Por: Rodrigo Machado, Flavia Cerutti e Pedro Almeida*
Se encontram no centro dos atuais debates sobre a emergência climática as questões envolvendo a descarbonização da economia global e o papel da energia na crise. Nesse contexto, o hidrogênio ganha protagonismo na agenda internacional como um elemento chave para acelerar a transição energética e superar a dependência dos combustíveis fósseis.
O hidrogênio já possui um papel relevante na economia, com o mercado atual focado no seu uso não energético através de aplicações nas indústrias de fertilizantes, alimentícia e petroleira.
O interesse sobre seu potencial energético tampouco é novo. Mas a combinação da emergência climática, com as recentes crises energéticas em vários países fez com que os holofotes fossem novamente direcionados para ele.
Quando pensado como fonte energética, o hidrogênio se apresenta como um combustível limpo. O seu apelo se dá justamente porque, diferentemente dos combustíveis fósseis, não há a emissão de carbono na sua utilização. Resultado, a contaminação é zero.
Porém, a depender de como se dá a sua produção, pode ocorrer a emissão de CO2. Ou seja, a forma como o hidrogênio é produzido é tão importante quanto a utilização do seu potencial energético, sendo classificado por “cores”, conforme o método empregado para sua produção.
O hidrogênio cinza é aquele produzido a partir de combustíveis derivados do carbono (por exemplo, gás natural) e, portanto, o que causa maior impacto ambiental. O hidrogênio azul é obtido a partir de um processo que também emite carbono, mas o carbono residual é capturado, havendo uma diminuição do seu impacto. Por fim, o hidrogênio verde é obtido utilizando-se fontes renováveis de energia elétrica (por exemplo, eólica e solar), em um processo que não há a emissão de carbono.
Em razão do seu alto custo, do déficit de energia renovável e da tecnologia em evolução, a produção de hidrogênio verde ainda se encontra atrás da realizada por métodos poluentes, a qual corresponde a cerca de 70% de todo hidrogênio produzido no mundo. Estima-se que até 2030 a produção de hidrogênio verde passará a ser competitiva. Só o avanço tecnológico e da ciência permitirá que a produção do hidrogênio verde em larga escala seja viável.
No Brasil, a regulação com relação ao hidrogênio verde ainda engatinha. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) determinou, em abril deste ano, que o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentasse diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio.
Em julho, o MME, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e Desenvolvimento Regional (MDR), com o apoio técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apresentou a Proposta de Diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio. Por meio desse programa, foram propostos seis eixos para o seu desenvolvimento: (i) fortalecimento das bases científico-tecnológicas; (ii) captação de recursos humanos; (iii) planejamento energético; (iv) arcabouço legal e regulatório-normativo; (v) abertura e crescimento do mercado e competitividade; e (vi) cooperação internacional.
O eixo “iv” é especialmente importante na medida em que praticamente inexiste no Brasil regulação específica para uso energético do hidrogênio. Por meio desse eixo, propõe-se o mapeamento de competência das agências reguladoras, a necessidade de editar ou adequar a legislação e avaliar a necessidade de proposição de normas adicionais.
Mesmo a competência sobre a regulação do hidrogênio verde ainda não é clara na legislação brasileira. A rigor, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) parece a escolha mais óbvia em face da sua utilização como fonte de energia. Contudo, o transporte e distribuição do hidrogênio pode ser feito por meio de tubulações já existentes de gás natural. Adicionalmente, o hidrogênio é um material altamente inflamável e se cogita sua diluição em gás natural ou amônia para facilitar o seu transporte. Nessa hipótese, atrai-se a competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Eventualmente, a futura regulação deverá levar em consideração diversas autoridades públicas regulando diferentes aspectos do hidrogênio, como transporte, distribuição e sua utilização, ou, até mesmo, reformar a legislação para concentrar as competências em uma única agência. O importante é que a futura regulação seja eficiente e não impeça o desenvolvimento desse setor no Brasil.
Nesse sentido, com essa finalidade, as autoridades públicas deverão utilizar os instrumentos já existentes para auxiliar na edição de uma regulação eficiente, tais como consultas públicas e Análise de Impacto Regulatório (AIR). Enquanto as consultas públicas permitem a participação da sociedade civil na elaboração da futura regulação, o AIR é o procedimento que permite mensurar o impacto e a razoabilidade de um normativo sobre determinado problema regulatório.
A necessidade de regulamentação dessa questão ganha ainda mais relevância quando verificamos que há diferentes players adotando iniciativas com o intuito de desenvolver projetos de hidrogênio verde no país. Apenas como exemplo, a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) foi selecionada pela Gessellschaft für Internationale Zusammernarbeit (GIZ) para receber recursos para a construção do Centro de Produção e Pesquisas em Hidrogênio Verde. Já no campo empresarial, companhias líderes do setor de energia, como EDP, COMERC e Casa dos Ventos já anunciaram iniciativas e investimentos para produção de hidrogênio verde no Brasil.
O país possui um enorme potencial para energias renováveis e o hidrogênio não está atrás. A qualidade e a abundância das fontes de energia renováveis presentes no Brasil (em especial solar e eólica) tem grande potencial de diminuir custos e viabilizar a fabricação do hidrogênio verde na escala necessária, colocando o país em posição de liderar a transição energética global.
O hidrogênio verde é considerado uma tecnologia disruptiva e um elemento fundamental para descarbonização dos mercados, mas sua produção e aplicação na escala necessária para efetivar essa mudança ainda enfrentam diversos desafios, dentre os quais a ausência de arcabouços legais e regulatórios. Cabe às autoridades brasileiras tomar a dianteira desse mercado e editar uma regulação que fomente o desenvolvimento e a evolução da fonte no país, permitindo que a sociedade e os diferentes players do mercado participem desse processo.
*Rodrigo Machado é sócio no escritório Madrona Advogados
*Flavia Cerutti é advogada associada no escritório Madrona Advogados
*Pedro Almeida é advogado no escritório Madrona Advogados
Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.
As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.
Leia mais:
Rômulo Greff Mariani escreve: Passado, presente e futuro no transporte do gás natural
Marcel Haratz escreve: Avanço da eficiência energética com os novos marcos de transição mundiais
Olívia Nunes escreve: Estamos mesmo em novembro?
José Luiz Alquéres escreve: Nuvens negras sobre Glasgow
Maurício Tolmasquim escreve: Em busca da flexibilidade
Odair Oregoshi escreve: Compliance – uma ponte para relações justas, seguras e transparentes