O plenário do Tribunal de Contas da União determinou ao Ministério de Minas de Energia (MME) a elaboração de um plano de ação contendo atividades e cronograma de estudos técnicos para fundamentar uma revisão dos subsídios do setor elétrico brasileiro. A decisão do relator do processo, ministro Walton Alencar, estipula prazo de 180 dias à pasta e foi baseada em auditoria da corte quanto ao nível de maturidade das políticas públicas e ações do governo para a transição energética.
O MME também deverá estabelecer objetivos com parâmetros mensuráveis a serem alcançados para promover a justiça energética brasileira, a partir de indicadores quantificáveis e metas para o seu monitoramento, e articulada aos demais ministérios relacionados.
“Com as demais pastas ministeriais relacionadas, revise a estratégia de financiamento da transição energética brasileira com vistas a mitigar o subaproveitamento da renda petrolífera para financiamento da transição energética, o desbalanceamento dos investimentos públicos entre energias fósseis e renováveis e as distorções na matriz de subsídios energético”, diz trecho do voto do relator.
Alencar também pede um diagnóstico para o objetivo da justiça energética do país, com indicadores e metas capazes de demonstrar a evolução das políticas públicas implementadas e que garantam uma transição energética justa e inclusiva, especialmente para as populações mais vulneráveis.
Além disso, a pasta deve realizar avaliações periódicas de temáticas atinentes à transição energética e dar ciência ao Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima da necessidade de inclusão dos planos setoriais de mitigação à mudança do clima no Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Plano Clima).
Distorções de subsídios
As determinações Walton Alencar foram aprovadas por unanimidade pelos ministros da corte. Para Bruno Dantas, presidente do TCU, a decisão é necessária para alcançar a transição energética no Brasil, dado o cenário “preocupante” de distorções de subsídios no setor, “que favorecem poucos, enquanto penaliza a maioria, especialmente os consumidores mais vulneráveis, que acabam sustentando o peso das altas tarifas”.
“A transição energética vai além de trocar fontes de energia. Ela demanda mudanças na regulação do setor, com foco em empoderar os consumidores e implementar políticas públicas inclusivas. Para alcançar o sucesso, é essencial equilibrar segurança energética, sustentabilidade ambiental e justiça social no acesso à energia”, afirmou Dantas.
Para Bruno Dantas, a auditoria do TCU trouxe questões que devem ser tratadas como prioridade, pois a falta de “diretrizes claras para reduzir as emissões tem atrasado o avanço da transição energética no Brasil”.
“Além disso, a ausência de mecanismos institucionais para promover a justiça energética compromete a capacidade de acesso justo e sustentável à energia. Este cenário se torna ainda mais preocupante com as distorções de subsídios no setor elétrico”, destacou o ministro Bruno Dantas.
Abertura velada do mercado e tarifas
A ação de controle foi realizada entre junho de 2023 e setembro de 2024. Ao todo, foram fiscalizados R$ 228,6 bilhões em investimentos indicados no Novo PAC, além dos mais de R$ 127 bilhões em subsídios tributários, creditícios e financeiros indicados no Plano Plurianual 2024-2027.
Segundo o TCU, a auditoria teve como motivação a decisão do governo federal em tratar a transição energética como política de Estado, e não mais como um conjunto de políticas setoriais. A intenção é que o país possa cumprir acordos internacionais sobre o clima e se reindustrializar com bases de produção sustentável.
Entre os itens analisados, a área técnica chamou atenção para o aumento da tarifa de energia e os fatores que impactam negativamente a conta dos brasileiros, incluindo a presença de subsídios cruzados, “fenômeno com risco à sustentabilidade financeira do mercado de energia elétrica no Brasil e que tem sido denominado como ‘espiral da morte’ por diversos especialistas do setor”.
Entre os aspectos para o aumento da conta de luz dos brasileiros, o TCU cita o aumento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), os descontos nas tarifas de distribuição e transmissão das fontes incentivadas, a política pública para incentivos à micro e minigeração distribuída (MMGD), entre outros assuntos.
“A MMGD tem proporcionado aumentos exponenciais dos subsídios para os adquirentes dessa modalidade, em prejuízo dos consumidores que não possuem condição financeira para a aquisição de painéis solares. Salienta-se que essa política é financiada via CDE em rubrica específica para cobrir as perdas e despesas das distribuidoras por conta dos subsídios à geração distribuída”, destacou.
Segundo a área, tais circunstâncias favorecem uma velada liberalização do mercado de energia elétrica, sem o devido planejamento estratégico, o que pode levar à insustentabilidade financeira do setor a médio prazo.
A Medida Provisória 1.212/2024, que estendeu o prazo legal para o início da operação comercial de centrais geradoras para fins de manutenção dos descontos na rede, também foi apontada como uma “nova medida que impede mais uma vez que os valores desses incentivos sejam reduzidos”.
“Os impactos estimados pelo governo federal decorrentes dessa MP são de acréscimos na CDE de R$ 10 bilhões por ano, conforme nota técnica do MME. A MP trouxe medidas para a redução das tarifas no curto prazo, contudo, contribui ainda mais para o aumento continuado da CDE. A MP pode ser caracterizada como uma medida incoerente em termos do propósito de justiça energética, pois acarretará mais aumentos da conta de energia via incremento da CDE, com impacto negativo na tarifa de energia elétrica”, conclui.
Subsídios para os fósseis
As distorções de subsídios entre as fontes de energia fósseis e renováveis também foi mencionada. Na avaliação da auditoria, essa abordagem não apenas perpetua a dependência do país em fontes de energia poluentes, mas também limita o potencial das energias renováveis para gerar inovação tecnológica e ganhos de escala.
“A transição para fontes de energias renováveis não é apenas uma questão ambiental, mas também uma oportunidade econômica. No entanto, para que isso aconteça, é crucial que os incentivos fiscais e os subsídios sejam alinhados com esses objetivos de longo prazo”, destacou a auditoria.
Em 2023, os subsídios às duas fontes somaram R$ 102,65 bilhões, um aumento de 4,43% em relação ao número de 2022. A elevação foi assegurada por um aumento de R$ 4,8 bilhões (27,2%) das fontes renováveis, em detrimento das fontes fósseis, que tiveram uma queda de R$ 510 milhões (0,6%).
Mesmo assim, os subsídios aos combustíveis fósseis somaram R$ 79,88 bilhões, ou seja 77,83% do total, enquanto os subsídios às renováveis somaram R$ 20,62 bilhões, ou 22,17% do total. “Estes valores evidenciam que a cada R$ 1 de fomento para fontes renováveis de energia, cerca de R$ 4 são subsidiados aos combustíveis fósseis”.
Segundo o TCU, um dos maiores subsídios à produção de combustíveis fósseis é o Repetro, regime que isenta de tributos a importação e produção interna de equipamentos para a exploração de petróleo e gás.
“Em contraste, os incentivos destinados às energias renováveis não recebem o mesmo nível de apoio financeiro”, diz a auditoria.
Auditoria do TCU
Os sistemas de financiamento existente e/ou planejado pelo governo federal também foram verificados. Para a área, os recursos estão parcialmente alinhados às necessidades de investimento da transição energética brasileira e apresentam algum déficit de capacidade institucional, tanto o conhecimento sobre as necessidades de investimentos e fontes de recursos, quanto o monitoramento e a transparência sobre os investimentos e gastos com transição energética.
Para a auditoria, o Plano Nacional de Transição Energética (Plante) é uma opção, mas, como ele ainda não está em plena operação, “não há que se falar em um sistema de financiamento energético plenamente implementado”, no qual o governo possa gerir a atividade conforme as melhores práticas conhecidas, em regime próximo ao ideal satisfatório, com pouca vulnerabilidade a ciclos políticos.
“O Plano de Transformação Ecológica, a Nova Indústria Brasil, o Mover, o Programa Eco Invest Brasil, as LCDs, o Paten, o Rehidro e o SBCE ainda se revelam em estágio de baixa implementação. Estes programas contemplam a introdução de novos instrumentos financeiros no sistema de financiamento nacional como a taxonomia para empreendimentos e atividades sustentáveis, o sistema de precificação de carbono, o imposto seletivo, instrumentos para proteção cambial de longo prazo e redução do custo do crédito, alinhados às tendências globais”, diz trecho.
A respeito das receitas geradas pela exploração de óleo e gás natural no Brasil, a auditoria diz que, para o MME, elas são fundamentais, não apenas para a economia, mas também para financiar diversas políticas públicas que visam a adaptação e mitigação às mudanças climáticas e o combate à pobreza energética.
“[Entretanto], o que chama a atenção é que, diante de um cenário de restrição fiscal e aumento do endividamento público, a receita petrolífera nacional não se mostra como uma fonte relevante para financiamento da transição energética. Além da cláusula de PD&I, o Fundo Clima é o único instrumento que recebe recursos da receita do petróleo, como percentual das participações especiais”.