Guilherme Dantas e Matheus Noronha escrevem: Análise econômica da inserção da tecnologia eólica offshore na matriz elétrica

MegaWhat

Autor

MegaWhat

Publicado

24/Fev/2023 16:23 BRT

Por: Guilherme Dantas e Matheus Noronha*

Cerca de 15 anos atrás, uma das discussões mais eloquentes no setor elétrico brasileiro versava sobre a pertinência da realização de certames focados na contratação de projetos eólicos onshore. Na ocasião, já se verificava vultosos investimentos em usinas eólicas no panorama internacional. Entretanto, o custo elevado da tecnologia resultava em questionamentos acerca da razoabilidade da contratação de projetos eólicos onshore, especialmente ao se considerar a importância da modicidade tarifária e a presença de outras alternativas para a expansão da matriz.

No fim das contas, foi realizado um leilão específico para contratação de projetos eólicos onshore em 2009, tendo sido contratado uma potência instalada superior a 1,8 GW com um deságio médio superior a 20%. Desde então, se consolidou um ciclo virtuoso de expressivos investimentos em projetos eólicos onshore que tornaram esta fonte uma das principais componentes da matriz elétrica brasileira.

Atualmente, o advento da tecnologia eólica offshore traz ao setor uma discussão semelhante. No contexto internacional, a capacidade instalada desta fonte já ultrapassa os 57 GW e ao longo dos últimos anos se verificou uma redução superior a 50% em seus custos. Dada a aptidão da costa brasileira para projetos eólicos offshore, é compreensível o interesse dos investidores na implantação de projetos. Todavia, os custos estão no epicentro da discussão.

Estudo recente, realizado pela Essenz Soluções em parceria com a COPPE/UFRJ para a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), realizou o exercício de modelagem econômico-financeira para projetos eólicos offshore no Brasil. Os resultados indicam que o preço de viabilidade de empreendimentos eólicos offshore partiriam de aproximadamente R$ 330/MWh nos dias atuais. Trata-se de um patamar de preço superior ao praticado por outras fontes renováveis presentes na matriz brasileira.

Porém, o mesmo estudo estima que o preço de viabilidade da tecnologia eólica offshore poderá se situar entre R$ 160/MWh e R$ 230/MWh já na primeira metade da década de 2030. Neste patamar de preços, projetos eólicos offshore já se tornariam competitivos em relação a outras tecnologias existentes. Dado que a redução de custos requer o desenvolvimento industrial e ganho de escala, o cerne da questão é definir qual o momento de iniciar o processo.

Uma questão crítica nesta análise é a perspectiva de crescimento da demanda do setor elétrico brasileiro. Notadamente, a carga do Sistema Interligado Nacional (SIN) advém de um período de relativamente estagnação e a previsão é de crescimentos modestos nos próximos anos. No caso específico do Ambiente de Contratação Regulado (ACR), ainda é preciso destacar os impactos nos mercados das distribuidoras provenientes da difusão de sistemas de microgeração e de minigeração fotovoltaica. Ademais, reservas de mercado criadas por meio de entraves legislativos acabam por limitar a necessidade de contratação de projetos para atender o crescimento da demanda.

O exposto no parágrafo anterior pode conduzir ao questionamento de não ser o momento ideal para dar início ao processo de inserção da tecnologia eólica offshore na matriz elétrica brasileira. Contudo, esta tende a ser uma conclusão precipitada e que precisa ser relativizada, vide o risco de tomadas de decisão estratégicas equivocadas.

Efetivamente, a lógica de incitar investimentos em projetos eólicos offshore deve ser observada de forma abrangente e associada ao processo de transição energética. Explica-se: a descarbonização do setor energético mundial passa pela eletrificação de diversos usos finais de energia. Neste sentido, prospecta-se a criação de novos vetores de demanda por energia elétrica. Em especial, a produção de hidrogênio tende a ter um papel central no processo de transição energética e a geração eólica offshore possui enorme aptidão e complementariedade para suprir as necessidades desta produção. Destaca-se fatores associados a realização de eletrólise e utilização dos diferentes usos da água para corroborar com a estruturação dos custos produtivos e facilidade no processo produtivo do hidrogênio, conforme aponta o relatório do Relatório Global de Energia Eólica 2021 do Global Wind Energy Council (GWEC).

Portanto, a título de conclusão, deve ser enfatizada a necessidade de criar condições tecnológicas e institucionais para que a indústria eólica offshore ganhe “musculatura” no Brasil e, desta forma, se torne competitiva. Trata-se de uma alternativa de caráter estratégico. O desafio consiste em conciliar diretrizes racionais de incentivos à tecnologia eólica offshore com a minimização do risco conjuntural estar perdendo uma grande oportunidade.


* Guilherme Dantas é sócio-diretor da Essenz Soluções. Doutor em Planejamento Energético pela Coppe/UFRJ e professor da FGV Energia.

Matheus Noronha é head de Energia Eólica Offshore na Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias. Doutor em Inovação e Negócios Internacionais e Professor da ESPM.

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

Leia mais:

Luan Vieira escreve: O problema do GSF nunca foi resolvido, apenas remediado

Xisto Vieira Filho escreve: As prioridades do setor elétrico brasileiro

Fábio Amorim e João Paulo Menna Barreto escrevem: Concessão de distribuição - tratar diferentes como diferentes

Marcos Leone e Paulo Mayon escrevem: O Setor Elétrico Brasileiro e o viés de Risco Zero

TozziniFreire escreve: o que esperar para a geração distribuída em 2023