Por: João Carlos Mello*
A transição energética – um desafio para a maior parte das nações do planeta – é fato consumado no Brasil. O ritmo de entrada em operação de projetos de geração com fontes renováveis e o estoque de projetos com energia limpa já outorgados pelo órgão regulador são indicadores sólidos dessa conquista. Nesse cenário, o Brasil é protagonista no esforço global para mitigar os impactos das mudanças climáticas. A missão, agora, é igualmente desafiadora: o País terá de definir o modelo energético que vai adotar, com base em uma nova configuração de geração de energia elétrica para potencializar os benefícios da ampliação da oferta de energia limpa alcançada nos últimos anos.
Como resultado da combinação entre as abundantes riquezas naturais do País e um espírito empreendedor inovador, o parque gerador nacional ultrapassou, no primeiro trimestre deste ano, a marca de 200 gigawatts (GW) de capacidade instalada. Isso graças a uma expansão baseada majoritariamente em fontes de energia renovável, tendo a geração fotovoltaica e eólica à frente. Foram agregados no período 2,6 GW, mantendo-se uma participação de mais de 95% de fontes renováveis na nova capacidade instalada, o que vem assegurando ao Brasil uma matriz elétrica composta por mais de quase 85% de fontes de energia limpa. Este cenário é invejável, se pensarmos nas dificuldades enfrentadas por vários países para reduzir a participação do carvão e outros combustíveis fósseis em suas matrizes.
Esse impulso contribuiu para que o Brasil passasse a dispor de um robusto estoque de empreendimentos de geração – atualmente em diferentes estágios de desenvolvimento e que deverão entrar em operação comercial até 2030. Temos ainda na fila projetos de geração que somam 166,5 GW, segundo dados mais recentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Desse total, apenas 6 GW correspondem a projetos de origem fóssil. Os demais são iniciativas que utilizarão recursos renováveis para produzir energia elétrica, sendo a maioria usinas fotovoltaicas – um total de 129,8 GW.
Contamos, portanto, com um lastro formidável em geração de energia limpa para manter em evolução o ciclo virtuoso da descarbonização da economia brasileira. Esses novos negócios em renováveis poderão dar sequência a processos de eletrificação e contribuir para a substituição de combustíveis fósseis, além de agregarem eficiência e modernização para diversos os segmentos.
A energia limpa gerada a partir destes novos investimentos poderá ainda ajudar a reduzir as emissões de gases de efeito estufa no âmbito da indústria dos transportes, bastante dependente de combustíveis fósseis. O segmento foi o que mais ampliou suas emissões em 2022: de 53%, de acordo com levantamento da KPMG em mais de 20 nações.
Considerando-se apenas o transporte rodoviário, estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que a frota nacional de carros elétricos deve ultrapassar 1 milhão de unidades até 2030. A expectativa é que o consumo anual de veículos elétricos alimentados por bateria atinja 4,4 terawatt-hora (TWh) até 2030, representando de 0,5% a 1,5% do consumo elétrico nacional. Assim, deixarão de ser consumidos de 3 bilhões a 5 bilhões de litros de gasolina por ano, poupando a atmosfera de emissões de poluentes.
A indústria brasileira é outro potencial beneficiário da eletricidade a ser produzida pelos novos projetos. Segundo a EPE, esse segmento absorve 32% da energia final do País e 37% da energia elétrica produzida, respondendo por 18,13% das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Setores como as siderúrgicas e as cimenteiras, por exemplo, enfrentam grandes dificuldades em promover sua descarbonização. Para esses, a energia renovável dos projetos em estoque no setor elétrico brasileiro poderá ser utilizada de forma indireta, viabilizando a produção de hidrogênio verde – o mais puro componente da aquarela dos hidrogênios –, que, por sua vez, poderia substituir o uso massivo de combustíveis fósseis.
Estabelecer a indústria brasileira como destino da rota do hidrogênio verde parece ser uma alternativa com resultados mais positivos em detrimento à exportação, como defende parte dos especialistas, o que implica superar sérios obstáculos logísticos. O uso do hidrogênio verde poderá dar suporte para a ampliação da participação de diversos setores industriais com a oferta de produtos como o aço e o cimento verde.
Há nesse desenho das possibilidades alvissareiras que envolvem os projetos de energia renovável um contraponto necessário. Entre esses empreendimentos em estoque no setor elétrico, as usinas fotovoltaicas e eólicas – fontes caracterizadas pela intermitência de sua produção de energia – são a grande maioria. Por isso, será necessário contar com uma participação maior de geradoras térmicas a gás natural para garantir maior segurança à operação do sistema elétrico brasileiro, que ficará, certamente, mais suscetível a variações bruscas.
*João Carlos Mello é CEO da Thymos Energia, membro da Academia Nacional de Engenharia, e diretor-presidente do Cigré Brasil, onde atuou também como coordenador do comitê de estudos C5 – mercados de eletricidade e regulação. Mello é doutor e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ e esteve à frente da Andrade & Canellas (A&C) por 7 anos. Atuou ainda em empresas como o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), onde desenvolveu modelos computacionais em energia elétrica, e outras consultorias como a Monasa Consultoria e Engenharia e a Themag. Mello também trabalhou em projetos como o de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RE-SEB), em meados de 1990, e o de implementação do Mercado Atacadista de Energia (MAE).
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