Opinião da Comunidade

Marcela Assis e Thiago Riccio escrevem: O que se vê e o que não se vê da Conta-Covid

Marcela Assis e Thiago Riccio escrevem: O que se vê e o que não se vê da Conta-Covid

Por Marcela Assis e Thiago Riccio

Frédéric Bastiat, economista e jornalista francês do século XIX, defende que “(…) um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos.”. Dentre esses, só o primeiro é imediato e se manifesta simultaneamente com a sua causa. É o que se vê. Outros, aparecem apenas depois, e, dificilmente, conseguirmos prevê-los: é o que não se vê.

Na tentativa de socorrer o caixa das distribuidoras diante da redução de receitas em virtude dos impactos da pandemia da Covid-19, o poder público criou a Conta-Covid. Regulamentada pela REN nº 885/20, a Conta-Covid surge para cobrir déficits e antecipar receitas a concessionárias e permissionárias dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica.

As operações financeiras vinculadas à Conta-Covid são complexas e demandam cuidadosa leitura das normas aplicáveis: contratadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), as operações de crédito que alimentarão a conta serão realizadas com um pool de bancos públicos e privados liderados pelo BNDES. A amortização desses empréstimos será feita com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), suportados por meio de encargo tarifário específico a ser criado, o qual poderá compor a TUSD ou a TE.

Diante da dinâmica proposta, o que se vê da Conta-Covid é o alívio financeiro imediato para as distribuidoras. Esse alívio se manifesta pela injeção de recursos nos caixas desses agentes em um momento de redução de receitas, permitindo que eles possam honrar com suas obrigações, sobretudo com os pagamentos a geradores e comercializadores no âmbito de CCEAR.

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Contudo, o que não se vê da Conta-Covid são os impactos gerados para os consumidores cativos. Isso porque, todos os custos administrativos, financeiros e tributários incorridos nas operações de crédito realizadas pela CCEE serão suportados exclusivamente por eles. Essa obrigação persistirá mesmo nos casos em que o consumidor cativo tenha optado por migrar para o ACL após 8/04/2020 ou venha fazer essa opção.

Um argumento usado pelos defensores da sistemática de crédito criada é o de que a Conta-Covid protela o pagamento dos custos da pandemia pelo consumidor, de tal modo que deveria ser tratada como uma vantagem (e não um ônus). Contudo, esse argumento nos parece ser parcialmente equivocado, afinal, parte-se da falsa premissa que, em virtude da pandemia, no âmbito de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro de seus contratos junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as distribuidoras necessariamente fariam jus a reajustes tarifários extraordinários. Tais reajustes pesariam de forma imediata no bolso dos consumidores e, portanto, seriam desvantajosos em relação à sistemática de pagamentos diferidos prevista pela Conta-Covid.

Seja fundado nas regras do Proret, seja fundado nas cláusulas dos contratos de concessão e permissão, nota-se que o reajuste tarifário extraordinário depende de alteração significativa nos custos das distribuidoras. Daí ser possível concluir que, no segmento de distribuição, o risco de aumento de custos foi alocado ao poder concedente, ao passo que o risco de diminuição de receita foi alocado às distribuidoras.

Como os efeitos da pandemia atingiram predominantemente a receita das distribuidoras (em razão da redução do faturamento – por queda no consumo – e redução da arrecadação – por aumento da inadimplência das faturas de energia), é possível sustentar que o reajuste tarifário extraordinário nunca foi uma solução para o problema.

Diante de todo esse cenário, duas conclusões são possíveis. Primeiro que, a despeito de os impactos negativos da pandemia atingirem todos os agentes do setor elétrico, apenas os consumidores (em especial, cativos) custearão a solução trazida para enfrentá-los. Segundo que, se olharmos atentamente, a Conta-Covid pode ser vista como uma alternativa ao debate – custoso, porém necessário – acerca dos fundamentos para se promover reajustes tarifários extraordinários no âmbito de pleitos de reequilíbrio econômico financeiros das distribuidoras.

Logo, muito embora a ideia de criação da Conta-Covid com o objetivo de manter o equilíbrio e a segurança no setor elétrico seja louvável e seus efeitos imediatos sejam necessários (o que se vê), é certo que poderia ter sido construída uma solução mais equilibrada entre todos os agentes (o que não se vê).

Thiago Riccio é sócio da equipe de Direito Público e Imobiliário do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, mestre em Direito Administrativo pela UFMG e especialista em Direito da Energia pelo IBDE.

Marcela Assis é advogada da equipe de Direito Público e Imobiliário do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, pós-graduanda em Direito da Energia pelo CEDIN.

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.

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