Corrida do ouro

Aneel nega liminar para suspender acesso de ultra‐eletrointensivos à rede

A Aneel negou pedido de liminar da Brasil Fortescue Sustainable para suspender as análises de pareceres de acesso em curso no ONS.

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Complexo do Pecém/ Crédito Gladison Oliveira (Divulgação Fortescue)

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) negou o pedido de medida cautelar da Brasil Fortescue Sustainable Industries para a suspensão imediata de todas as análises de pareceres de acesso em curso no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a partir de agosto de 2024, relativas a consumidores ultra‐eletrointensivos com projetos de produção de hidrogênio e amônia verdes.

Segundo a empresa, que avança nas tratativas de um investimento bilionário na produção de hidrogênio no Ceará, a cautelar seria necessária para impedir uma “corrida do ouro” do acesso à rede por consumidores de grande porte, sendo necessária uma revisão das regras antes das análises dos pedidos.

A empresa argumenta que as regras atuais de acesso à rede básica induzem “comportamentos oportunistas” já que não são exigidas contrapartidas ou garantias de que os projetos, que vão ser considerados no planejamento da transmissão, sejam viáveis. A diretoria da agência reguladora, porém, entende que uma nova regra vai trazer soluções para o problema em questão, e por isso o pleito foi rejeitado na primeira reunião ordinária de 2025, realizada na manhã desta terça-feira, 21 de janeiro.

Uma das maiores produtoras de minério de ferro do mundo, a Fortescue possui um projeto para a instalação de planta de hidrogênio verde na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Complexo do Pecém, no Ceará, com pré-contrato para investimentos de R$ 20 bilhões.

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Em outubro, o projeto obteve o reconhecimento da Secretaria de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME) para acesso à rede básica do Sistema Interligado Nacional (SIN). O acesso ainda depende de parecer a ser emitido pelo ONS e de autorização expedida pela Aneel.

O que disse a Fortescue para a Aneel

No processo, a empresa aponta que há uma nova realidade no perfil de acesso de consumidores livres para conexão e que foge das características de perfil de consumo até então observadas. “O acesso deixa de ser em megawatts e passa a ser em gigawatts, muitas vezes superior à carga de um estado inteiro, e por isso passou a ser necessário um olhar específico”, disse o Vitor Sarmento de Mello, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardosos Advogados, ao representar a Fortescue em sustentação oral na reunião da Aneel.

Se os pareceres de acesso continuarem sendo emitidos, sem a separação entre os projetos viáveis dos “oportunistas”, o advogado alertou para uma possível nova judicialização, desta vez pelo direito do acesso à rede.

Isso porque “é a partir da emissão do parecer de acesso que restam configuradas as avaliações regulatórias e técnicas dos acessos solicitados às instalações de transmissão, gerando direitos e deveres para o acessante, assim como garantindo a reserva daquelas condições da rede para o seu atendimento”, disse a empresa em seu pedido para a agência.

A Fortescue entende que as disposições regulatórias vigentes não seriam adequadas para o novo perfil de consumidores eletrointensivos, e que a emissão dos pareceres para um determinado número limitados de agentes sob regras “inadequadas”, somente por conta do momento do seu pedido, resultaria em uma vantagem flagrante.

Negativa à Fortescue

O relator do processo, diretor Ricardo Tili, explica em seu voto que, por ora, não vê a probabilidade do direito alegada pela empresa, uma vez que os argumentos “demandam extensa dilação probatória e ampla motivação meritória. Não verifico, ao menos neste juízo de cognição sumária, a ocorrência de eventuais atos ilícitos praticadas pelos acessantes para obter vantagem competitiva ou violação ao princípio da isonomia”.

Tili ainda lembrou que uma proposta está sendo tratado por meio da consulta pública nº 23/2024, para avaliar a necessidade de intervenção regulatória que trate das requisições de acesso à rede básica por essas unidades consumidoras.

A proposta, que recebeu contribuições entre outubro e novembro de 2024, prevê o estabelecimento de garantias financeiras, cálculos e prazos para a reserva de uso do sistema de transmissão, após as áreas técnicas da agência avaliarem que novos projetos de grandes consumidores de energia, como data centers e de hidrogênio verde, devem gerar um adicional de montante de uso do sistema de transmissão (Must) de 610 MW em 2025, 18.340 MW em 2030 e 37.409 MW em 2037.

Dos 28 projetos analisados pela agência, mais da metade envolvem amônia ou hidrogênio verdes e data centers.

A redação do normativo tentou antecipar um problema vivenciado pelo setor junto aos geradores renováveis, principalmente de eólicas e solares, e que culminou no “dia do perdão”: nome dado ao setor para a rescisão amigável de contratos de uso do sistema de transmissão (Cust) celebrados para as outorgas dos projetos e dos quais os empreendedores declararam não ter mais interesse em seu desenvolvimento.

Na deliberação, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, disse ainda que conceder a cautelar traria prejuízo aos outros agentes que aguardam a emissão dos pareceres de acesso. “O ONS tem a obrigação de emitir os pareceres no seu devido tempo. Se, por uma circunstância conjuntural, não houver possibilidade de conceder o acesso naquele momento, o ONS vai consolidar a análise, emitir o parecer ou não, e a fila vai andar. A fila tem que andar”, disse.

Montante de uso deve aumentar 479% até 2037

Segundo dados da Aneel, o Ministério de Minas e Energia (MME) já emitiu, até o momento, portarias para 18 projetos, dos quais sete já solicitaram o Parecer de Acesso no ONS. Considerando os contratos de Must, a Aneel projetou um acréscimo de 479,85% do uso da rede em 2037, no horário de ponta, e de 434% no horário fora de ponta em 2037, em comparação com a rede existente hoje.

Na região do Porto do Pecém, no Ceará – onde está localizado o projeto da Fortescue – a agência verificou uma concentração de 6.498 MW em projetos com demanda elevada em 2037, sendo: dois de data centers, totalizando 876 MW; dois de amônia verde, totalizando 3.800 MW, e dois de hidrogênio verde, somando 1.822 MW.

Não há, atualmente, capacidade na rede de transmissão para atendimento a todos os projetos, tendo em vista que esta carga representa mais de 30% da carga total da região Nordeste. Conforme nota técnica da Aneel, a planta de hidrogênio da Fortescue prevê um Must de 1.200 MW a partir de 2030. 

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