Marcela Assis e Thiago Riccio escrevem: Marco legal da GD é bom, mas poderia ter sido ainda melhor

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Publicado

28/Jan/2022 14:50 BRT


Marcela Assis e Thiago Riccio*

Logo no início desse ano, o Presidente da República sancionou a nona versão do Projeto de Lei 5.829/19, de iniciativa da Câmara dos Deputados. Com apenas dois vetos, a nova lei – Lei 14.300/22 – institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída.

É inegável a relevância da Lei 14.300/22 para os empreendimentos de geração distribuída (GD), trazendo, ao mesmo tempo, segurança jurídica para os agentes e um crescimento sustentável do segmento. Porém, o que chama a atenção não é o texto sancionado – que praticamente reproduz a oitava versão do PLS 5.829/19[1] – mas sim o texto que foi vetado pelo Presidente. É o que pretendemos tratar neste breve texto.

Unidades flutuantes

Desde 2015, sabe-se que é vedado dividir uma central geradora em unidades de menor porte para enquadrá-la nos limites de potência para micro ou minigeração distribuída. Tal vedação foi objeto de discussão no âmbito da Audiência Pública nº 26/15, que subsidiou a revisão da REN 482/12 pela REN 687/2015. Segundo a ANEEL, a vedação visa evitar que empreendimentos de médio e grande porte (PIEE ou AEE) burlem os limites impostos e gozem dos benefícios indiretos da GD, voltados para a micro e minigeração.

O texto da Lei 14.300/2022 aprovado pelo Congresso Nacional (§3º do art. 11) previu uma exceção à referida regra: para as centrais geradoras fotovoltaicas instaladas sobre superfícies hídricas, o desmembramento seria possível, desde que cada unidade observasse os limites de potência da norma. A exceção foi incluída por emenda do Senado Federal (Emenda nº 30), sob o argumento de que ela estimularia investimentos nesse tipo de projeto em contrapartida ao seu alto custo de implantação.

Contudo, de acordo com a mensagem de veto do Presidente, a exceção traria prejuízos tanto para os consumidores cativos (que seriam ainda mais onerados ao arcarem com os subsídios cruzados decorrentes também de empreendimentos de médio e grande porte – podendo chegar a R$7 bilhões) quanto para os demais agentes do setor (que não gozariam de um tratamento isonômico dado pelo governo federal).

Sem fazer juízo sobre os argumentos contidos na mensagem de veto, a nosso ver, o texto enviado pelo Congresso reviveria velhas discussões já superadas. Assim, entendemos acertado o veto do Presidente da República. Isso não significa que sejamos contrários a concessão de incentivos para centrais geradoras flutuantes. Apenas entendemos que eles podem ser dados por outras formas que não seja revivendo discussões setoriais já superadas em um passado recente.

Incentivos à infraestrutura e a GD

O texto aprovado pelo Congresso também dispunha, no parágrafo único do art. 28, que os projetos de minigeração (portanto, acima de 75 kW) distribuída seriam considerados projetos de infraestrutura, e, portanto, enquadráveis em portfólios de FIP-IE e nos benefícios do REIDI, além de financiáveis pela emissão de debêntures de infraestrutura. O deputado Marcelo Brum o introduziu com vistas a igualar o tratamento dado aos empreendimentos de GD àqueles que comercializam energia no ACL e ACR.

Todavia, o Presidente da República vetou o dispositivo, pois, além de ele implicar renúncia fiscal sem prévia estimativa de impacto orçamentário financeiro, em seu entendimento, ele estenderia indevidamente aos consumidores benefícios fiscais destinados a incentivar o desenvolvimento da infraestrutura nacional (o que, em tese, não se aplicaria à GD).

O segundo argumento não é novo e já foi usado pela Procuradoria Federal ao defender a limitação do REIDI aos empreendimentos de geração que comercializem energia (Parecer 01/2017/PFANEEL/PGF/AGU). À época do parecer, vigiam as Portarias nos 274/2013 e 310/2013, do MME, as quais previam que apenas os projetos de geração que resultassem em comercialização de energia elétrica seriam elegíveis ao REIDI. Com base nessas portarias (dentre outros argumentos) e no fato de os projetos de GD não comercializarem energia, a Procuradoria entendeu que eles não constituiriam empreendimentos de infraestrutura.

A distinção não se justifica. Primeiro porque nem a Lei federal nº 11.488/2007 (que instituiu o REIDI), nem tampouco o seu regulamento (Decreto federal nº 6.144/2007) fizeram essa distinção, tendo ela sido criada pelas portarias do MME (que permanece na Portaria nº 318/2018, em vigor). Além do mais, tal qual os projetos de geração que comercializam energia, os projetos de GD também contribuem para o SIN ou para o sistema isolado ao qual estiverem conectados, proporcionando, assim, um incremento de segurança para a infraestrutura do sistema elétrico brasileiro como um todo.

Assim, sem colocar em xeque o impacto positivo da Lei 14.300/2022, a nova norma poderia ter sido ainda melhor se superasse a celeuma sobre o enquadramento dos empreendimentos de minigeração como projetos de infraestrutura. A propósito, é no mínimo curioso como alguém que, em passado recente, declarou-se abertamente contrário à “taxação do sol”, agora opte por vetar disposição que, certamente, traria melhores condições para o financiamento de projetos de minigeração distribuída no país.


[1] Tivemos a oportunidade de analisar a oitava versão em: < https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/camara-dos-deputados-aprova-marco-legal-da-microgeracao-e-minigeracao-distribuida/ >.


*Marcela Assis é advogada da equipe de Direito Público e Regulatório do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, pós-graduanda em Direito da Energia pelo CEDIN.

Thiago Riccio é sócio da equipe de Direito Público e Regulatório do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, mestre em Direito Administrativo pela UFMG e especialista em Direito da Energia pelo IBDE.

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