Por: André Pinto*
O Brasil é um gigante do refino. O país é o oitavo maior parque do mundo, com capacidade produtiva de 3 milhões de barris de petróleo diariamente e de refino de 2,3 milhões. Com a transição energética e os desinvestimentos da Petrobras em vista, grandes mudanças apontam no horizonte – a petrolífera detém 13 refinarias e deve se desfazer de oito delas nos próximos anos, ou aproximadamente metade da capacidade de refino no Brasil. E esta liberalização do mercado nacional acontece num momento de transição energética em que a produção de combustíveis fósseis vai perdendo espaço para outras fontes.
Nesse contexto, o setor de downstream, que inclui novos refinadores e distribuidores dos produtos à base de petróleo, deve ser um dos mais impactados e desafiados. Os players da área precisarão se adaptar para aproveitar ao máximo o que deve ser a última etapa desse mercado para conseguir uma transição suave e previsível. Pensando nisso, três pilares devem ser repensados:
Preço definido pelo mercado
O Brasil é um dos países que mais concentra ativos de downstream na mão de uma única empresa. Mesmo com o desinvestimento parcial do refino, o mercado ainda terá um alto grau de concentração. Mas a bem-vinda diversidade do suprimento, seja de refino, seja de importadores, irá favorecer a formação de preços com base em mecanismos de mercado. Neste sentido, eventuais intervenções podem interferir na atuação da iniciativa privada, impedindo o desenvolvimento do mercado e novos investimentos tanto em refino como na logística associada.
Neste processo de abertura é fundamental que a livre iniciativa seja preservada e estimulada, pois é ela que deverá definir preços de mercado – que certamente estarão alinhados ao cenário internacional e com paridade para as importações – enquanto o Brasil for curto em derivados. Claro, os reguladores podem (e devem) atuar em casos de abuso de preços, prática nociva para a competitividade e que incentiva o mercado irregular, mas acredito que o nível de competição entre refinadores e importadores garantirá naturalmente a prática competitiva de preço no Brasil.
Modernização do marco regulatório e tributário
Nos países onde o preço é livre, há outra regra típica: a maior parcela do imposto aplicado é única, tornando-o um amortecedor das variações de valores de mercado internacional. É um modelo que tem funcionado no mundo ocidental, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, e bem diferente da complexa tributação brasileira, que varia alíquotas de estado para estado muitas vezes de forma concorrente ou redundante. Pouco transparente e complexo, o modelo nacional dificulta tanto o pagamento do contribuinte quanto a fiscalização do governo, incentivando o mercado clandestino.
Já a regulação do setor, em geral, ainda não foi testada plenamente em um ambiente de livre competição, uma vez que a Petrobras ainda concentra os ativos de refino – mas já registra uma contestação incipiente como no caso da importação de diesel no passado recente. Com os desinvestimentos da empresa e movimentos de privatização nos próximos anos, a tendência é que a iniciativa privada passe a integrar uma parte maior do setor e, a partir da competição entre os novos agentes de mercado, estenda o uso de mecanismos de mercado adequados para sistematicamente contribuir para o aperfeiçoamento do marco regulatório nesta indústria, promovendo a disponibilidade de produto e amortecendo a tradicional alta volatilidade dos preços do petróleo e combustíveis.
Diversificação da cadeia logística
Por último, o Brasil, país de dimensões continentais e de grande população e demanda, tem muitos gargalos logísticos que impactam o downstream. Sabendo que 90% dos derivados de petróleo são transportados nas rodovias, dentro de caminhões, o país precisa diversificar os modais, apostando em ferrovias, dutos e hidrovias como alternativas para reduzir o custo do frete, riscos de contaminação e até mesmo de acidentes.
Em um futuro próximo, as refinadoras precisarão de novas alternativas para continuar no mercado que dependerá menos de combustíveis fósseis com o aumento da relevância dos biocombustíveis e da mobilidade elétrica. Fora do Brasil, empresas de energia fóssil já reduzem sua exposição ao refino, pois sabem que é um setor com prazo de validade e que há risco em manter a posição indeterminadamente. Um levantamento do Boston Consulting Group com investidores do setor aponta para esse caminho: apenas um em cada quatro dizem que vão investir mais em empresas de óleo e gás até o final da década e só um em cada três acha esse setor mais atrativo para investir do que o de renováveis.
As três recomendações apresentadas neste artigo são pontos importantes para a evolução do mercado de óleo e gás, seja na transição de agora ou já operando com uma nova matriz energética. O que não se pode perder de vista é o planejamento e o incentivo à modernização do setor, que devem garantir os benefícios e estruturar um novo caminho para a energia no Brasil, mais livre e competitiva do que nunca.
*André Pinto é diretor e sócio do Boston Consulting Group, líder da prática de Energia no Brasil
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