Transmissão

Após oito anos, Aneel pode encerrar processo sobre RBSE, herança da MP 579

Diretora Agnes da Costa deve apresentar solução para impasse do RBSE com redução de R$ 5,7 bi na tarifa entre 2025 e 2028.

Diretora da Aneel Agnes da Costa
Diretora Agnes da Costa pediu vista do processo em maio de 2024, e deve apresentar voto conciliador nesta terça.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pode encerrar na próxima terça-feira, 10 de junho, um processo que já dura oito anos, movido por consumidores de energia e geradores questionando a metodologia de cálculo das indenizações por ativos antigos de transmissão renovados nos termos da Lei 12.783/2013, conhecidos pela sigla RBSE.

A diretora Agnes da Costa deve apresentar uma proposta de voto que configura um “meio termo” entre as partes, e permite uma redução total de R$ 5,67 bilhões no custo da transmissão dos ciclos de julho de 2025 a julho de 2028.

A redução de receita será menor que a defendida pelos consumidores e geradores, da ordem de R$ 11 bilhões, ao mesmo tempo em que não atende integralmente os transmissores, que brigaram para manter os valores inalterados.

Ainda que as partes não tenham se afastado das suas teses jurídicas, se declararam dispostas à Aneel a encontrar um “ponto de equilíbrio” para que o processo tenha um desfecho, com benefícios aos consumidores e para minimizar riscos de judicialização futura.

Mais de dez anos de impasse

A controvérsia remonta à renovação antecipada das concessões de transmissão promovida pela Medida Provisória (MP) 579, convertida na Lei 12.783/2013, que estabeleceu o pagamento de indenizações pelos ativos não amortizados até então.

Em 2016, a Portaria 120 do Ministério de Minas e Energia definiu as regras para o pagamento das indenizações, estimadas em R$ 62 bilhões, que seriam pagos em oito anos, com remuneração e depreciação baseadas nas metodologias vigentes de revisão tarifária.

A judicialização, no entanto, interrompeu esse cronograma. Em 2017, uma liminar obtida por grandes consumidores suspendeu parte dos pagamentos. O cenário só começou a se normalizar em 2019, com a queda da liminar e a retomada dos pagamentos integrais em 2020.

Nota Técnica 85 da Aneel

Em 2022, uma nova controvérsia foi levantada com a publicação da Nota Técnica 85 da Aneel. O documento, elaborado pelas áreas técnicas da agência, acolheu apontamentos de consumidores e geradores sobre dois supostos erros metodológicos. O primeiro erro seria a mudança na forma de cálculo do fluxo de pagamentos — inicialmente considerado como antecipado e depois como postecipado, o que teria gerado distorções. O segundo erro diz respeito à atualização conjunta das parcelas controversa e incontroversa da dívida, o que teria levado à capitalização excessiva do valor já em pagamento desde 2017.

As transmissoras, por outro lado, argumentam que não houve erro, mas sim escolhas metodológicas feitas pela própria Aneel, e sustentam que a matéria estaria prescrita administrativamente por já ter sido julgada em instâncias anteriores.

Os dois pontos representariam, segundo estimativas, um impacto de cerca de R$ 11 bilhões nas tarifas de transmissão. A correção desses valores, portanto, reduziria a receita das transmissoras e, consequentemente, os encargos pagos por consumidores e geradores. As principais afetadas seriam Eletrobras e ISA Energia, além da CPFL e EDP, que herdaram a RBSE após aquisição das operações da CEEE Transmissão e Celg Transmissão, respectivamente.

O último desdobramento do caso aconteceu em maio do ano passado, quando os diretores Fernando Mosna e Hélvio Guerra, relatores de dois processos semelhantes sobre o RBSE, proferiram seus votos acatando os argumentos técnicos da NT 85 e defendendo a correção das distorções.

Apesar disso, a decisão foi adiada após pedido de vista da diretora Agnes da Costa, que pautou os dois processos para a próxima reunião ordinária da diretoria.

‘Alinhamento conceitual’ entre as partes

Em 23 de maio, a Aneel recebeu para uma reunião representantes dos transmissores, geradores e grandes consumidores de energia para discutir o tema, quando apresentaram um “alinhamento conceitual” sobre a metodologia de cálculo da RBSE.

A proposta envolve preservar as metodologias adotadas pela Aneel no passado, com segregação dos fluxos financeiros relativos aos saldos controversos e incontroversos, sendo R$ 28,32 bilhões incontroversos e R$ 9,5 bilhões em valores controversos. Os valores serão atualizados pelo fator Ke até a data do efetivo pagamento, mas nos saldos controversos, o Ke vai incidir exclusivamente sobre as parcelas vencidas. O WACC, que era questionado, seria mantido até o exercício de 2022.

Segundo os envolvidos com a proposta, a saída tem amparo nos pareceres jurídicos e técnicos da agência, respeita o estabelecido na Portaria 120/2016, e equilibra os pleitos dos transmissores com os dos consumidores e geradores.

A diretora Agnes da Costa pediu a manifestação da Superintendência de Gestão Tarifária e Regulação Econômica (STR) e da Procuradoria-Geral junto à Aneel sobre a proposta.

No dia 4 de junho, o superintendente de Gestão Tarifária e Regulação Econômica, Leandro Caixeta, enviou memorando à diretora Agnes da Costa afirmando que há viabilidade técnica e jurídica na proposta, e simulando um cenário de reperfilamento dos valores devidos, a fim de evitar volatilidade no impacto na tarifa.

Foram simulados dois cenários. O primeiro envolve um fluxo de pagamento uniforme nos ciclos de julho de 2025 a julho de 2028, em que os valores devidos nos três anos são de R$ 5,5 bilhões, no total. O segundo cenário prevê um fluxo de pagamento em trajetória descendente, saindo de R$ 6,5 bilhões no ciclo 2025/2026, para R$ 6 bilhões em 2026/2027 e R$ 3,8 bilhões em 2027/2028.

Considerando a evolução da Receita Anual Permitida (RAP) nos anos seguintes, a STR concluiu que o segundo cenário contribui para mitigar o impacto da retirada do componente financeiro ao envolver uma receita menor no último ano de pagamento. Além disso, proporciona economia de R$ 260 milhões com pagamento de juros.

A decisão final vai depender da reunião de terça-feira, e o voto da diretora Agnes não foi disponibilizado com antecedência. Para os agentes, o entendimento é o melhor cenário, porque minimiza a possibilidade de nova judicialização, encerra oito anos de discussões na Aneel, reduz o custo de transmissão e garante aos transmissores estabilidade e previsibilidade na receita.

Impacto positivo do RBSE no caixa das transmissoras

As empresas com maior receita relacionada ao RBSE são a Eletrobras, por meio das suas subsidiarias Eletronorte, Eletrosul, Chesf e Furnas, e a ISA Energia.

Segundo o BTG Pactual, a ISA Energia deve ter um ganho de R$ 500 milhões em valor presente líquido com os cálculos da área técnica, equivalente a R$ 0,76 por ação, ou 3,3% do valor de fechamento do dia 4 de junho. Para a Eletrobras, o cálculo aponta um montante R$ 2,2 bilhões superior ao previsto nos modelos do banco, ganho de R$ 0,97 por ação, ou 2,3% do fechamento de 4 de junho.

Segundo relatório assinado pelos analistas Antônio Junqueira e Gisele Gushiken, para a Cemig, o impacto positivo é de R$ 120 milhões. A CPFL, que herdou o RBSE quando comprou a CEEE Transmissão, terá ganho de R$ 100 milhões, enquanto o cenário para a Copel é positivo em R$ 70 milhões.

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