Opinião da Comunidade

Ricardo Pigatto escreve: Uma verdade inconveniente, versão setor elétrico brasileiro

Ricardo Pigatto escreve: Uma verdade inconveniente, versão setor elétrico brasileiro

Por: Ricardo Pigatto*

“Perder a paciência é perder a batalha – Mahatma Gandhi”

Que me perdoe Gandhi, mas é impossível não perder a paciência quando, em pleno 2022, ainda escutamos, de pessoas experientes e conhecedoras do setor elétrico brasileiro, frases do tipo: “As PCHs podem ser muito bonitas, possuir muitos atributos, mas são caras. Não têm competitividade” ou então “Não compro energia de PCHs porque são mais caras…”

O poder concedente, através da Lei 10.848/2004, mudou o setor elétrico chamando-o de “novo setor elétrico” e criou sistemas de precificação de energia que se baseiam em leilões públicos (ou privados) e apenas em R$/MWh. A partir dessa premissa muito simples, mas falaciosa, que considera que o custo da energia é única e exclusivamente composto pelo custo de construção e operação dos empreendimentos, é que se fizeram os mercados e a expansão do setor. Não levar em consideração o verdadeiro custo aos consumidores, quer sejam cativos ou livres, é uma verdade que deve ser enfrentada e um equívoco que deve ser corrigido com urgência. O custo ao consumidor não é apenas o resultado de R$/MWh obtido em Contratos Regulados, Contratos no Mercado Livre ou em GD (Geração Distribuída). Não é, nunca foi e nunca será. Pensar o setor elétrico dessa forma simplista é iludir a sociedade com falsas premissas.

Há, no entanto, algumas questões importantes a serem consideradas e, entre elas, o fato inquestionável de que o crescimento das fontes intermitentes exige o crescimento de geração de base, seja térmica, hidráulica ou baterias. Em estudo apresentado pela EPE em workshop organizado pelo ONS e ANEEL de 31 de julho de 2019 denominado “Os Serviços Ancilares no Planejamento da Expansão: Contexto atual e perspectivas futuras” fica demonstrado que a expansão das intermitentes (infelizmente a EPE –Empresa de Pesquisa Energética-, neste caso, confundiu intermitente com sazonal e incluiu as poucas PCHs do Brasil ao lado das eólicas e solares) exigirão mais serviços ancilares e, inclusive, propõe leilões para tais serviços, portanto acrescentando custos aos consumidores.

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A EPE apresentou as consequências do aumento expressivo da geração intermitente e, na época, informava que até 2027 haveria um incremento de 15 GW de eólicas e solares. Segundo a EPE, o aumento da participação das renováveis (eles denominam de renováveis apenas eólicas e solares fotovoltaicas) necessitará de reserva operativa e questionou: “haverá disponibilidade no longo prazo?” Apresentou também os efeitos da geração flexível nas hidrelétricas demonstrando o dano aos equipamentos (fadiga, redução de vida útil, desgaste prematuro de componentes) e perdas energéticas, inclusive com imagens de turbinas hidráulicas destruídas.

Na mesma ocasião, a EPE informou, ainda, que “a Matriz Elétrica Brasileira ainda tem grande necessidade de hidrelétricas; as operações flexíveis nas hidrelétricas intensificadas pela penetração das fontes de geração variável e não controlável pode acelerar a deterioração dos equipamentos, com impactos na geração de energia; e a melhor identificação de Reserva de Potência do sistema pode nortear projetos e concepções construtivas mais adequadas, sendo importante a previsibilidade.”

Em 2016, o Dr. Pietro Erber, do Gesel e INEE já manifestava a necessidade de levar em consideração TODOS os custos (ERBER, Pietro. “Fontes Intermitentes para geração de energia elétrica”. Valor Econômico. São Paulo, 05 de maio de 2016). A frase final da publicação é o libelo desta minha manifestação: “Há urgência em reduzir emissões de GEE e, por outro lado, os custos da inserção das novas fontes renováveis no sistema interligado poderão aumentar os custos totais diretos de suprimento ao mercado, nos próximos anos. Mas espera-se que tais aumentos sejam compensados pela redução das externalidades negativas que se afiguram crescentes com o possível aumento do uso de combustíveis fósseis na geração de energia”.

Recentemente, em 12 de abril, publicação no jornal Valor Econômico de manifestação do reconhecido Professor Edvaldo Santana, ex-Diretor da Aneel entre tantas funções importantes que exerceu no setor elétrico, no artigo intitulado “Rolex falso”, no quinto parágrafo ratifica que “A expansão da oferta com fontes intermitentes requer o uso de termelétricas, se não é possível a adição de hidrelétricas com reservatório.”

É absolutamente indispensável para a descarbonização de nossa atmosfera que as renováveis intermitentes cresçam, e muito. É inquestionável o benefício ambiental da descarbonização, mas é falso dizer que a geração solar e eólica não exige a geração térmica de base ou geração hidráulica flexível ou até mesmo o uso de baterias. É falso não assumir que o crescimento das renováveis intermitentes custam, portanto, mais caro aos consumidores do que simplesmente os R$/MWh obtidos em leilões ou na comercialização no ambiente livre.

Sabe-se que há uma elasticidade de necessidade de térmicas ou de serviços ancilares das hidráulicas para cada MWh de solar/eólica. Nas hidrelétricas são 19 UHEs que fazem parte do CAG que somam 27GW e que produzem serviços ancilares que, basicamente, são utilizados para compensar a intermitência. Alguns milhares de quilômetros de linhas de transmissão do Brasil foram incorporados ao SIN (Sistema Interligado Nacional) para atender à intermitência das solares e eólicas.

Se considerarmos apenas a necessidade de geração térmica de 10% (percentual conservador) da geração intermitente para firmar o sistema (15GW entre solar e eólicas) no SIN a um custo de R$ 1.200/MWh já teríamos um acréscimo de cerca de R$ 115/MWh, acrescente-se a isso os serviços ancilares e as LTs por certo não teremos valores inferiores a R$ 140,00/MWh a serem acrescidos às intermitentes.

São fatos!

Se considerarmos os custos adicionais para que haja expansão das fontes intermitentes deveríamos estar agregando, pelo menos, um valor na ordem de R$ 140,00/MWh a cada MWh gerado por essas fontes, ou seja, em nenhum caso seriam mais baratas que as PCHs. E essa é a verdade inconveniente: sim, queremos uma matriz mais limpa, mas temos que pagar por ela e ao fazermos isso estaremos fazendo justiça, não apenas com as PCHs, mas esclarecendo aos Consumidores o verdadeiro valor de cada fonte. Criar condições isonômicas de comparação e de competição são atribuições importantes das instituições do setor elétrico brasileiro e o primeiro passo para isso é alocar os custos reais a quem de fato origina os custos. As PCHs são renováveis, eficazes, geram benefícios socioambientais, permitem uso múltiplo da água que é um bem cada vez mais escasso, emitem menos CO2, têm cadeia produtiva 100% nacional gerando maior número de empregos diretos e indiretos no Brasil e ainda, pagam mais impostos que as demais fontes renováveis. No contexto aqui manifestado e adotando-se os verdadeiros critérios de comparação, as PCHs são muito competitivas. Façam as contas.

Uma conclusão é óbvia: as intermitentes custam mais caro aos consumidores do que apenas os valores transacionados em contratos ou leilões. Comparar a competitividade das fontes apenas pelo valor em R$/MWh da forma como é hoje é uma falácia a ser questionada, inclusive pelos órgãos de fiscalização do poder concedente. Fica o desafio da implementação dos ajustes necessários.

“Perdemos a paciência, mas não podemos perder a batalha.”

*CEO da RPI Energy Partners e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).

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