretudo quando se trata do setor elétrico, depende da adoção de políticas públicas, ou seja, de medidas governamentais e institucionais, em um contexto de transição energética, tendo como principais prioridades a descentralização, a democratização, a digitalização e a descarbonização. Nesse sentido, busca-se por uma sociedade “4D”.

Diante desse panorama de mudanças, inclusive com a inserção de novas fontes de energia, tem sido constante a avaliação sobre a viabilidade do aumento da participação do gás natural, de origem fóssil, como combustível para a geração térmica, conforme discussões realizadas no âmbito da iniciativa do Gás para Crescer, instaurada no ano de 2016 e, mais recentemente, no Novo Mercado de Gás (NMG), lançado no ano de 2019.

Destaca-se que, segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029, atualmente, a geração de energia a partir do uso do gás natural corresponde a apenas 34% da geração térmica. Haja vista a aproximação do término da vigência de muitos dos contratos firmados no ambiente de contratação regulada com as geradoras movidas a óleo, haverá o espaço para a substituição dessas térmicas antigas por novas geradoras de energia, a partir do gás natural, em um contexto de disponibilidade do insumo a preços competitivos.

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A partir de tais premissas, muito se tem discutido sobre a integração entre os setores de energia elétrica e gás natural, sobretudo com a principal finalidade de atender aos requisitos de capacidade (ou à demanda de ponta) e de flexibilidade (para compensar a variabilidade das renováveis intermitentes). Muitos são os desafios para a ampliação da participação das térmicas a gás na matriz elétrica.

Do ponto de vista regulatório, permanecem pendentes diversas definições essenciais e, muitas vezes, até conceituais. Por exemplo, em alguns estados não há qualquer tipo de normativo relacionado à comercialização do gás natural ou mesmo a definição sobre os usuários livres. Em muitas localidades não foram desenvolvidas agências reguladoras ou mesmo adaptadas secretariais para a regulação e a fiscalização do setor.

Sob a perspectiva econômica, cabe salientar a dificuldade da definição da metodologia de contratação de tais usinas térmicas. Enquanto os investidores demandam que seja estabelecido nível elevado de inflexibilidade de geração das usinas, haja vista a necessidade de alto desembolso para a aquisição do combustível, realizada por meio da assinatura de contratos de compra de combustível que, por prática de mercado, apresentam cláusulas de consumo mínimo (take or pay), em cumprimento aos preceitos legais, no setor elétrico há a necessidade da contratação de energia a partir do cálculo do menor custo global, obtido geralmente por usinas que apresentem maior flexibilidade para a geração.

No panorama social, a monetização do recurso energético e a integração dos setores elétrico e de gás natural poderão contribuir para o incremento da economia local, por meio da geração de empregos diretos e indiretos, do desenvolvimento regional e do aumento da arrecadação de tributos, haja vista a necessidade da construção, como mencionado, de toda a infraestrutura necessária ao transporte do gás natural, além de Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs), terminais de gás natural liquefeito (GNL) (quando aplicáveis).

Por fim, mas não menos importante, sob a ótica ambiental, apesar de ser um combustível fóssil, há uma avaliação positiva quanto ao grande potencial do gás natural, combustível considerado no PDE como menos poluente em comparação com os demais combustíveis fósseis como o carvão mineral, o óleo diesel ou mesmo o óleo combustível, em virtude dos baixos teores de carbono. De qualquer forma, cabe sopesar que a emissão de poluentes atmosféricos, ainda que em menor escala, pode alterar a qualidade do ar, prejudicar a saúde da população e agravar a ocorrência da chuva ácida e do aquecimento global. Agregando-se a geração termoelétrica aos conceitos de captura e estocagem de carbono, caminha-se para a implementação de uma solução de emissão zero de carbono.

Diante disso, cabe destacar que, a partir dos desdobramentos do NMG, verifica-se que, realizadas algumas mudanças, é possível obter ganhos significativos para toda a sociedade com a integração dos setores elétrico e de gás natural. São necessárias definições, especialmente do ponto de vista regulatório, que propiciem a segurança jurídica necessária aos investidores privados.

Fernanda Tomé é advogada especialista em energia e gás natural. Mestre e Doutoranda em Energia, pela USP. 

Hirdan K. de Medeiros Costa é advogada, pesquisadora visitante PRH 33.1 ANP/IEE/USP e professora colaboradora PPGE/IEE/USP. Pós-doutora em Energia pela USP

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação. 

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

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