Óleo e Gás

No gás natural, gargalo de infraestrutura parece ser maior do que o da reinjeção

Estudo do Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) divulgado em julho aponta que o percentual da produção bruta de gás natural que não chega ao mercado aumentou nos últimos 10 anos, e a reinjeção de gás foi o destino de 49,6% do gás produzido neste período. As práticas de reinjeção de gás no Brasil têm sido motivo de embates entre o Ministério de Minas e Energia (MME), que busca aumentar a oferta de gás no Brasil, e as empresas e entidades do setor, que alegam que a reinjeção é necessária por fatores econômicos, técnicos, ambientais e estruturais.

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Estudo do Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) divulgado em julho aponta que o percentual da produção bruta de gás natural que não chega ao mercado aumentou nos últimos 10 anos, e a reinjeção de gás foi o destino de 49,6% do gás produzido neste período.

As práticas de reinjeção de gás no Brasil têm sido motivo de embates entre o Ministério de Minas e Energia (MME), que busca aumentar a oferta de gás no Brasil, e as empresas e entidades do setor, que alegam que a reinjeção é necessária por fatores econômicos, técnicos, ambientais e estruturais.

Enquanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, criticou a política de gás natural da Petrobras, especialmente o nível de reinjeção de gás praticado pela petroleira, o presidente da companhia, Jean Paul Prates, argumenta que a vocação brasileira é mais voltada para petróleo e não para gás natural.

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A percepção de Prates é reforçada por outras empresas e entidades do setor, como o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), que em julho divulgou estudo que indicou impossibilidade técnica de aumento de oferta de gás a curto prazo via redução de reinjeção. A análise foi encomendada pela Federação Única dos Petroleiros (FUP).

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No setor industrial, iniciativas como a Coalizão pela Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima buscam aumentar a atratividade do combustível para grandes consumidores. Em julho, a Coalizão divulgou, junto com o MME, um estudo encomendado para o Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC) que mostrou que o país poderia aumentar sua oferta de gás natural se houvesse mais infraestrutura.

Em entrevista à MegaWhat, o secretário Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes, reconheceu que o incremento da infraestrutura atual é importante para aumentar a disponibilidade para o mercado, mas considera que o aumento do fluxo na Rota 3 e o Gaslub, que deve entrar em operação no segundo semestre de 2024, podem ser consideradas estruturas de curto prazo. “O Ministério entende que, em curto prazo, conseguirá resolver as questões referentes à falta de infraestrutura, com uma oferta adicional prevista de aproximadamente 7 milhões de m 3/dia já no próximo ano”, disse Mendes.

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entre junho de 2022 e junho de 2023, foram disponibilizados ao mercado 383,9 milhões de m3 por dia de gás natural. O aumento na atividade da Rota 3 e a operação do Gaslub poderão aumentar, então, em 1,8% a oferta do combustível.

Qual é o tamanho das reservas de gás brasileiras?

O Brasil possui cerca de 12 trilhões de pés cúbicos (TCF). Boa parte deste gás está nas reservas offshore, a uma média de 300 km da costa e 2 mil metros de profundidade.

Outros países produtores de gás têm reservas maiores que o Brasil: nos Estados Unidos as reservas somam 445 TFC, no Qatar há 872 TFC de gás e a Rússia tem reservas na ordem de 1.321 TCF. Nestes países há grandes reservatórios de gás onshore, o que reduz os custos e a complexidade da produção em comparação ao gás offshore brasileiro. 

Além disso, o gás brasileiro está, em grande parte, associado ao petróleo – ou seja, gás e óleo estão misturados nos reservatórios e são extraídos juntos. “Isso exige que a gente olhe de maneira conjunta com a análise de produtividade de petróleo”, diz o diretor técnico do Ineep, Mahatma dos Santos.

Pietro Mendes, do MME, vê a situação de forma diferente: “Produz-se óleo e, naturalmente, gás em conjunto. Nesse sentido, não há que se falar em custo de produção de gás natural, mas sim no custo adicional com a reinjeção ao invés de exportar o gás natural, que é incluído no custo de óleo daquele dado campo”, avaliou.

Segundo Mendes, estudo inicial da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta ser viável que os atuais produtores de gás pratiquem preços cerca de 50% mais baixos, entregando gás no city gate (ponto em que começa a rede de distribuição). “Para tal simulação, a empresa de pesquisa tem considerado o preço médio entre produtores nacionais de US$ 4,27 o milhão de BTU, divulgado pela ANP nas negociações que ocorreram na Bacia de Santos e o valor atualmente pago pelo gás da União vendido pela Pré-Sal Petróleo (PPSA) na cabeça do poço”, explicou.

No Brasil, há alguns campos que têm melhor proporção de gás em relação ao petróleo, como é o caso do BM-C-33, operado pela Equinor (35%), que deve entrar em operação em 2028 com produção de 16 milhões de m3 por dia de gás. A bacia Sergipe-Alagoas também acumula reservas significativas de gás. Operadora de sete campos na região, a Petrobras está implementando o projeto Sergipe Águas Profundas que deve iniciar produção em 2027 com capacidade de produção de 18 milhões de m3 de gás por dia.

O que é a reinjeção de gás

A reinjeção de gás é a introdução de gás natural no reservatório após a sua produção. É uma técnica aplicada, sobretudo, para aumentar a produtividade dos ativos, na medida em que mantém dentro dos poços uma pressão que favorece a extração de petróleo. Além do aumento na produção de petróleo, outros motivos para a reinjeção são a impossibilidade de separação do gás natural e os gargalos para escoamento.

A escolha pela reinjeção do gás para favorecer a produtividade de petróleo se deve ao maior valor comercial do óleo em relação ao gás natural. Além disso, as práticas de produção (e, por consequência, de reinjeção) são definidos pelas operadoras junto com a ANP no Plano de Desenvolvimento (PD) de cada campo, que deve ser apresentado até 180 dias após a declaração de comercialidade. A resolução ANP nº 17/2015, que trata do PD, prevê revisões nos planos, mas o processo pode ser complexo.

Também é possível injetar água nos poços, mas a escolha da técnica depende das características de cada campo. Fontes na Petrobras indicam que a injeção de água com gás natural proporciona uma recuperação de petróleo 25% a 30% maior em alguns campos do pré-sal, quando comparado ao cenário de injeção de água. “A gente só teve sucesso no leilão de Búzios porque no projeto a gente considerou a produtividade advinda dessa técnica [injeção alternada de gás e água]”, disse o diretor executivo de Exploração e Produção da Petrobras, Joelson Mendes, em evento com jornalistas em julho.

Há, também, campos em que não é necessário injetar gás natural. “Nos reservatórios da bacia de Campos, por exemplo, não é necessária esta injeção alternada de água e gás. Lá a gente só faz injeção de água, porque os reservatórios são diferentes. No pré-sal, precisa injetar gás e água”, disse Mendes no mesmo evento.

Nos reservatórios, parte do gás natural está associado a CO2, de forma que não é possível separar os gases ou, se possível, o processo é muito custoso e liberaria CO2 para a atmosfera. Do total reinjetado no pré-sal, 53% está em algum destes casos, segundo o estudo do IEPUC com base em dados de dezembro de 2022. Já a Petrobras calcula que 19% de sua produção total de gás é reinjetada por conta da presença de CO2 associado, o que corresponderia a 40% do total injetado. O Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) também avalia que 40% do gás reinjetado está associado a CO2.

Na Petrobras, que opera os campos de Urucu, no Amazonas, cerca de 5% do gás produzido é reinjetado por conta da baixa demanda da região – isto representa 10% do total reinjetado pela companhia. Sendo difícil estocar o gás excedente na produção de óleo, ou transportá-lo para outras regiões do país, a reinjeção é aplicada.

A dificuldade de armazenamento e transporte também corresponde a 10% do gás injetado pela Petrobras no pré-sal. A expectativa é que, com aumento da atividade do gasoduto Rota 3 e início da operação do Gaslub, previstos para o segundo semestre de 2024, este montante possa ser oferecido ao mercado.

É possível ser diferente?

De acordo com agentes do mercado, a reinjeção de gás é calculada para obter o maior valor dos ativos. Como o petróleo tem maior valor de venda do que o gás natural, a prioridade é a recuperação do óleo. Mudar os volumes de reinjeção de gás natural poderia reduzir a produtividade de petróleo. “Esta parcela não será objeto de oferta ao mercado, pois visa a maximização de produção de petróleo”, concorda Pietro Mendes, do MME.

Há, ainda, a parcela de gás natural associado a gás carbônico. “Metade das reinjeções tem que existir por causa do CO2 e arrasto, não tem o que ser feito. A outra metade é porque não tem infraestrutura e porque as empresas escolhem injetar mais gás para produzir mais petróleo. No curto prazo não tem como escoar”, disse o professor Edmar de Almeida, do IEPUC.

Para Helder Queiroz, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena Grupo de Economia da Energia (GEE), o planejamento foi falho. “Faltou no passado melhor coordenação de investimentos. Esperamos ter muita produção para começar a desenvolver rotas de escoamento, UPGN, dutos de transporte e distribuição”, disse.

Outros especialistas concordam que a infraestrutura é um importante gargalo. “Existe uma parcela de reinjeção decorrente de inexistência ou atraso de infraestruturas para escoamento e processamento de gás, como o Rota 3 e Gaslub”, avalia Pietro Mendes, do MME.

“Quando o Rota 3 ficar pronto, as operadoras poderão aumentar a produção. E aí saberemos se a reinjeção de gás é porque falta estrutura ou se é por razoes econômicas”, disse Edmar Almeida, do IEPUC. Ele lembra que, depois do Rota 3, não há outros projetos de infraestrutura previstos. “Planejar uma nova rota leva tempo, pelo menos uns três ou quatro anos”, disse.

Mahatma dos Santos, do Ineep, também avalia que a infraestrutura é o principal problema. “Há uma limitação na capacidade de escoamento e transporte através dos gasodutos presentes hoje. Esses investimentos em infraestrutura são importantes, e aí vêm as questões de quem tem capacidade de financiar, quando serão entregues. A temporalidade desses projetos às vezes não tem o mesmo ritmo da vontade política”, disse.

O professor Helder Queiroz, que foi diretor da ANP entre 2011 e 2015, também acredita que a Agência pode se posicionar melhor sobre a questão. “Poderia ter um papel mais firme em relação a impor restrições a reinjeção. Quando eu estava na diretoria, o grande problema era queima, que era muito alta. Então começamos a impor sanção, cobrar royalties em cima do que era queimado. Diminuiu. Reinjetar acaba sendo uma melhor solução economicamente nesse momento. Mas é uma péssima utilização de um recurso natural que é raro, escasso e esgotável”, avalia.

*Matéria atualizada às 10:00 de 21 de agosto para edição de informações.