Por Carlos Faria
Até o fim deste ano, serão liberados até R$ 16,1 bilhões do socorro ao setor elétrico. A chamada Conta-Covid vai recompor as perdas causadas pela pandemia desde o seu início. O cálculo inclui a redução no consumo de energia e a inadimplência no pagamento das contas de luz, tanto o que já foi registrado como o projetado até o fim de 2020, assim como as perdas com a postergação dos reajustes de abril a junho. Porém, o que não está nessa conta são os efeitos da pandemia que devem se prolongar pelos próximos anos, que provocarão novos desequilíbrios no caixa das distribuidoras. E, com eles, a conta para socorrer o setor pode superar R$ 70 bilhões.
A flexibilização – e até mesmo o fim das medidas de isolamento social – não significa a retomada imediata da atividade econômica aos níveis pré-pandemia, nem o fim dos efeitos para a maioria dos setores. A previsão é que o consumo de energia, termômetro da economia, não tenha o crescimento que havia sido estimado para os próximos anos. Em virtude dos efeitos econômicos da pandemia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já revisou para baixo as projeções de carga (soma do consumo de energia mais perdas) para o corrente ano e para os próximos até 2024. No ano que vem, por exemplo, a estimativa de janeiro de 73,5 GW baixou para 68,6 GW, na revisão extraordinária feita em junho.
Os contratos de compra de energia de longo prazo foram formalizados considerando as previsões de carga anteriores à covid-19. Portanto, nos próximos anos, as distribuidoras continuarão registrando sobrecontratação. E, para vender o excedente no mercado, certamente terão de fazê-lo por um preço menor do que o de aquisição, incorrendo em perdas econômicas. Além do prejuízo relativo à energia em si, as concessionárias também irão arcar com déficits relativos à parcela do “fio”, ou seja, os custos referentes à transmissão e à distribuição da energia contratada.
Como se não bastasse a perspectiva de sucessivos aumentos nas tarifas de energia elétrica para a quitação do empréstimo aprovado, os consumidores também correm o risco de serem mais penalizados pela cobertura dos custos decorrentes da inadimplência, da redução de consumo e da sobrecontratação que continuarão a gerar desequilíbrios nas contas das distribuidoras. Ou seja, além do pagamento do empréstimo aprovado, há riscos consideráveis de os consumidores virem a pagar também pelo reequilíbrio econômico do setor nos próximos anos
Nesse cenário, por certo, teremos novos desequilíbrios nas contas e consequente necessidade de renovação do socorro ao setor já em 2021. Os reflexos também serão sentidos nos anos seguintes. A exemplo do que vivenciamos em crises anteriores e na atual, será preciso discutir o reequilíbrio financeiro, que poderá vir por meio de um novo empréstimo. Caso outras medidas não sejam adotadas, os custos dessas operações financeiras poderão ser repassados para o consumidor e cobrados nas suas contas de luz em razão de sua participação no mercado cativo de energia.
Esses são pontos que evidenciam a necessidade de transparência dos dados e cálculos relacionados à operação financeira de socorro ao setor elétrico. É inadmissível que os consumidores estejam totalmente no escuro quanto à conta que terão de pagar no decorrer dos próximos anos.
Diante de uma crise que é estrutural, o mais razoável seria discutir abertamente a revisão dos contratos de compra de energia das distribuidoras junto às geradoras e os de contratação do serviço das transmissoras. A repactuação dos contratos e suas condições permitiriam chegar a uma solução mais justa em que todos os agentes do setor, incluindo os consumidores, arcariam com parte do prejuízo.
Mas não basta superar de forma mais equânime os efeitos da pandemia da covid-19, é necessário e urgente determinar o que são crises conjunturais e o que são problemas estruturais do setor elétrico brasileiro para buscar soluções adequadas e definitivas para cada um deles. Do contrário, permaneceremos nesse círculo vicioso, cujos prejuízos recaem sempre sobre os ombros do consumidor.
Carlos Faria é diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).
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