Por: Victor Gomes*
Na última década, alguns países europeus, como a Alemanha e Espanha, e estados norte-americanos, como a California, executaram políticas energéticas agressivas para transição energética, com incentivos para acelerar a inserção de energias renováveis de fontes não controláveis. Dentre as medidas, tomadas sob forte pressão de grupos opositores, houve o fechamento de usinas termelétricas que proporcionavam segurança a custos variáveis reduzidos, como usinas a carvão, a gás natural e nucleares.
O fechamento de usinas termelétricas não poderia ter outra consequência. Nos últimos meses, a combinação de falta de capacidade instalada despachável, onda de calor e guerra na Ucrânia causou uma tempestade perfeita.
O gás natural no mercado europeu chegou a ser negociado a 100 USD/MMBTU recentemente, o que se traduziu em preços no mercado spot de energia estratosféricos. O preço spot da energia elétrica na Alemanha chegou ao patamar de EUR 1000/MWh (mais de R$ 5.500,00/MWh), sendo que o preço spot médio diário em diversos países passou de EUR 600/MWh.
Já na California, que não sofre diretamente os efeitos da guerra, mas que também fechou muitas usinas controláveis, foi declarado estado de emergência para evitar blackouts em razão da atual onda de calor. Ironicamente, os proprietários de veículos elétricos foram encorajados a evitar recarregá-los durante o dia. O preço spot no mercado californiano (CAISO) atingiu mais de USD 800/MWh na última semana.
A grave falha na política energética desses países e regiões já vem trazendo consequências danosas para a população, como aumento do preço da energia elétrica e desindustrialização.
A política energética deve ser baseada na racionalidade econômica e não em pautas ideológicas e com preconceitos em relação a fontes.
Evidentemente que as fontes renováveis vieram para ficar e têm um papel extremamente importante na matriz elétrica. Entretanto, uma transição energética desequilibrada traz consequências gravosas para a população.
Em 2021, o Brasil esteve próximo de uma grave crise energética. Em razão de um período hidrológico favorável no início de 2022, os reservatórios das hidrelétricas se recuperaram e o preço do mercado de curto prazo do SIN atualmente se encontra em patamares baixos.
Mas não há garantia de que passaremos os próximos dois ou três anos com uma situação energética tranquila. Um crescimento econômico mais robusto ou um novo período seco, comparável ao que ocorreu nos últimos anos, trará dificuldades de atendimento à demanda. Nesse sentido, deve-se ainda ter em perspectiva que a capacidade de armazenamento das hidrelétricas do SIN reduziu substancialmente nas últimas décadas e o PIB brasileiro vem crescendo mais que o esperado neste ano. A previsão de crescimento atual para 2022 é de mais de 3%, enquanto os programas computacionais para despacho e formação de preços consideram dados defasados (da 2ª Revisão Quadrimestral de Carga do PLAN 2022-2026), de crescimento de 1,9%. O Planejamento Anual da Operação Energética Ciclo 2022-2026 (PEN), do ONS, por sua vez, que aponta déficit de potência no SIN em 2025, utiliza dados de crescimento ainda mais defasados (da 1ª Revisão Quadrimestral de Carga do PLAN 2022-2026), de 0,6% de crescimento do PIB para 2022.
Portanto, o país não pode renunciar a qualquer capacidade instalada de fontes termelétricas despacháveis. Em 2021, o governo tomou a prudente decisão de contratar termelétricas a gás natural a um custo aproximado de R$ 1600,00/MWh no Procedimento Competitivo Simplificado (PCS), muitas com inflexibilidade com custo atrelado ao IPCA. Comparando com os preços da energia elétrica atualmente na Europa, com custos sujeitos à volatilidade do mercado de gás, o preço não é alto.
A redução do custo de energia evidentemente deve ser perseguida. Mas o instrumento não pode ser o fechamento de térmicas em operação ou prontas para operar. O Brasil nunca adotou tal procedimento e espera-se que as lições internacionais sejam aprendidas.
O instrumento correto para a redução dos preços é a eliminação de subsídios. A proposta do PL 4.012/2021, que retira a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) da tarifa dos consumidores, alocando às provisões da Lei Orçamentária Anual é mais efetiva para a redução de custos e tecnicamente correta. Outros subsídios ocultos, que também causam aumento de custos aos consumidores, como sub-rogação da CCC e tarifas específicas para indústrias, também merecem ser revistos.
No entanto, sabe-se da dificuldade política de retirar qualquer tipo de subsídio. Milton Friedman, célebre economista liberal, ao comentar sobre os subsídios agrícolas após a crise de 1929, já advertia: não há nada mais permanente do que programas de governo (subsídios) temporários.
É preciso coragem para enfrentar os subsídios e não ceder à pressão de grupos opositores. Fechar termelétricas, sob o suposto pretexto de alívios conjunturais de custo, não é uma solução racional para o futuro, pois pode custar caro ao país, assim como vem custando aos países europeus. Afinal, caro para o país é a falta de energia.
* Victor Gomes é economista e advogado. MSc em Energia pela University of Dundee. É sócio do Reis Gomes Advogados
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