Por: Christiano Vieira*
Com o encerramento de 2023 e o início do novo ano, é inevitável não olhar para trás e refletir sobre um ano que foi marcado por uma série de desafios energéticos para o setor elétrico brasileiro. Nos períodos de verão e outono, enfrentamos os desafios da gestão dos excedentes energéticos; no inverno, o atendimento a rampas cada vez mais intensas e, na primavera, recordes de temperatura em simultaneidade com enfraquecimento dos ventos, levando a carga a superar o marco de 100 GW e exigindo despachos térmicos para atendimento à ponta de carga. Não fosse o bastante, ainda enfrentamos uma perturbação de grande porte que trouxe uma série de aprendizados e um quadro climático complexo, sob efeito do El Niño, que trouxe seca severa nas regiões Norte e Nordeste e chuvas intensas na região Sul.
Nesse contexto desafiante, o papel estratégico do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) se evidenciou. No epicentro dessas dinâmicas complexas, a expertise e a capacidade de resposta dos técnicos do ONS foram cruciais para garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica para a sociedade brasileira.
Nos períodos do verão e do outono, gerenciando adequadamente as afluências aos reservatórios decorrentes das chuvas acima da média, conseguimos recuperar a Energia Armazenada do SIN para o confortável nível de 87% ao final do período úmido, uma marca que não era atingida desde 2011. A contrapartida foi que, com tanta energia hidráulica disponível associada ao crescimento das fontes eólica e solar, foi possível dar início a um processo de exportação de Energia Vertida Turbinável (EVT) para a Argentina e o Uruguai. Com isso, coube ao ONS gerir os excedentes e explorar toda a capacidade da nossa extensa malha de transmissão, maximizando o uso de recursos renováveis no atendimento à carga e na exportação de energia. Como foi dito na COP 28: “não existe transição energética sem transmissão”.
No inverno, com a chegada da frente fria e mudança no perfil de consumo, o desafio passou a ser o atendimento às rampas no final da tarde, quando há coincidência da saída da geração solar com a entrada de carga. Nesse período, chegamos a atender elevações de 28 GW em 3 horas, que é equivalente a dar a partida em duas usinas de Itaipu do zero. Para garantir o equilíbrio entre carga e geração durante esses períodos, o ONS precisou atuar conjunta e antecipadamente com os agentes proprietários de usinas hidráulicas para sincronizarem a velocidade de entrada de mais energia com o aumento da demanda.
Já na primavera, estação caracterizada pela transição entre o período seco e úmido, os efeitos do El Niño se tornaram mais evidentes. Na região Sul, instituições e agentes setoriais se concentraram em definir a melhor operação dos reservatórios para gerir as cheias nas bacias e minimizar os impactos para a população. Por outro lado, aumentando os desafios da operação, as regiões Norte e Nordeste foram afetadas por uma seca severa, levando à redução significativa de geração de algumas usinas de grande relevância, como Jirau e Belo Monte, e chegando à paralisação total da UHE Santo Antônio. Em meio a recordes de temperatura pelo país, a demanda superou repetidamente os 100 GW. Com a redução de geração em grandes usinas hidrelétricas e com o enfraquecimento da geração eólica, foi necessário lançar mão de quase 17 GW do parque termelétrico para atender os períodos de maior demanda do dia, destacando a importância desse recurso. De forma análoga, Argentina e Uruguai por vezes contribuíram com até 1.000 MW de intercâmbio de energia no período de ponta de carga, reforçando também a importância das interligações internacionais.
Apesar da necessidade de despacho térmico com maior frequência no final de 2023, o ano se encerra com uma participação de mais de 90% da utilização da energia renovável no atendimento à carga, uma marca que não é superada há 12 anos. Nesse resultado, destacam-se as fontes eólica e solar, que vêm crescendo vertiginosamente nos últimos anos e, em 2023, foram responsáveis por 15% e 6% do atendimento à carga, respectivamente.
Vencidos todos esses desafios, fica evidente a mudança de paradigmas na operação e a resiliência climática do sistema elétrico brasileiro. Ainda assim, à medida que avançamos para um futuro que impõe desafios crescentes, o papel crítico do ONS na gestão e adaptação eficaz da operação se torna ainda mais relevante. É um lembrete oportuno de que enfrentar esses desafios exige não apenas inovação e liderança, mas também a contribuição colaborativa e proativa de todas as fontes e recursos disponíveis para garantir uma transição energética justa e segura.
*Christiano Vieira é diretor de Operação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.
As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.
Outras opiniões:
Fábio Castellini escreve: Por que as empresas de eletricidade deveriam se tornar verdes
Alessandra Amaral escreve: o impacto da crise climática na distribuição de energia elétrica