Nuclear

Angra 3 pode ter obras atrasadas por problemas contratuais, diz TCU

Para Corte, há um considerável “descasamento” nos prazos, sendo passível de atrasos

Angra 3 - Divulgação: Eletronuclear
Construção de Angra 3 - Crédito Eletronuclear (Divulgação)

O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou problemas contratuais que colocam em risco o cronograma de entrega das obras da usina nuclear de Angra 3. A análise, realizada pela Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear (AudElétrica) da corte, ocorreu no contexto do Fiscobras de 2024, plano de fiscalização anual que verifica a execução de obras públicas financiadas com recursos da União.

Durante a fiscalização, a equipe de auditoria avaliou duas questões principais: contrato para fornecimento de nove trocadores de calor, firmado com a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), no valor de R$ 155,3 milhões, e o edital de licitação internacional para finalização das obras.

Em nota, a Eletronuclear esclarece que tem atuado de forma proativa e colaborativa com o TCU para garantir que as medidas, termos e contratos relacionados à finalização do projeto de Angra 3 sejam ajustados de maneira prévia e eficiente.

Além disso, destaca que embora o TCU tenha identificado que o atraso atual não afeta diretamente o cronograma das atividades necessárias para que a usina entre em operação, tem concentrado esforços para mitigar qualquer risco de futuros atrasos.

Andamento da construção de Angra 3

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Segundo a AudElétrica, ao analisar a documentação enviada pela Eletronuclear, o principal problema identificado foi de atraso no cronograma previsto no contrato firmado com a Nuclep, em 26 de setembro de 2022. No momento, a execução física do contrato está em 18,9% e a financeira em 24,6%. Até junho deste ano, foram pagos à empresa R$ 38,2 milhões.

A Eletronuclear enviou ao tribunal os comprovantes de execução financeira, demonstrando que foram efetuados os pagamentos referentes às quatro primeiras etapas do cronograma contratual, que deveriam ser executadas em até 180 dias a contar da assinatura do contrato.

Contudo, o último pagamento realizado foi em dezembro de 2023, mas o marco contratual indicava março de 2023, ou seja, há uma defasagem temporal de aproximadamente nove meses, segundo a auditoria.

“Considerando que a vigência prevê atividades em até 810 dias (27 meses) a partir da vigência do contrato, o atraso de nove meses representa mais de 30% de todo prazo estabelecido inicialmente. Além disso, foi observado que a Nuclep, conforme relatório de progresso mensal de maio de 2024, informa que já há um novo prazo em repactuação com a contratante estendendo o prazo inicial, dezembro de 2024, por 11 meses, até novembro de 2025”, indicou a AudElétrica.

Conforme informações do processo, a Nuclep disse que “o cronograma do projeto foi replanejado e apresentado em reunião na Eletronuclear no dia 31 de janeiro de 2024 para fim de aditamento contratual”. A companhia informou ainda que emitirá uma carta com as justificativas para o início do processo de aditamento.

Em resposta à corte, a Eletronuclear afirmou que, durante o desenvolvimento do projeto dos equipamentos, houve discussões técnicas relacionadas à matéria-prima do projeto (chapas, forjados e tubos), que demandou mais tempo do que o previsto. Além disso, a responsável por Angra 3 pontuou que houve uma auditoria externa da Eletronuclear para a qualificação de fornecedores fora do Brasil.

A Eletronuclear afirmou também que aguarda documentação a ser enviada pela Nuclep para realizar o aditamento contratual por alteração no prazo, mas que o “deslocamento do prazo de entrega dos trocadores de calor para 2025, não compromete o cronograma geral do empreendimento de Angra 3”.

Opinião da corte sobre o atraso

Para o TCU, há um considerável “descasamento” nos prazos, sendo passível de atrasos, uma vez que o “processo é complexo” do ponto de vista técnico e materialmente relevante, envolvendo ações e recursos, demandando um acompanhamento criterioso pela Eletronuclear.

 “A unidade técnica identificou que o avanço físico-financeiro do contrato firmado com a Nuclep se encontra bem abaixo do originalmente pactuado, o que já representa atraso de nove meses. Apesar disso, ainda não houve aplicação de penalidade à contratada, tendo sido registrada sua intenção de pleitear a formalização de aditivo contratual para dilação de 11 meses do prazo inicialmente acordado”, diz o ministro Jhonatan de Jesus, em seu voto.

O magistrado pontuou ainda que, embora esse atraso ainda não comprometa a linha crítica das atividades necessárias para a entrada em operação comercial da usina, “existe o risco de novas postergações no cronograma de entregas a cargo da Nuclep acarretarem atraso adicional na conclusão do empreendimento caso o CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] venha a decidir, de maneira fundamentada, por autorizar a outorga da usina e a retomada das obras”.

Diante do cenário, Jhonatan Jesus acolheu, com ajustes, a proposta da unidade técnica de dar ciência do risco de atraso à Eletronuclear, para que ela possa adotar as providências cabíveis com vistas a evitar novos atrasos, que poderão ocasionar prejuízos ao consumidor.

Decisão do CNPE ainda em 2024

Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a decisão de continuação ou não das obras de Angra 3 será submetida ao CNPE ainda em 2024. A próxima reunião do conselho está agendada para 4 de dezembro, mas pode haver convocação para reuniões extraordinárias a qualquer momento.

Segundo o ministro, a decisão do CNPE não será baseada unicamente na tarifa de geração da usina, e deve considerar também os valores que já foram gastos na compra de equipamentos para a planta e “quanto custa deixar de promover a cadeia nuclear” no país.

Análise de edital

Outro ponto avaliado na auditoria foi a minuta do edital de licitação internacional para finalização das obras. Em uma análise recente da corte, a área técnica havia apontado algumas inconformidades no edital.

Na fiscalização atual, a Corte de Contas verificou que os problemas foram resolvidos. A minuta do edital foi alterada para observar as regras da Lei 13.303/2016 e os padrões da Eletronuclear. As flexibilizações irregulares identificadas previamente também foram suprimidas na minuta atual.

Ficou de fora da auditoria

A AudElétrica não analisou os procedimentos relacionados às estimativas de custos de Capex, Opex e de referência do edital EPC (engineering, procurement and construction) de Angra 3, pois ainda se encontram em revisão pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), banco contratado pela Eletronuclear para elaborar estudos de viabilidade econômico-financeira e jurídica do empreendimento.

No entanto, os dados serão analisadas pela AudElétrica, no âmbito do Fiscobras, em auditoria a ser realizada no processo licitatório, ainda sem data prevista para lançamento.

Construção e custo de Angra 3

A usina nuclear de Angra 3, projetada para gerar 1.405 MW de energia, começou a ser construída no início da década de 1980 e enfrentou várias interrupções e retomadas desde então. 

Na última vistoria, realizada em julho de 2024, o custo total do projeto chegou a aproximadamente R$ 29 bilhões. Atualmente, a construção está paralisada, com 67,2% do trabalho concluído, sendo necessários R$ 19,4 bilhões para terminar a obra.