Opinião da Comunidade

José Luiz Alquéres escreve: Nuvens negras sobre Glasgow

José Luiz Alquéres escreve: Nuvens negras sobre Glasgow

Por: José Luiz Alquéres

Na época áurea das disputas entre países socialistas e capitalistas, uma frase muito comum do lado liberal é que o Estado não deveria se meter em nada que fosse do território da economia. Se cada um cuidasse dos seus interesses, com um Estado mínimo e cada um por si, no final as coisas se arranjariam bem – como se uma mão invisível ajustasse eventuais distorções.

Se isso já não era verdade na época, menos ainda será quando se trata da economia globalizada em um planeta que já é pequeno para quantidade de gente que abriga, como no modo atual de vida.

Para resolver seus problemas internos, as nações foram caindo em si e criando um grande aparato chamado Estado Regulador, disciplinando regras de competição em vários segmentos. Da saúde até a energia, das finanças até os transportes, além de executarem certos serviços diretamente, como o de segurança pública.

Agora as condições de sustentabilidade de vida em nosso planeta requerem algo muito mais ambicioso, uma regulação supranacional, que previna a ocorrência de desastres ambientais. Para horror de quem vê a presença da insensatez nas lições da história, o mundo parece ter esquecido que, em alguns temas, o “cada um por si” não funciona.

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Os países ora se reúnem em Glasgow para combinar uma ação comum de proteção da Terra contra as mudanças climáticas. Os Estados do G20 lá reunidos produzem 80% das emissões de gases de efeito estufa, mas chamaram mais 180 países para debater o tema, em tese para ter representatividade. Na prática, porém, parecem querer se assegurar da impossibilidade de um consenso.

Nesta primeira semana (escrevo este artigo no domingo dia 7 de novembro), os representantes científicos e assessores tentaram acertar uma programação a ser referendada pelos chefes de Estado que trabalharão na semana que ora se inicia. Foram pífios os progressos. Estavam na pauta: promessas de dinheiro para a turma dos países mais pobres (aqueles que respondem por 20% das emissões), sugestões de protocolo para redução de 30% das emissões de metano, definição de metas mais radicais para redução do desflorestamento.

Em vez de embarcarem em uma mudança qualitativa na forma de ver todo processo econômico, o que se percebe dos países é uma postura de negociações e quedas de braço para ver quem preserva mais seu direito de produzir emissões e não afetar seus interesses econômicos específicos de curto prazo. Em metáfora cruel: a briga para ver quem ocupa o camarote presidencial do “Titanic-Terra”.

É preciso que mãos muito visíveis dos homens organizem o futuro da Terra cooperando para uma ação supranacional. Caso contrário, a COP 26 caminhará para o fracasso. Mais um decepcionante passo muito tímido que se anuncia.

A transição energética não é o grande desafio do século XXI. Ela é o último elo de uma cadeia de ações profundas que vão da forma em que se dá o uso da terra até a matriz energética que polui, provoca mudanças climáticas e consome em excesso recursos naturais. O grande desafio é a refundação do estilo de vida a que nos acostumamos. Isto envolverá alterar desde a nossa dieta alimentar, nossas formas de produzir alimentos até a forma de empregar os recursos das nossas poupanças – evidentemente quem as tem, ou seja, a turma dos países ricos – para restaurar a natureza às suas condições mais próximas das originais.

A degradação climática a que assistimos é efeito. Temos que agir sobre as causas.

Infelizmente já está claro que em Glasgow se ficará no nhem-nhem-nhem de medidas paliativas: “você não desfloresta, eu não emito metano etc etc…” Intenções em vez de compromissos pactuados e com sanções para quem não os cumprir.

O egoísmo prevalecerá sobre o interesse coletivo. O mundo das Gretas, dos Bill Gates e dos Blackrocks já aponta isso desfilando pelas ruas de Glasgow e denunciam: mais greenwashing, infelizmente.

O processo de mudança é de dupla ação: tanto necessitamos que mudem as mentalidades dos dirigentes públicos, dos líderes das comunidades, dos influencers e dos formadores de opinião como a do público em geral, que tende a continuar privilegiando o seu interesse imediato sobre o das futuras gerações.

Agrava isso tudo a burrice, o negacionismo, causas complexas que poucos entendem, viram justificativas para negar a ciência. Embora inaceitável é compreensível que isso ocorra porque o mundo mudou muito e rápido. A maior aceleração da urbanização e a transformação de 5 bilhões de pessoas de uma sociedade rural para uma sociedade de consumo nos últimos 50 anos resultaram na perda de referências culturais que por séculos determinaram o que a humanidade entendia como como a ordem natural das coisas.

Assim, estão ocorrendo significativas alterações no conceito da família, da propriedade individual, da formação de clãs e tribos, da identidade dos homens com a sua terra natal ou com seus parentes consanguíneos, do conceito de polis ou espaço político comunal, onde as decisões compartilhadas devem predominar.

Nessa situação, o conjunto dos homens e mulheres, carente de rumos, vira um rebanho conduzido, na maior parte das vezes, por populistas e ignorantes.

Finalmente, porém, a ciência parece que acordou e dá sinais de querer reagir e propor o respeito a limites éticos inspirados no humanismo e na preservação da natureza. O caso das vacinas é uma espécie de antessala do caso maior de prevenção das mudanças climáticas. Elas devem ser para todos, ou não funcionarão.

Preservar o humano, um animal gregário que se realiza em sociedade, que cuida da sua prole e do seu futuro como espécie e compartilha as decisões democraticamente (esta, a mais peculiar contribuição da nossa espécie sobre a natureza, onde prevalece a implacável lei da sobrevivência do mais apto) é que deve ser o objetivo principal da sociedade em todos os países. Se não for na COP 26, que seja na 27. Menor. Menos pirotécnica, mas com quem realmente tem poder de decisão.

Conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Sócio-diretor da JLA – JL Alquéres Consultores Associados que fundou em 1999 e Sócio Diretor da Edições de Janeiro que fundou em 2014. Foi Secretário Nacional de Energia em 1992 e presidiu a CERJ, Eletrobrás, Alstom do Brasil, Light Serviços de Eletricidade S.A. e MDU do Brasil.  Foi membro de alguns Conselhos de Administração de grandes empresas da área de energia no Brasil,  dentre as quais Itaipu, Eletrobrás Furnas, Chesf, Eletrosul, Nuclen, Cesp, CPFL, Cemig e EDP. Atualmente integra o conselho da Energisa, Enauta, Monteiro Aranha e Instituto EDP.  

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.

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