Desde os primórdios do Setor Elétrico, a relação entre consumo e produção de energia elétrica seguiu uma lógica bem definida:
- Residências, fábricas, lojas, shopping centers etc. vão surgindo, vão crescendo e vão consumindo energia de acordo com as suas necessidades.
- Usinas, linhas de transmissão e sistemas de distribuição vão sendo construídos para atender ao consumo.
Ou seja, a oferta deve estar sempre preparada para o consumo, seja lá qual for… E o consumo – para a grande maioria dos clientes – sempre foi cobrado pelo volume de energia consumida: o medidor de cada estabelecimento mede quantos quilowatt-horas (kWh) foram consumidos, multiplicam-se os kWh´s por uma tarifa em R$ por quilowatt-hora (R$/kWh) e o resultado é o valor da conta de energia, em R$, a ser pago.
O resultado dessa estrutura de tarifas é que a maior parte dos consumidores passou a apresentar hábitos ruins de consumo, concentrando o uso de aparelhos elétricos ao longo da tarde e início da noite.
Conforme pode ser observado na Figura 1, no dia 2 de agosto de 2021, o consumo de energia do sistema brasileiro foi, na média, de 65.250 MWm[1]. No horário de pico, no fim da tarde, o consumo foi de 78.040 MWm, e durante a madrugada, o consumo foi 52.602MWm. Uma variação, dentro do dia, de 25.438 MWm, que corresponde a quase 40% do consumo médio!
Mas por que a concentração de consumo em algumas horas do dia é ruim?
Figura 1: Consumo de energia do Sistema Interligado Nacional no dia 2 de agosto de 2021.
Fonte: Volt Robotics
A concentração de consumo em algumas horas do dia é ruim porque todo o sistema elétrico precisa ser dimensionado para suportar o pico de consumo, demandando altos investimentos que são cobrados em nossas contas de luz.
Nos períodos fora de pico, todos esses equipamentos ficam ociosos…
Seria como ter uma família de 4 pessoas e construir uma casa com 10 quartos e 5 banheiros porque na época das festas de fim de ano alguns parentes vêm fazer uma visita de 10 dias (veja a foto da chegada dos parentes – todos felizes – abaixo!). Na maior parte do tempo, ninguém usaria os quartos e os banheiros, mas você pagou para construí-los e ainda tem que pagar pela manutenção…
Família que mora na capital e usa os quartos por 10 dias no fim do ano.
Fonte: Volt Robotics
Bom… mas voltando aos consumidores de energia elétrica, as pessoas são livres para utilizar os seus equipamentos a hora que quiserem. Por que deveríamos incentivar hábitos diferentes dos atuais?
Simplesmente porque se reduzirmos os picos de consumo, aproximando-os do consumo médio, os investimentos nas usinas e nas redes elétricas também poderão ser reduzidos, e no fim a tarifa de energia será menor.
E mais, as pessoas passam a poder participar de forma colaborativa para promover eficiência no sistema elétrico e contribuir para o meio ambiente.
Por exemplo, se em algum dia as usinas fósseis – poluentes e caras – estiverem sendo acionadas para atender aos picos de consumo, os consumidores podem ser comunicados e conscientemente reduzir os seus consumos para que elas sejam desligadas. A conta de luz fica menor e o meio ambiente agradece!
Por que não incentivamos todos os consumidores a terem bons hábitos de consumo?
Para o consumidor mudar seus hábitos, ele precisa primeiro ser comunicado de forma humana – sem os jargões do Setor Elétrico que ninguém entende – sobre o racional dos picos de consumo e a necessidade de reduzi-los.
A mudança de hábito envolve ainda incentivos aos bons comportamentos. Para poder compensar os consumidores é necessário saber quem respondeu à necessidade sistêmica, reduzindo o consumo nos horários de pico.
Para que este monitoramento seja possível, é imprescindível que consigamos medir o consumo de energia elétrica hora a hora, e que o medidor se comunique com a empresa de energia para fornecer as informações automaticamente. São os chamados medidores inteligentes! E neste tema o Brasil está muito atrasado em relação ao mundo desenvolvido…
Na Ásia há mais de 700 milhões de medidores inteligentes instalados; na Europa, mais de 120 milhões; no Estados Unidos, mais de 100 milhões! A maioria dos países tem o objetivo de ter ao menos 80% dos consumidores atendidos com medidores inteligentes a partir de 2021, buscando desenvolver suas indústrias de medidores, além de poderem entender melhor os picos de consumo, desenvolver tarifas que promovam eficiência e incentivar a colaboração para os benefícios sistêmicos.
Seria um programa de consumo eficiente para sempre!
Em resposta à crise hídrica, o Ministério de Minas e Energia avançou na Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica (RVD) para os consumidores livres e também criou um Programa de Redução Voluntária do Consumo para os consumidores cativos. São iniciativas importantes, que devem ser acompanhadas de medidas estruturais – tais como a medição inteligente e uma ampla reforma tarifária – para que seus efeitos e benefícios sejam permanentes.
Precisamos acelerar a modernização…
A participação dos consumidores na redução nos picos de energia deve ser iniciada e acelerada com a atual crise energética, com medidas que produzam ganhos de produtividade permanentes.
A modernização do Setor Elétrico Brasileiro é urgente e depende de uma concentração de esforços para promover mudanças em vários aspectos, incluindo a separação entre os serviços de rede e de fornecimento de energia, uma ampla reforma na estrutura tarifária, implantação de sistemas inteligentes de medição, e a regulação para os sistemas de armazenamento.
Fonte: Volt Robotics
Enfim, qual é a pergunta para a Resposta da Demanda?
Na opinião da Volt Robotics, a grande pergunta que deve ser feita é… Como aproveitar a crise hídrica atual para realizar transformações que promovam ganhos de produtividade de forma permanente? Sejamos ousados e pensemos além da crise… Temos que sair dela melhor do que entramos!
[1] Fonte: Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS. Site: http://www.ons.org.br/paginas/resultados-da-operacao/historico-da-operacao. Acessado em 7 de agosto de 2021.
*Donato da Silva Filho é sócio-fundador da Volt Robotics. Foi diretor de Regulação e de Planejamento Energético na EDP Energias do Brasil, onde trabalhou por mais de 16 anos, com resultados expressivos na gestão do portfólio de energia de empresas de geração hidroelétrica e termoelétrica, de distribuição e de comercialização de energia.
Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.
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