Por: André Pepitone da Nóbrega*
A criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há 25 anos, foi um divisor de águas na história do setor elétrico brasileiro. Nascia, naquela época, mais precisamente em 1997, a primeira das agências reguladoras de serviços públicos nacionais, destinada não apenas a regulamentar, mas também fiscalizar, mediar conflitos, outorgar concessões, definir tarifas e criar procedimentos que contemplassem o consumidor em setores fundamentais da economia brasileira.
A regulação passou, desde então, a ser atividade essencial em áreas estratégicas do setor público brasileiro, impulsionando o desenvolvimento econômico e social, por intermédio de entidades estatais dotadas de autonomia técnica e administrativa, conhecidas como autarquias em regime especial. Seu objetivo: a busca da eficiência, do dinamismo, da responsabilidade social nessas áreas vitais da economia.
Ao longo desses 25 anos, a Aneel cumpre exemplarmente sua missão, em perfeita interação com as instituições da governança setorial, com os agentes, consumidores e a sociedade em geral. Por meio de proposições equilibradas, sem o receio de enfrentar, de forma propositiva e sempre fundada na melhor técnica, os mais diversos temas que se impõem na rotina de uma agência reguladora, ela gerou valor para a sociedade brasileira.
Nesse ambiente inspirador, tive a honra de exercer, como servidor concursado, dois mandatos de diretor e um de diretor-geral da agência, nesse último com a responsabilidade de liderar uma equipe de alta qualificação técnica e compromisso com o Brasil. Foi um momento desafiador da história do Setor Elétrico, marcado pelo acidente de Brumadinho, quando a segurança de barragens exigiu esforços adicionais; pela pandemia; pelo apagão que se abateu sobre o Amapá; e pela maior escassez hídrica de que se tem notícia na história.
Diante desses e dos desafios socioeconômicos dos últimos tempos, a ANEEL erigiu uma agenda auspiciosa, a de desoneração tarifária, com o propósito de conferir maior racionalidade aos custos de geração, subsídios e tributos, sem declinar das pautas estruturantes relacionadas à modernização do setor e à abertura do mercado.
Nessa atuação, a Aneel demonstrou sua capacidade de diálogo com os mais diversos atores e consumidores, procurando, na divergência, encontrar os pontos que unem todos os atores envolvidos, sempre respeitando o princípio democrático de construir entendimentos.
O primeiro e marcante ato da agenda de desoneração tarifária foi o Decreto no 9.642, de dezembro de 2018, que estabeleceu a completa retirada, da conta de energia, dos subsídios para o serviço público de água, esgoto e saneamento, bem como para o segmento rural, em um prazo de cinco anos. Com a medida, serão retirados da conta de luz dos brasileiros 4,2 bilhões de reais, até o final de 2023. O resultado: redução de 0,5% na tarifa desde 2019.
Outra importante contribuição para a redução do peso da conta de energia foi o acordo estabelecido com um pool de bancos públicos e privados, para a quitação antecipada de um empréstimo contraído em 2014, conhecido como Conta ACR. Em 2019, a partir de uma proposta desenhada pela Aneel, essa dívida foi liquidada, permitindo a retirada de R$ 8,4 bilhões de reais da conta de luz, o que representou uma redução na tarifa, em 2019, de 3,7%, e, em 2020, de 1,2%.
Além da antecipação da Conta ACR e da retirada dos subsídios do consumidor rural, houve a edição de Medida Provisória para enfrentar desafios impostos pela pandemia. A MP 998/2020, conhecida no setor elétrico como a MP do Consumidor, foi convertida, em 2021, na Lei no 14.120, que reduziu o subsídio às fontes incentivadas existentes na conta de luz. Os subsídios, que cumpriram papel importante no desenvolvimento desse tipo de fonte, representavam, em 2021, um custo de R$ 4 bilhões, a serem rateados com os consumidores, com viés de crescimento de 33% ao ano.
No final de 2018, com o apoio destacado das equipes da Aneel, deu-se passo importante para a expansão no mercado livre, com a edição da Portaria no 514, do Ministério de Minas e Energia, em 27 de dezembro de 2018. A portaria estabeleceu nova trajetória na redução dos limites de carga e a abertura do mercado, primeiro passo para a modernização. Em breve, o mercado estará totalmente aberto, para que o consumidor tenha a liberdade de contratar a sua energia com qualquer fornecedor. A liberdade de escolha pelo comprador pode levar a preços menores, sem a necessidade de criação de subsídios, além de outros benefícios tangíveis e intangíveis próprios de um mercado varejista. É esse o empoderamento que desejamos para o consumidor brasileiro.
Já em 2019, foi editada a Portaria no 46, do Ministério de Minas e Energia, que estabeleceu novos critérios de abertura do mercado, partindo de 2021, chegando em 2023. E previu a abertura do mercado aos consumidores de todas as tensões a partir de 2024. Como passo seguinte, foram incluídas disposições na Lei no 10.848, de 2004, para disciplinar o desligamento de integrantes da CCEE e a comercialização varejista.
Houve, também em 2020, a Implantação do PLD Horário. Uma discussão que se estendia por mais de dez anos no setor tornou-se realidade. Com o PLD horário, a operação do sistema ganhou eficiência e uma precificação correta. A mudança do PLD promoveu maior racionalidade e eficiência na alocação dos custos da produção e do consumo de energia elétrica. O PLD em base horária também abre caminho para o surgimento de novos aprimoramentos, produtos, serviços e modelos de negócios, como a inserção de sistemas de armazenamentos e demais serviços ancilares.
Outro desafio superado foi a regulamentação do risco hidrológico, o famigerado GSF, após um impasse de mais de seis anos, destravando R$ 10 bilhões no mercado de curto prazo. Essa ação exigiu um amplo diálogo da Aneel com os agentes do mercado, com o Ministério de Minas e Energia e com o Congresso Nacional. Resgatou-se a credibilidade do setor elétrico, permitindo a retomada da liquidez na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.
Importante conquista para o setor foi a aprovação do marco legal da geração distribuída, pela Lei no 14.300, em 2022, fruto também de amplo diálogo com consumidores e demais atores envolvidos, trazendo transparência aos custos e segurança jurídica para o desenvolvimento sustentável da energia solar, em nosso Brasil, contribuindo ainda mais para a sua democratização.
Data memorável para o Brasil e para a regulação foi o dia 27 de outubro de 2021, uma quarta-feira. Nessa data, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, a Aneel recebeu o reconhecimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de que está a um passo de se tornar um regulador de referência mundial. O reconhecimento da OCDE, com a análise de reguladores da Alemanha, do Canadá e da Suécia, foi marcante para o time da Aneel.
Em seu relatório, a OCDE destacou a transparência dos processos e a sólida base técnica do time da agência, que conferem segurança ao ambiente de negócios do Brasil. Foram dois anos de trabalho, com 52 entrevistas realizadas com dirigentes do setor público e privado, servidores e experts em energia.
Importante reconhecimento de órgão de tamanha expressão internacional, que aliado a um processo de tomada de decisão colegiado, com autonomia técnica e administrativa, harmonizado com a estratégia do formulador de política pública, garante a atração de investimento privado para promover a expansão do Setor.
No aniversário de 25 anos da Aneel, é preciso dizer, com toda ênfase, que essas importantes conquistas se devem à capacidade técnica, ao compromisso público e à dedicação do time da Aneel. Juntas, as diretorias, as áreas técnicas, a Procuradoria, construíram um ambiente institucional sólido e saudável.
Por fim, é importante rememorar a edição da lei no 13.848/2019, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras. Essa iniciativa visa a ordenar as melhores práticas destinadas a elevar a Regulação Federal ao estado da arte e de extrair benefícios máximos para a sociedade brasileira.
Paradigma reconhecido de excelência no serviço público no país, a Aneel precisa, 25 anos após a sua criação, perseverar em sua trajetória obstinada pelo estado da arte e, com seu exemplo, auxiliar na evolução necessária de seus afazeres relativos à regulação das atividades econômicas, acompanhando o desenvolvimento próprio das relações sociais e econômicas e o aprimoramento da legislação federal e das respectivas políticas públicas.
Como servidor de carreira da Aneel e seu ex-diretor, atualmente no exercício da Diretoria Financeira da Itaipu Binacional, só posso desejar um futuro venturoso para a primeira agência reguladora da atividade econômica nacional, valioso patrimônio do povo brasileiro. Aos seus dirigentes, servidores e colaboradores, os meus mais calorosos cumprimentos nesta data.
*André Pepitone da Nóbrega é diretor Financeiro da Itaipu Binacional e ex-diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
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