O Tribunal de Contas da União (TCU) deve deliberar até o fim de outubro sobre um acordo que vai permitir que a Âmbar Energia, do grupo J&F, disponibilize a termelétrica Mário Covas, de 480 MW de potência, para cumprir o contrato do Procedimento Competitivo Simplificado (PCS).
A MegaWhat apurou que, no acordo, a usina passará a ter um contrato de flexibilidade, recebendo uma receita fixa pela sua disponibilidade, mas só vai gerar quando necessário. O contrato será ainda alongado dos 44 meses previstos no PCS para sete anos, mantendo a mesma receita total a ser recebida pela companhia, o que vai diluir o custo pago pelos consumidores a cada mês.
Originalmente, as usinas contratadas no PCS tinham inflexibilidade operativa de 100%, ou seja, gerariam energia mesmo sem a necessidade de despacho. A remuneração dessas usinas é feita por meio do encargo de energia de reserva (ERR), pago por quase todos os consumidores.
Outra condição colocada no acordo é que a Âmbar pagará a totalidade das multas devidas à Aneel pelos atrasos na entrada em operação das termelétricas, um valor superior a R$ 1 bilhão, segundo uma fonte ouvida pela MegaWhat, que afirma que será a maior multas já cobrada pelo regulador desde sua criação.
Em contrapartida, a Âmbar terá direito a receber a receita fixa pela disponibilidade da termelétrica Mario Covas, conhecida no mercado como Cuiabá. A receita mensal será da ordem de R$ 120 milhões ao longo de sete anos, chegando a um total de R$ 10 bilhões no período. Embora o valor seja expressivo, é inferior aos R$ 17 bilhões em receita a que as usinas teriam direito no cumprimento das condições originais do PCS, montante que previa também a compra do gás para geração inflexível das usinas.
Processo administrativo
Diferentemente de outros vencedores do PCS que também tiveram problemas e atrasos, a Âmbar ainda não recebe receita pelos contratos do certame. A Aneel chegou a iniciar o processo de suspensão dos contratos, mas a Âmbar entrou com um recurso administrativo, e o último movimento foi um pedido de vista do diretor Ricardo Tili. A pauta da reunião da diretoria da Aneel da próxima terça-feira, 17 de outubro, prevê a prorrogação do prazo do pedido de vista de Tili, já que o desfecho agora depende da aprovação pelo plenário do TCU do acordo com a União.
A Aneel, inclusive, já deu o aval às mudanças nos contratos de acordo com a solução consensual com o TCU. A discussão, contudo, não se deu na reunião pública de diretoria, e sim em reunião administrativa da agência reguladora, para o qual não são divulgadas pautas nem atas. Segundo fontes, o processo na Aneel se encontra confidencial por determinação do TCU, que entende ser adequado tratar a negociação nos bastidores para evitar desgastes e pressões sobre os ministros da corte.
Âmbar, o PCS e a Aneel
A Âmbar se envolveu com o PCS ao comprar quatro usinas originalmente contratadas pela Evolution Power Partners (EPP) no certame, realizado em outubro de 2021, e que somavam 344 MW. Na sequência, a companhia foi autorizada pela Aneel a substituir as quatro novas usinas no contrato pela termelétrica Cuiabá, de 480 MW, em operação desde 2001. A condição para isso era de que, mesmo com o atendimento do PCS pela usina existente, as quatro usinas fossem construídas até o início de agosto de 2022, prazo limite dado pelo edital do PCS.
A companhia não conseguiu o aval da Aneel para iniciar a operação das usinas, e desde o fim do ano passado vinha falando com o Ministério de Minas e Energia (MME) para um possível acordo.
O prazo original de suprimento contratado pelo leilão era de 1º de maio de 2022 a 31 de dezembro de 2025. A EPP venceu com quatro usinas (EPP II, EPP IV, Rio de Janeiro I e Edlux X), todas a gás natural e localizadas no Rio de Janeiro, somando 343,8 MW de potência e com preço de referência de R$ 1.619/MWh.
Em maio de 2022, quando, pelo edital, as usinas já deveriam estar em operação, a Âmbar Energia adquiriu os projetos da EPP e na sequência, a Aneel acatou uma cautelar da companhia para que as obrigações assumidas pelas termelétricas fossem cumpridas pela usina de Mário Covas, o que gerou insatisfação no setor, já que o edital previa que apenas usinas novas poderiam participar do PCS. A então diretora-geral da Aneel, Camila Bomfim, derrubou a cautelar no início de junho, o que retornaria com as multas devidas pela Âmbar, na época estimadas em mais de R$ 200 milhões mensais.
Em 12 de junho, os diretores da Aneel aprovaram a substituição dos contratos das quatro usinas vencedoras do PCS pela termelétrica existente, com a condição de que a Âmbar mesmo assim cumprisse o edital e construísse as novas usinas, garantindo a finalidade principal do certame, que era a expansão da oferta de energia ao sistema. Essas usinas deveriam ficar prontas até 1º de agosto, data colocada pelo edital como limite para entrada em operação dos projetos.
Em agosto, as áreas técnicas da Aneel negaram os pedidos de liberação da operação em teste dessas usinas, alegando que, depois de fiscalização presencial, foi constatada a não finalização das obras de implantação.
A empresa, porém, alegou que as usinas estavam prontas mas as equipes ainda trabalhavam em trocas de alguns equipamentos. O pedido de excludente de responsabilidade foi negado pelo regulador, mas a empresa recorreu, e ainda não houve desfecho.
A negociação amigável
Das 17 usinas vencedoras do PCS, apenas uma entrou em operação dentro do prazo. Um ano depois da realização do leilão, as condições de operação do sistema eram diferentes, uma vez que a hidrologia favorável levou o PLD ao piso e o debate sobre a insustentabilidade dos contratos do leilão ganharam força no setor.
Em outubro de 2022, o MME lançou uma consulta pública para discutir a rescisão amigável dos contratos do PCS, alegando a intenção de evitar o pagamento de R$ 39 bilhões em encargos. Quando a consulta terminou, a derrota de Jair Bolsonaro e a mudança do governo já eram realidade, e a pasta suspendeu as negociações com os geradores, para evitar que acordos tivessem a legitimidade questionada no futuro.
Apenas em abril de 2023 as conversas voltaram a ganhar força, quando o TCU iniciou oficialmente a solução consensual com os vencedores do certame emergencial de 2021, com foco em cinco contratos. Já foi aprovado um acordo com a turca Karpowership do Brasil (KPS), que judicializou o tema, e outro referente às usinas Linhares, Termelétrica Viana e Povoação Energia, todas do BTG Pactual.
Apenas em 2023, até agosto, as usinas vencedoras do PCS receberam R$ 3,7 bilhões em encargos de reserva, num montante superior a R$ 400 milhões mensais, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
A MegaWhat procurou o Ministério de Minas e Energia (MME) sobre o acordo com a Âmbar, e a pasta respondeu que as avaliações estão sendo realizadas pelas áreas técnicas e jurídicas da pasta, do TCU e da Aneel. “O objetivo desses esforços é encontrar uma solução que garanta o melhor custo-benefício para o consumidor brasileiro, diante da situação herdada da antiga gestão”, disse a pasta. A Âmbar informou que não iria se posicionar.