Por Clauber Leite
O consumidor residencial de energia está sendo o principal afetado pela crise gerada pela pandemia de covid-19. Além do luto diante das mais de mil mortes diárias, as famílias brasileiras estão perdendo emprego e renda. No que se refere especificamente à energia, a penalização é dupla: em primeiro lugar, a obrigatoriedade de se trabalhar e estudar em casa aumentou significativamente o montante utilizado e, consequentemente, as contas de luz. Nos próximos anos os consumidores terão de arcar com os juros excessivos cobrados na conta-covid, um empréstimo compulsório sobre o qual não foram adequadamente consultados e em relação ao qual não lhes foram apresentadas alternativas.
Todas essas consequências da crise na sociedade têm de ser levadas em conta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no momento de avaliar os pedidos de revisão tarifária extraordinária (RTE) das distribuidoras devido aos efeitos da pandemia sobre suas condições econômico-financeiras.
Nesse contexto, em primeiro lugar, eventuais desequilíbrios dos contratos de concessão das distribuidoras têm de ser adequadamente comprovados para que não prejudiquem injustamente o consumidor. Na análise das informações, é fundamental que se separem os efeitos específicos da pandemia nas contas das concessionárias e os que se devem a problemas administrativos ou de outras naturezas.
Também precisam ser levadas em conta alterações naturais do mercado que possam prejudicar as condições econômico-financeiras das concessionárias, pelo menos no curto prazo. Nesse sentido, vale destacar que, no primeiro semestre deste ano, ocorreram, em média, 143 migrações por mês ao mercado livre, a maior média mensal desde 2016, conforme dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), cuja evolução é apresentada no Gráfico 1.
No mesmo período, a adoção de sistemas fotovoltaicos por meio de geração distribuída também aumentou significativamente: conforme informações da Aneel, foram mais de 91 mil conexões de novos projetos à rede, como mostra o Gráfico 2.
Em paralelo, a falta de transparência preponderante durante as negociações da conta-covid não pode voltar a acontecer: todas as informações sobre o assunto devem ser apresentadas com clareza e discutidas com a sociedade, de modo que o consumidor saiba exatamente por o que está pagando se houver qualquer impacto nas tarifas.
Por fim, as decisões relativas à concessão de RTEs têm de considerar a modicidade tarifária, que ganha ainda mais relevância neste momento de grave crise socioeconômica. Evidentemente que não se devem ignorar eventuais impactos, no segmento de distribuição, do isolamento social imposto para reduzir a propagação do vírus. Mas, não se pode perder de vista que essas empresas já tiveram parte significativa dos danos causados pela pandemia corrigidos pela conta-covid. Além disso, enquanto o segmento via de regra segue registrando lucros elevados, os consumidores se encontram em direção contrária, com a perspectiva de que 3,8 milhões de famílias retrocedam na pirâmide social e passem a integrar as classes sociais D/E neste ano, segundo estudo da Tendências Consultoria Integrada. Com isso, a base da pirâmide social passará a abarcar 56% dos domicílios, a maior proporção desde 2009 (60%).
Os processos de RTE têm de considerar todos esses aspectos, respeitando a modicidade tarifária e evitando uma penalização ainda maior sobre os consumidores de energia. Sem esquecer que são eles, os consumidores, justamente as principais razões de ser do setor elétrico.
Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
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