Após cinco anos de obras, a usina térmica Marlim Azul será inaugurada nesta quarta-feira, 22 de novembro, em Macaé, no Rio de Janeiro. O empreendimento é construído pela Arke Energia, joint-venture do Pátria Investimentos (51%), Shell Brasil (29,9%) e Mitsubishi Power (20%), com investimento inicial de US$ 500 milhões e 80% de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A usina entra em operação em um contexto de ondas de calor e picos de energia, com aumento na demanda por energia térmica e ainda marcado pelo apagão de 15 de agosto. Assim, a Arke já considera uma eventual expansão com a construção de Marlim Azul II.
“Em função dos últimos eventos, mesmo num cenário de reservatórios cheios, ainda assim o preço da energia subiu e mostrou que a gente precisa estar com um sistema seguro. E para ter esse sistema seguro, a gente precisa ter também as termoelétricas”, avalia o presidente da Arke Energia e operating partner de Energia do Pátria Investimentos, Bruno Chevalier.
Marlim Azul foi vencedora do leilão A-6 de 2017, realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com Custo Variável Unitário (CVU) de R$ 85/MWh (valor da época do leilão) e preço de referência de R$ 319/MWh. A energia será fornecida a 25 distribuidoras, localizadas em 22 estados brasileiros. Além disso, a Shell Energy poderá comercializar a energia no mercado livre.
Esta é a primeira usina a usar como matéria-prima o gás natural do pré-sal de produção associada ao petróleo – e, portanto, de fornecimento constante. Com necessidade de gerar o máximo possível para utilizar o gás, a Arke estabeleceu inflexibilidade no período úmido e aposta no baixo CVU da usina para despachar durante todo o ano.
“A inflexibilidade está no período chuvoso, senão a usina não seria chamada. Como eu quero despachar o ano inteiro, eu despacho de novembro a abril, no período chuvoso. Não me pedem para despachar, mas eu estou despachando porque eu quero escoar o gás do pré-sal. E no período seco, eu vou ser chamado”, explicou Bruno Chevalier.
Regulação de gasodutos e atraso nas obras
O pioneirismo no uso de gás do pré-sal também representou desafios regulatórios em relação ao recebimento da matéria-prima e fez de Marlim Azul a primeira usina com gasoduto como parte de suas instalações. “Com esse precedente, qualquer outra térmica que construa um gasoduto, agora a Aneel já tem o processo feito. Ela já sabe que o gasoduto, nestes casos, faz parte da térmica elétrica. Então, eu facilitei o caminho para outros”, resume Chevalier.
O ramal para atendimento à UTE não era classificado como gasoduto de transporte, o que afastou a competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural de Biocombustíveis (ANP). Na esfera estadual, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) limitou sua atuação à fixação de tarifas e a concessionária local, Naturgy, alegou inicialmente que não teria interesse em construir o ramal.
Assim, a própria Arke construiu os cerca de 20 km que ligam Marlim Azul à rede do Terminal de Cabiúnas (Tecab), por meio da Spiecapag Intech. Com a promulgação da Nova Lei do Gás, a Naturgy recuperou o direito de preferência sobre a operação do gasoduto, e resolveu exercê-lo. Spiecapag Intech e Naturgy devem passar por um período de transição até que a estrutura seja definitivamente operada pela concessionária fluminense.
Outro desafio foi relacionado à pandemia de covid-19. Inicialmente, a usina deveria começar a operar em 31 de dezembro de 2022. Diante das medidas de distanciamento impostas pela pandemia, a Arke solicitou à Aneel o excludente de responsabilidade de 206 dias de atraso, mas o diretor Fernando Mosna, relator do processo, reconheceu excludente de 152 dias. O processo está com pedido de vista pelo diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa.
“É uma obra complexa, que na verdade não é uma obra, eram sete EPCs. Os equipamentos vieram de 26 países. Gerir essa obra gigante, que são sete obras, no meio da pandemia, foi super complexo”, diz Chevalier. EPCs se referem a “Engineering, Procurement and Construction”, ou “Engenharia, Compras e Construção” – contratos em que fornecedores se encarregam de toda a montagem e contratação de equipamentos para grande sobras ou projetos.
Expansão à espera do leilão de capacidade
Com os 565 MW de Marlim Azul já em operação em teste e no aguardo da sinalização do Operador Nacional do Sistema (ONS) para entrada em operação comercial, a Arke Energia já planeja uma expansão. Marlim Azul II seria ainda maior, com 651 MW.
Para isso, a Arke espera a chamada de leilão de capacidade, com contratos longos. “Sem o leilão, fica impossível viabilizar um financiamento de longo prazo para uma usina dessa. Sem financiamento, a usina não se paga. Para ela ser rentável, tem que botar menos capital e financiar mais”, explicou Chevalier.
Não há certeza sobre quando tal leilão seria realizado. “O governo falou que seria no primeiro trimestre, mas não saiu edital, audiência pública. O governo anterior publicou um calendário de leilões. O atual governo não publicou, então a gente não sabe exatamente quando serão os próximos”, disse o presidente da Arke.
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Embora não haja certeza sobre quando o próximo leilão de capacidade será realizado, a Arke já se prepara para ele. No começo de outubro, foi realizada a audiência pública para obtenção da licença prévia para Marlim II junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA / RIMA) também já foram entregues.
Com o licenciamento, que a Arke espera obter no primeiro trimestre de 2024, o consórcio já poderá participar de leilões de capacidade.
“Mesmo com o crescimento ‘modesto’ da economia, e mesmo com o mercado livre tomando boa parte do mercado, acho que será um leilão relevante. Por conta do apagão, por conta do pico de calor, está todo mundo vendo que é necessário ter termelétricas à disposição. Esse equilíbrio é que o governo busca, eu acho que ele está certo”, avalia Chevalier.
Além do leilão de capacidade, Marlim Azul II teria de vencer outro gargalo: o fornecimento de gás. O ramal construído pela Arke a partir do Tecab já daria conta de abastecer duas usinas, mas seria preciso viabilizar o fornecimento até Cabiúnas, que está a 300 km dos campos de gás natural.
Assim como o ramal de gás, que já foi construído com o dobro da capacidade de Marlim Azul, as atuais condições de transmissão poderiam ser facilmente duplicadas e há espaço disponível para a implantação de outra usina ao lado de Marlim Azul.
Sendo um novo projeto, porém, as sócias e as eventuais participações podem ou não se repetir em Marlim Azul II.
Pátria avalia saída da usina
Bruno Chevalier explicou que o Pátria Investimentos, sócio majoritário da Arke, estuda a sua saída do projeto. “O Pátria é investidor e tem uma série de fundos. O fundo investido nessa térmica tem prazo, então a gente realmente precisará dar saída”, disse. Assim, a saída já era planejada, embora não tenha um prazo determinado.
Segundo Chevalier, o Pátria estudará “um bom momento de saída”, de baixo risco, que pode ser quando a usina estiver em operação ou quando a eventual expansão estiver em estágio mais avançado.
A oferta, então, ainda não foi feita ao mercado. “Normalmente a gente faz um processo competitivo, faz um road show, contrata um banco. A gente tem interesse em deixar ninguém de fora”, disse o presidente da Arke. Mesmo assim, segundo ele, já houve sondagens de possíveis interessados.
Também é possível que o ativo seja repassado a um outro fundo dentro do próprio Pátria Investimentos.
Na visão de Chevalier, a saída do sócio majoritário pode levar a uma mudança completa na titularidade da Marlim Azul, já que a compra da parte do Pátria já representaria a compra do controle da usina.
*A repórter visitou a UTE Marlim Azul a convite da Arke Energia