Por: Guilherme Dantas*
Em meio ao risco atual de racionamento no sistema elétrico brasileiro, novamente medidas que incentivem o corte de carga surgem como parte da estratégia de mitigação dos riscos da crise de desabastecimento. Dado que o tema corte de carga no Brasil tende a ganhar popularidade apenas em momentos onde existem problemas de suprimento, é natural que o mesmo assuma uma conotação negativa.
Entretanto, é preciso tratar o gerenciamento da demanda em bases mais amplas e estruturais. Dotar os consumidores de condições que os permitam reagir a sinais econômicos é algo com inúmeros benefícios para os sistemas elétricos.
Tradicionalmente, os benefícios das medidas de resposta da demanda estão atrelados à postergação de investimentos em função da redução da demanda de ponta dos sistemas elétricos. Porém, dada a crescente necessidade de prover os sistemas elétricos de flexibilidade para lidar com o aumento da participação de fontes intermitentes, o gerenciamento da demanda é passível de prestar outros tipos de serviço aos sistemas elétricos.
Verifica-se um crescimento da percepção de que é extremamente relevante se enxergar a resposta da demanda, não apenas como meio de suavizar a ponta, como também uma alternativa de atendimento das necessidades de serviços energéticos e ancilares requeridos pelos sistemas elétricos. Esse entendimento já é uma realidade em nível internacional.
Como ilustração, estudo do Bratlle Group estima um potencial de 200 GW associado a medidas de resposta da demanda nos EUA até 2030. Embora se reconheça os benefícios da redução da demanda de ponta, o provimento de flexibilidade ao sistema por parte das medidas de resposta da demanda é tido como algo extremamente relevante. Ao se considerar todos os benefícios envolvidos, estimam-se ganhos anuais superiores a US$ 15 bilhões.
Historicamente, as medidas de resposta da demanda estão muito atreladas a incentivos diretos como, por exemplo, benefícios econômicos para consumidores que aderem a programas de controle de carga e/ou modalidades de suprimento com a possibilidade de interrupção. Entretanto, em anos recentes vem ganhando relevância as iniciativas onde os sinais econômicos estão nas tarifas/preços através da presença de sinais temporais, sobretudo no segmento de baixa tensão.
Ao se analisar as tendências das iniciativas gerenciamento da demanda, nota-se que as mesmas iniciam um processo de difusão no segmento residencial, sendo esta uma dinâmica verificada já em diversos estados dos EUA. Dado que tradicionalmente o potencial de resposta da demanda no setor residencial é visto com ressalvas, é preciso se fazer algumas ponderações para o entendimento deste processo.
Em primeiro lugar, é notória a necessidade de dotar os consumidores das condições necessárias para que reajam a preços. Neste sentido, é perceptível que a instalação de medidores avançados é um pré-requisito fundamental para a promoção de engajamento por parte dos consumidores. No caso norte americano, a maior parte das unidades consumidores residenciais já possui um medidor avançado. Na maioria dos casos, a difusão de medidores avançadas fora viabilizada por políticas públicas fundamentadas no suposto que os benefícios envolvidos superariam os custos dos investimentos requeridos.
Concomitantemente, devem ser considerados os impactos dos avanços nas tecnologias de informação e comunicação, assim como a crescente automação de equipamentos domésticos, como meio de promover o engajamento dos consumidores. Explica-se: existem vícios comportamentais que dificultam mudanças nos hábitos de consumo de energia elétrica por parte de consumidores residenciais. Ademais, considerando que os consumidores em condições de modularem carga tendem a ser majoritariamente os de maior renda, ainda existe a questão de os benefícios serem tidos como limitados pois dispêndios com energia elétrica consistem em uma fração limitada de seus gastos mensais. Logo, ao possibilitar a automatização de medidas de resposta da demanda, estas novas tecnologias acabam por impulsionar o engajamento dos consumidores que passam a não incorrer em grandes “esforços” para implementarem.
No caso brasileiro, em nível de alta e média tensão, existem as modalidades tarifárias verde e azul que visam fornecer alternativas aos consumidores mais aderentes ao seu perfil de consumo. Embora consistam em modalidades tarifárias consagradas, ressalta-se que as mesmas foram construídas mais como forma de incitar o uso eficiente das redes do que de gerenciar o equilíbrio entre a demanda e a oferta de energia.
Mais recentemente, foi implementado um projeto piloto baseado em incentivos diretos de resposta da demanda para consumidores de alta e média tensão. Concomitantemente, foi criada a modalidade tarifa branca para consumidores de baixa tensão com vistas a possibilitar que os mesmos possam reagir a sinais temporais.
Em ambos os casos, os resultados se apresentam como extremamente modestos. Observa-se assim que a questão da resposta da demanda no setor elétrico brasileiro ainda é uma temática embrionária que precisa ser desmistificada.
No caso de consumidores de alta e média tensão, a questão central é a criação de arranjos que possibilitem a resposta de demanda efetivamente competir nos mercados com os demais recursos energéticos, incluindo geração centralizada. Não se trata apenas de conceder maiores benefícios aos consumidores que modularem suas cargas em função dos sinais econômicos. É necessário que os arranjos formatados atribuam níveis de riscos toleráveis a estes consumidores.
Já na baixa tensão, sobretudo no que se refere aos consumidores residenciais, é imperativo que existam avanços no sinal temporal das tarifas. Ressalta-se que a criação de postos tarifários deve ocorrer mesmo em contextos de implementação de tarifas binômias, vide a necessidade de permitir aos consumidores modularem suas cargas. Para isso, especialmente se considerando a necessidade de disponibilizar informações aos consumidores, é vital que a regulação crie condições propícias para implementação em larga escala de medidores avançados.
Portanto, a título de conclusão, se enfatiza que ainda existe muito o que se avançar nas medidas de resposta da demanda no sistema elétrico brasileiro. Todavia, antes de qualquer discussão regulatória, é fundamental que gerenciamento da demanda deixe de ter visibilidade para opinião pública apenas em momentos de risco de racionamento.
* Guilherme Dantas é sócio diretor da Essenz Soluções
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