Com a presidência do G20 este ano a sede da COP 30, em 2025, o Brasil está no centro das discussões em relação à transição energética, e se transformou numa referência nos debates de alternativas aos combustíveis fósseis realizados durante a 10ª edição do Berlin Energy Transition Dialogue (BETD), evento realizado na Alemanha na semana passada e que contou com as principais lideranças do tema no mundo.
O contexto foi usado de forma favorável pelas lideranças brasileiras presentes no evento, que aproveitaram o conceito da “transição energética justa” para atuar na atração de investimentos e defender que mercados em desenvolvimento possam exportar produtos industrializados verdes, indo além das commodities. O aspecto renovável da matriz elétrica brasileira foi destaque, enquanto questões técnicas – e importantes – como a necessidade de contratação de termelétricas para garantir o suprimento nos horários de pico, e a resiliência da rede, ficaram de lado.
Organizado pelo governo da Alemanha, o BETD foi aberto na terça-feira, 19 de março, com um discurso contundente do ministro da Economia, Robert Habeck, que descreveu o desafio de viabilizar a transição energética e combater as mudanças climáticas de “tarefa histórica do nosso tempo” e alertou que o tempo para cumprir as metas da COP 28, que incluem triplicar a capacidade de renováveis até 2030, é cada vez mais curto. Fatih Birol, diretor-geral da Agência Internacional de Energia (AIE), disse que “definitivamente” o mundo não está no caminho certo para atingir as metas climáticas, e Francesco La Camera, diretor-geral da Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena) destacou que é preciso mais que dobrar os investimentos em renováveis no mundo para chegar ao futuro desejado.
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Durante uma entrevista com jornalistas, La Camera citou o Brasil como exemplo de um sistema bem-sucedido “quase” 100% renovável. Segundo ele, o gás não é totalmente confiável, já que sempre pode haver problema na disponibilidade da molécula, o que não acontece com as renováveis. “Ninguém pode negar recursos renováveis, negar sol ou vento. Se você coloca armazenamento no sistema e assegura a interconexão, as renováveis dão a flexibilidade necessária para atender a carga base”, disse. Questionado sobre a questão da falta de chuvas no Brasil, que leva ao acionamento de termelétricas, La Camera admitiu que hidrologia é um problema, mas afirmou que “infelizmente, quanto mais demoramos para agir, menos vai chover”.
O “sul global” e a descarbonização
O papel de destaque do Brasil na agenda global de descarbonização esteve em quase todos os discursos, e o país se posicionou como um dos líderes do chamado “sul global” – os países de renda média ou baixa, ainda em desenvolvimento, e que buscam atrair investimentos estrangeiros e evitar que os esforços para redução das emissões dificultem ainda mais a situação das suas economias.
Durante as discussões, a questão do financiamento das renováveis foi apresentada como “a maior questão”, permeada pelo embate entre os países menos desenvolvidos, que não querem comprometer o crescimento econômico e defendem investimentos estrangeiros na descarbonização, e aqueles ricos, responsáveis pela maior parte das emissões no globo, mas que enfrentam um aumento da resistência da população contra o subsídio de outras regiões do mundo. É o caso da própria Alemanha, cujo governo vem enfrentando críticas pelos altos gastos com fundos climáticos, e da França, outro país historicamente defensor da transição energética e que tem sofrido com protestos de parte insatisfeita da população.
Para os países em desenvolvimento, se falou muito em como viabilizar o aumento da demanda interna, a fim de evitar que a mesma lógica de exploração colonial se mantenha com a exportação, agora, de hidrogênio verde.
“O Brasil entende que os benefícios da transição energética devem ser para todos. Não tem sentido, por exemplo, países desenvolvidos importarem matéria-prima, importarem energia para produzir e agregar valor aos produtos, quando podemos fazer isso de forma mais barata e eficiente”, disse à MegaWhat Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MIDC), depois de participar de um painel sobre as lições da transição energética na América Latina e Caribe, que contou com a presença de importantes líderes da região, inclusive a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, que atualmente faz parte do Comitê Estratégico de Hidrogênio Verde chileno.
Rollemberg foi a única autoridade brasileira a participar do BETD, mas estava acompanhado de uma comitiva que participou, no início da semana, de um evento na Embaixada do Brasil na Alemanha. O ministro da Economia, Fernando Haddad, seria o destaque dessa agenda paralela ao BETD, mas desmarcou sua ida ao ser convocado por uma reunião pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, estava na semana passada em Houston, nos Estados Unidos, quando participou da CERAWeek by S&P Global, evento tradicionalmente voltado ao mundo do petróleo e gás.
Segundo Francesco La Camera, da Irena, mais de 80% das emissões de CO2 vêm dos países membros do G20, as grandes economias do mundo, ao mesmo tempo em que a África ainda tem 700 milhões de pessoas sem acesso à eletricidade.
Formas de financiamento
Uma das saídas para incentivar os investimentos são os contratos de carbono por diferença (CCFDAs, na sigla em inglês), segundo Fatih Birol. “Mas eu não diria que essa é a única forma, há muitas visões para que isso possa ser feito. Na minha visão, a concessão de financiamento é algo em que devemos pensar, porque muitos países em desenvolvimento estão passando por problemas de dívida alta e as finanças públicas estão apertadas”, disse Birol.
O mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, na sigla em inglês), que vai oferecer incentivos para importação de produtos verdes, e cobrar impostos maiores daqueles não descarbonizados, também foi uma alternativa muito discutida ao longo do BETD, e teve um evento paralelo exclusivo para seu debate.
“O CBAM é uma boa ideia, um mecanismo que falta no mundo”, disse Rosana Santos, diretora-executiva do E+ Transição Energética, que participou ativamente de todos os dias de discussão na Alemanha. Ao lado de especialistas de países interessados no mecanismo, como Turquia, Indonésia e México, europeus da Polônia e da Alemanha, e um representante da China, Rosana Santos afirmou que a grande questão hoje está no que é ou não considerado “verde” pelo CBAM.
Algumas rotas de energia limpa, como a biomassa e o carvão vegetal (biochar), não são considerados pelo mecanismo. “Não falo de biomassa não sustentável, não tem nenhuma árvore sendo cortada, mas temos toneladas de resíduos que devem ser usados, é uma rota que precisamos considerar”, explicou.
Sem nuclear
A fonte nuclear também ficou de lado durante as conversas no BETD. Quando questionado sobre a fonte, La Camera, da Irena, fez uma brincadeira com os jornalistas e procurou no mecanismo de busca por “capacidade nuclear no mundo”.
“Eu já sei o resultado, são 371 GW. São 371 GW que foram instalados no mundo em 70 anos. Ano passado, instalamos 473 GW em renováveis. Em um ano, instalamos 30% mais renováveis do que as nucleares atingiram em 70 anos”, disse.
Segundo ele, a geração nuclear não é “ruim”. “Não digo que é cara, muito arriscada, nem que está aumentando a desigualdade no mundo. Digo apenas uma coisa: se queremos resultados até 2030, a nuclear não será útil”, concluiu.
*A repórter viajou como media fellow a convite do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, por meio do Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) e da Federação Alemã de Energia Renovável (BEE).