Eólica

Com alta de custos, fabricantes de aerogeradores enfrentam pressão nas margens e demanda recorde

Com alta de custos, fabricantes de aerogeradores enfrentam pressão nas margens e demanda recorde

(Com Jade Stoppa Pires)

A demanda por fontes renováveis nunca esteve tão em alta no Brasil. Entre janeiro e julho deste ano, foram solicitados requerimentos de outorga (DRO) para mais de 130 mil MW em novos projetos de geração, sendo a grande maioria das fontes eólica e solar. Enquanto os agentes correm pra viabilizar os empreendimentos e garantir o desconto no uso da rede, contudo, a recuperação da economia mundial, combinada com a alta do dólar, levou a uma alta expressiva dos custos dos equipamentos para geração eólica. Como os aerogeradores fabricados agora foram encomendados entre 2018 e 2019, um improvável cenário para os fabricantes acabou se concretizando: fábricas 100% ocupadas nos próximos anos, mas com margens reduzidas ou até mesmo negativas.

“Vemos uma retomada do crescimento econômico principalmente na China, que é um mercado determinante de preços de commodities, o que já sinaliza a retomada no resto do mundo e gera pressão nos custos”, disse Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Outro componente que ajuda a aumentar os preços é a própria lei da oferta e demanda, uma vez que há aumento pelo consumo de aço, insumo relevante para infraestrutura, inclusive a geração de energia.

Os fabricantes não informam quanto os custos aumentaram, mas dão dicas. “O aço simplesmente subiu 140%, e ele é mais que 20% do custo de uma turbina”, apontou Felipe Ferrés, CEO da Siemens Gamesa Brasil.

“Eu queria menos complexidade nesse momento. Essa escalada dos custos provoca uma imprevisibilidade no modelo de negócio, tanto do fabricante do ativo – nós – quanto no modelo de negócio de nossos clientes. Existe dificuldade em se fixar e travar o capex eólico e o preço de energia”, disse Eric Rodrigues Gomes, gerente comercial da Vestas.

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Não se sabe também, no momento, até onde vão os aumentos de custo. A pressão vem de todos os lados: fretes mais caros, afetados pela pandemia e pelo custo do petróleo, aumento nos custos dos serviços, obras civis mais caras, com custos maiores também nos insumos, como cimento, ferro e aço. O câmbio não só ajuda a aumentar os preços das commodities, que são dolarizadas, mas também encarece os elementos importados dos aerogeradores, que representam de 30% a 40% do total.

Os preços dos contratos foram firmados alguns anos atrás, fazendo com que o aumento dos custos tenha que ser absorvido pelas fabricantes. “Nós assumimos os impactos do nosso lado sem onerar os clientes e levando o compromisso até o final”, disse Ferrés. A situação foi tal que a Siemens Gamesa revisou para baixo sua projeção para faturamento global neste ano. A margem Ebit (sigla em inglês para resultados antes de juros e tributos) antes de custos de integração e reestruturação foi revista de 3% a 5% para algo entre -1% e 0.

“Em alguns contratos, não há possibilidade de renegociação, não restando nada mais a não ser entregar com margem negativa, porque sem entregar eles vão perder mercado, e são empresas globais que querem se manter no mercado”, explicou Gannoum. Segundo a presidente da Abeeólica, mesmo com a contratação de um hedge contra riscos, esse cenário era imprevisível há três anos, quando esses contratos foram negociados.

A GE também tem honrado todos seus compromissos firmados em 2018 e 2019. “Quem assegurou um contrato de venda de energia em 2018 e 2019 não teve descontinuidade do projeto, a cadeia absorveu”, disse Maurício Vieira, diretor de vendas da GE Renewable Energy no Brasil. Segundo ele, para novos contratos, está havendo uma reprecificação, até considerando os efeitos do câmbio.

Os geradores e consumidores chegaram a resistir em aceitar o capex mais caro, já que isso se reflete, necessariamente, em preços mais altos de energia nos seus contratos de longo prazo (PPAs, na sigla em inglês). “Até o início desse ano, havia uma resistência muito grande”, disse David Sigismondi, diretor comercial da Nordex. Em meados do semestre, contudo, ficou claro que a tendência veio para ficar. “Ou o cliente aceita pagar o preço mais alto pela energia, ou ele corre o risco de ficar sem energia. Agora, a alta de capex está sendo mais aceita. A partir do momento em que ele negocia uma tarifa mais cara, ele aceita um capex mais caro”, explicou.

A alta de custos pegou a indústria em um momento inusitado, em que todos se ajustam para fabricar e entregar máquinas maiores, mais potentes e eficientes. Quem lançou as máquinas de maior potência mais tarde, como a Nordex, que está no ano de transição da plataforma antiga para a nova, acabou tendo vantagem por ter comprometido pouco sua fabricação aos preços antigos.

Para os novos contratos, além da reprecificação, estão sendo introduzidos mecanismos de proteção contra imprevistos como o cenário atual. Em relação aos contratos antigos, os agentes estão negociando formas de mitigação, como os contratos de operação e manutenção.

“Existe um nível de exposição que infelizmente não conseguimos controlar, mas existe espaço para diálogo. E aí o que vale é a criatividade, tentamos conversar com os clientes para encontrar ângulos de compartilhamento de receita, um ganha-ganha para tentar mitigar os impactos”, disse Gomes, da Vestas.

As demais fabricantes consolidadas no país buscam caminho semelhante. “Buscamos oportunidades de melhora que sejam ganha-ganha, como melhoria de curva potencial, de pacote de serviço de manutenção, de disponibilidade. O que puder ser feito para melhorar”, disse Ferrés, da Siemens Gamesa. Segundo ele, a estratégia tem funcionando muito bem. “Os clientes foram muito receptivos e entendem o tamanho do impacto. Eles pareciam que, num cenário como esse, a Siemens Gamesa não discutiu abandonar contratos”, completou.

Com o boom de novos projetos, as fabricantes ouvidas pela MegaWhat estão com o chão de fábrica lotado de encomendas até pelo menos 2023. “Vemos um mercado bem aquecido nos próximos anos, independentemente do que acontecer em leilões e da contratação no mercado regulado. Vemos uma demanda bem grande puxada pelo mercado livre, que deve se manter nos próximos anos”, disse Vieira, da GE.

A volatilidade nos preços arrefeceu, mas os fabricantes continuam em alerta. “Acho que ainda experimentaremos volatilidade razoável ao longo dos próximos 18 meses, tanto por questões domésticas, como ambiente político e eleições ano que vem, que causam volatilidade no câmbio, quanto questões externas”, disse Gomes.

Ao mesmo tempo, os preços de energia também devem se manter nesse patamar mais elevado em comparação com alguns anos atrás, cenário que é inclusive reforçado pela crise hídrica e pela corrida por projetos.

Um sinal claro disso está nos preços praticados nos leilões A-3 e A-4 realizados neste ano, consideravelmente maiores que os do último leilão do tipo, que ocorreu em 2019. A fonte eólica foi negociada aos preços médios de, respectivamente, de R$ 150,70/MWh e R$ 148,52/MWh. O leilão A-4 de 2019, por sua vez, negociou a mesma fonte por R$ 79,99/MWh.

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