Por Lívia Amorim
No ano da tão esperada aprovação do PL n.º 6.407/2013, tem sido recorrente a pergunta sobre o que falta para o mercado de gás acontecer. É oferta? É demanda? São novos dutos? É a criação de um operador?
Importante alertar desde já ao leitor que a resposta a estas perguntas não está aqui. Com uma visão mais imediatista – talvez pela ansiedade de ver o primeiro negócio na malha acontecer, mas também por acreditar que, após o primeiro contrato, os demais virão -, arriscaria mais uma vez olhar para o curto prazo. No curto prazo, a necessidade é, e continua sendo, de flexibilidade.
Para tornar menos enigmático o que isso quer dizer, listaria três pontos interdependentes: (i) acesso às redes de transporte e de distribuição; (ii) a oferta permanente de produtos de curto prazo, de molécula e de capacidade; e (iii) a necessidade de um mecanismo de coordenação, no curto prazo, entre oferta e demanda.
Ponto 1: Acesso às redes de transporte e de distribuição
Em relação ao acesso à malha de transporte, é importante ter um cronograma de oferta da capacidade ao mercado para que as partes possam negociar a molécula com alguma previsibilidade em relação à contratação da rede. Além disso, a oferta dos produtos de interconexão entre os transportadores é central para que haja o encontro de oferta e demanda, principalmente considerando uma rede de dutos sem tanta capilaridade como a nossa. Não menos relevante, para diminuir custos de transação para os dois lados, os contratos de uso da rede de distribuição devem ser padronizados, facilitando as trocas. Idealmente, as rotinas operacionais dos contratos de transporte e de distribuição devem conversar, para que seja possível a coordenação e que os ajuste de posição ocorram com facilidade. Os contratos de rede são contratos complexos e, no atual estágio de desenvolvimento do mercado de gás, o balanceamento é resultado destas negociações bilaterais, o que agrega ainda mais complexidade. Por isso, é importante começar enquanto os horizontes de negociação ainda permitem.
Ponto 2: Oferta permanente de produtos de curto prazo
Para estruturar negócios de médio a longo prazo, em janelas de decisão que estão abertas hoje, os agentes também precisam de previsibilidade de que, quando os contratos entrarem em vigor, haverá gás para contratar no curto prazo. Do contrário, o custo da falta é inestimável e pode trazer muita insegurança para as duas partes. Para os acostumados com o setor elétrico, onde, fora do cenário de racionamento, o custo do default da parte vendedora é a exposição ao PLD, o primeiro contato com essa particularidade do mercado de gás (pelo estágio de desenvolvimento) causa certo espanto. No atual estado de coisas, não há um produto flexível a ser ofertado nem ao vendedor (que pode precisar, por exemplo, em função de sua curva de produção) nem ao comprador.
Ter a previsão de oferta futura de produtos de curto prazo (de capacidade, de estocagem e de molécula) é essencial para fechar a conta, ou pelo menos para ter um espectro de variação da exposição que seja diferente da quantificação de todas as perdas e danos associadas à não entrega do gás.
O mercado está caminhando neste sentido e há alguns movimentos importantes a serem acompanhados: (i) os produtos de capacidade no curto prazo ofertados pela TBG; (ii) investimentos para utilização do potencial de estocagem offshore de campos depletados; e (iii) a perspectiva de arrendamento do Terminal de Regaseificação da Bahia (que já está conectado à malha de transporte).
Ponto 3: Necessidade de um mecanismo de coordenação entre oferta e demanda
Por fim, é preciso que estes produtos estejam prontamente disponíveis e que sejam de fácil contratação. Quem tem gás para vender? A que preço? Em qual ponto de entrega? Há capacidade no curto prazo para contratar e movimentar o gás até o ponto necessário? Se, sim, a que custo? Como contrato? E o GUS? Todas estas perguntas vão precisar ser respondidas de forma dinâmica (para o dia seguinte, para o mesmo dia), refletindo o equilíbrio entre oferta e demanda naquele momento. Ter um mecanismo que permita essas trocas de forma rápida e com segurança ajudaria a destravar o processo.
E o que seria esse tal mecanismo? Bom, em uma conversa com um entendido de formação de mercados, onde arrisquei divagar sobre uma plataforma, um balcão, quem sabe uma bolsa, o interlocutor espirituosamente respondeu: “Neste momento, pelo tamanho do mercado, até um grupo de Whatsapp já poderia ajudar. O importante é começar.”
Livia Amorim é advogada, sócia do Souto Correa Advogados, especialista em questões regulatórias, processos de aquisição de ativos de infraestrutura e contratos nos setores de energia elétrica e petróleo e gás.
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