Por: Camila C. Martins*
Não há o que discutir quanto à principal motivação da transição energética global ser um misto das necessidades associadas à redução do volume dos resíduos poluentes no planeta para a descarbonização e a sustentabilidade sistêmica. E, o requisito primordial para trilhar o desenvolvimento econômico sustentável com a mitigação dos efeitos danosos ao meio ambiente, em prol do cumprimento da meta de desaquecimento global em 1,5°C, é determinado pela transformação do abastecimento de energia através de mecanismos eficientes.
Esses mecanismos englobam modelagem de serviços que garantam a segurança e confiabilidade das redes elétricas, e principalmente, tragam previsibilidade e financiabilidade para o investimento ser atrativo. Para tanto, daqui para frente, se não houver uma atenção à regulamentação dos sistemas de armazenamento, condições não favoráveis ao desenvolvimento da estratégia de solução escolhida para o enfrentamento das mudanças climáticas ocasionadas pela elevação da temperatura do planeta poderão trazer consequências ruins ao alcance dos objetivos da descarbonização e da economia que os diversos setores elétricos mundiais sustentarão.
A tecnologia de armazenamento de energia oferta ao planejamento da expansão e da operação dos sistemas elétricos de potência amplas oportunidades de soluções de integração para o tratamento das inflexibilidades dos sistemas de geração. Desde os primeiros sistemas de conversão eletromecânica, a aplicação do conceito de armazenamento está presente, principalmente, relacionado ao armazenamento do insumo primário (água, gás, carvão, lenha, temperatura, diesel, entre outros componentes), assegurando a continuidade da produção da eletricidade e suprimento da demanda. Portanto, não é novidade o uso de sistemas de armazenamento. Todavia, as aplicações variam conforme as necessidades e requisitos de cada sistema elétrico.
Vários são os textos que versam sobre a dificuldade de se obter a viabilidade dos projetos de armazenamento. As dificuldades de viabilidade permeiam a reformulação de paradigmas setoriais, regulatórios e operacionais, que influenciam na estrutura política e organizacional dos setores elétricos, e na forma de interação entre diferentes mercados de eletricidade. Cada sistema elétrico deve encontrar o caminho para atravessar a transição energética utilizando as diversas formas de sistemas de armazenamento que a tecnologia atual permite adequar às suas respectivas necessidades.
Mesmo com esta tremenda dificuldade, modelos comerciais para sistemas de armazenamento existem porque, de alguma forma, não há melhor opção para dar tratamento ao problema elétrico consequente de condições simultâneas de baixa demanda/carga e excedentes de geração inflexível, especialmente, em redes com problemas de escoamento.
Este é o caso do atual SIN, no qual a expansão da transmissão defasou da expansão da geração, que se estabelece por fontes eólica e fotovoltaica interligada centralizadamente ou não (MMGD).
O Brasil passa por um momento bem semelhante ao ocorrido em países como o Japão, Estados Unidos e alguns países europeus, nos quais houve a necessidade da aplicação de sistemas de armazenamento para dar tratamento, de forma a geral, a questões físicas e econômicas associadas à
(i) inflexibilidade de usinas nucleares,
(ii) dependência de importação de combustível,
(iii) confiabilidade do suprimento de energia ao segmento de consumo e
(iv) flexibilidade operativa do despacho para aumentar a resiliência e segurança elétrica.
Neste universo de sistemas de armazenamento, conforme podemos observar na Figura 11 , há diferentes tipos de sistemas de armazenamento e possibilidades de aplicação/serviços utilizados no mundo, segundo informações consolidadas pela International Energy Agency (IEA) em 2014. Atualmente, em termos de escala e tecnologia disponibilizada, esta informação não varia significativamente. Inclusive as usinas hidrelétricas reversíveis e as baterias se mantêm as tecnologias mais promissoras para o uso. Dados publicados no artigo “Investment Themes In 2015: Dealing With Divergence”, pelo Citibank, em janeiro de 2015, informam que o custo efetivo dos sistemas de baterias é 20 vezes maior que das UHRs, podendo ser em até 95% por kWh mais caros.
A análise da experiência internacional ainda não conseguiu estabelecer modelos comerciais com um padrão de remuneração para serviços associados ao armazenamento. Mas, diferentemente do Brasil, a regulamentação desses países foi capaz de formular modelos de negócios relacionados a serviços de eletricidade para serviços ancilares e suprimento que oferecem flexibilidade operativa e segurança no suprimento da demanda, trazendo possibilidades de remuneração como serviços de geração ou transmissão, que variam entre receita fixa (por quantidade ou disponibilidade) até arbitragem. Fato comum na experiência internacional é que em geral, a versatilidade dos sistemas de armazenamento é aplicada de forma limitada e sem condições de competição no mercado.
Assim, a introdução de sistemas de armazenamento historicamente ocorre por necessidade de modulação da geração e demanda, por razões elétricas ou energéticas. Os sistemas de armazenamento possibilitam o equilíbrio da demanda com a oferta de energia e a otimização do suprimento, de forma dinâmica, resiliente e sustentável.
Por outro lado, à medida em que aumentam a participação na matriz elétrica/energética mundial, torna-se imprescindível estabelecer soluções para melhor gerenciar o despacho em tempo real.
Neste ponto, os sistemas de armazenamento de energia contribuem com a expansão dos parques de geração variável interligados ou distribuídos. Além disso, potencializam o surgimento de novas formas de serviços, sejam relacionados à confiabilidade ou à oferta de energia. A transição energética precisa disso! E a dinâmica econômica dos setores elétricos também!
Possibilitar novas formas de investimento para o Setor Elétrico Brasileiro traz benefícios à sua sustentabilidade e ao desenvolvimento econômico do país, principalmente neste momento de abertura do mercado até 2028.
A essência do armazenamento de energia é proporcionar que a energia elétrica produzida num momento seja deslocada no tempo para uso em momentos complementares. Dentre outras vantagens, isto ocasiona a não ocorrência ou a diminuição de manobras de restrição de geração (vertimentos turbináveis, redução da geração eólica ou solar), mitigando o impacto comercial negativo quanto às obrigações contratuais, assim como pode potencializar, com eficácia, o mecanismo de Resposta à Demanda.
Desta forma, a busca por um caminho que permita implementar soluções de armazenamento no Sistema Interligado Nacional permeia uma condição de transição dos modelos regulatórios dos serviços de eletricidade existentes. Vale mencionar que a regulamentação vigente não restringe o uso de sistemas de armazenamento, mas não permite configurar o risco do negócio. No Brasil, a única forma de armazenamento bem definida se insere no modelo de despacho hidrotérmico, no qual existe a condição convencional de armazenar energia através do acúmulo de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas, sem ser monetizado propriamente.
Dentro das possibilidades para o Brasil, observa-se grande potencial em serviços ancilares e específicos dos segmentos de transmissão e distribuição (suporte de rede, melhoria/modernização de subestações, atendimento dos Sistemas Isolados). Contudo, para que isto ocorra, a regulamentação setorial brasileira precisa adequar ou incorporar definições, critérios, procedimentos e requisitos operativos para habilitar o uso dos sistemas de armazenamento de imediato, para inserir com celeridade, com o objetivo de utilizar algumas das vantagens no planejamento da expansão e operação atual, e enxergar o agente que armazena de forma diferenciada, classificando-o como agente armazenador num plano de aprimoramento da regulamentação. Este agente excursiona entre os diversos segmentos geração, transmissão e distribuição, sem ser exclusivo. O Armazenador pode ser gerador ou transmissor/distribuidor, ou os dois simultaneamente.
Portanto, a principal mensagem que o Grupo de Estudos C5.2 – Novos Desenhos de Mercado para Armazenamento, subgrupo do CE-C5 Mercados de Eletricidade e Regulação do CIGRE Brasil, registra neste artigo é que os órgãos reguladores brasileiros devem optar por realmente modernizar o nosso Setor Elétrico, tornando possível a revisão das estruturas atuais de forma visionária, desligando-se da condição retrógrada de tomada de decisão para diminuir as barreiras que impedem o desenvolvimento da transição energética efetivamente.
Com base na ideia defendida pela Irena no World Energy Transition Outlook 2023, vem a reflexão de que o sistema elétrico brasileiro deve se diversificar e ser mais resiliente, com capacidade de reformular as suas infraestruturas e rotas comerciais para fortalecer o alcance dos anseios da sua transição do marco regulatório, integrando as fontes renováveis variáveis através de soluções de integração eficientes para a comercialização de energia no mercado interno e exterior, fruindo das oportunidades que os sistemas de armazenamento ofertam, em várias formas tecnológicas, em prol do desenvolvimento socioeconômico do país e melhor estratégia de tratamento dos efeitos da transição energética, destacando-se no mundo como Green Major.
*Camila C. Martins é coordenadora do GT-C5.2 – Novos Desenhos de Mercado para Armazenamento no CIGRE Brasil
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