Por: Rafael Guimarães e José Miguel Garcia Medina*
A possível exploração por plataformas de petróleo para extração do combustível no mar continental brasileiro nas proximidades da foz do Amazonas tem sido objeto de debates nos últimos dias. A modalidade de exploração, que é conhecida como offshore, poderá ocorrer na área enumerada como FZA-M-59.
As discussões se polemizaram recentemente em razão da negativa do Ibama em permitir a perfuração para estudos em uma área marítima que fica a 500 quilômetros da foz do rio de maior volume de água de nosso país. Tal recusa teria como fundamento um conjunto de inconsistências técnicas, embora haja vozes que argumentam que o motivo teria sido de ambientalistas que argumentam o risco ao ecossistema amazônico, bem como às terras indígenas, mangais e áreas com vasta biodiversidade. Associações ambientais como a WWF e o Greenpeace pedem veementemente a rejeição da permissão.
No despacho 15786950/2023-Gabin, referente ao processo 02001.013852/2023-87, Rodrigo Agostinho, Presidente do Ibama, negou o pedido de perfuração para estudos em razão da ausência de alguns requisitos, tais como um plano emergencial para o caso de vazamento de combustível fóssil. O presidente do órgão ambiental se baseou também na necessidade de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), nos moldes do art. 6º da Resolução 1 do Conama, bem como no art. 2º, I, da Portaria Interministerial MME-MMA nº 198/2012.
Há argumentos interessantes, como o deslocamento excessivo de pessoal, ausência dos mesmos cuidados que as petrolíferas despendem com outras perfurações em alto mar, possível infringência ao princípio da precaução ambiental (cf. art. 225 da CF/88) e que a exploração de combustíveis fósseis poderia ser contrária às convenções sobre o clima – em especial a de Paris-2015 –, da qual o Brasil é signatário, pois se estaria propagando o aumento das emissões de CO², quando a convenção propõe o contrário.
A discussão ganha contornos especiais se imaginarmos que se vislumbra reservas de petróleo avaliadas em quase metade do PIB brasileiro.
Sob o aspecto jurídico, a Convenção de Paris poderia ser invocada, pois em seus artigos 3º a 6º há a previsão da obrigação do Brasil como um todo de eivar os esforços para a redução de poluentes em números absolutos, o que em conjunto com a Convenção de Glasgow (2021), estabelece o ano de 2030 como o ano a ser avaliado para a medição de tal redução.
Ocorre que a redução de poluentes pode ser feita de muitas outras formas, como a mitigação da emissão de gás metano e tantos outros projetos para reflorestamento e, ainda, construção de usinas de produção de energia com menos impactos ambientais. Ressalte-se que, para tais projetos, o Brasil tem um dos maiores potenciais do mundo.
O que está em discussão é a produção própria de petróleo por uma petrolífera brasileira que pode se ver livre de qualquer importação desse combustível fóssil. Não bastasse, a concessão da área para exploração foi feita pelo governo brasileiro em 2013, sendo a vedação do exercício desse direito a caracterização de um comportamento contraditório ou mesmo uma infringência à boa-fé objetiva (previsto em várias disposições legais no direito brasileiro, a exemplo dos artigos 113, 187 e 422 do Código Civil). Seria um desrespeito ao princípio da legítima confiança o ato de impedir a exploração da plataforma continental sob o argumento de que seria contra os interesses do país, quando o próprio governo concedeu o direito à tal exploração.
A questão do interesse público parece estar presente, pois a soberania nacional, prevista nos artigos 1.º, I, e 170, I, da CF/88, estará resguardada. Isto porque haveria exploração em águas brasileiras por uma petrolífera que é empresa de economia mista, com controle majoritário da União.
Com relação a outros fundamentos, a decisão governamental se sustenta, já que é dever do governo federal o máximo resguardo, com a certeza de que a exploração – ainda que por tentativa – não tenha qualquer potencial de impacto ambiental. Este dever está estampado no artigo 225, IV da CF/88, e visa impedir qualquer atividade potencialmente degradadora ao meio ambiente, em especial na região amazônica pois é dever do Estado a proteção do bioma, nos moldes do artigo 225, §4.º, sobretudo no tangível à exploração de recursos naturais.
A comprovação de que a exploração terá os menores riscos possíveis ao meio ambiente da região, de que a petrolífera utilizará da melhor tecnologia disponível – sobretudo porque esta utiliza tecnologia de ponta em plataformas de petróleo em locais diversos e é reconhecida mundialmente por isso –, e de que um bioma tão sensível não corre riscos, é realmente o que o órgão ambiental brasileiro deve exigir.
Outras questões interessantes circundam a celeuma. A região encontra-se 170 quilômetros da costa brasileira e a pouquíssimos quilômetros do mar territorial da Guiana Francesa, onde a Exxon Mobil anunciou a descoberta de mais de 25 poços de petróleo.
Portanto, seria um contrassenso a existência de exploração em uma área tão limítrofe e a vedação da exploração no mar territorial brasileiro. No entanto, a situação ainda pende de análise, visto que há uma distância de certa forma confortável da foz do Amazonas, mas que, a depender das correntes marítimas, pode haver impacto diretamente na bacia desse importante rio.
O que se espera é que a petrolífera brasileira se utilize da melhor tecnologia possível para comprovar o risco mínimo ao meio ambiente e, ao final, se assim comprovado, essa importantíssima reserva de recursos naturais traga benefícios para o objetivo maior da Constituição Federal: a proteção e realização dos direitos fundamentais do povo brasileiro.
No dia vinte e cinco de maio, a Petrobrás fez novo requerimento, em uma tentativa de reconsideração pelo órgão ambiental. Há rumores de que, caso não haja retratação, e a questão será levada à Justiça Federal brasileira.
Aguardemos os próximos desdobramentos desta importante questão.
*Rafael Guimarães é professor de pós-graduação na Universidade Paranaense (UNIPAR), diretor da área de Direito Ambiental e sócio-fundador do Medina Guimarães Advogados. Já José Miguel Garcia Medina é professor do Mestrado em Direito na Universidade Paranaense (UNIPAR) e do curso de graduação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Medina também é sócio-fundador do Medina Guimarães Advogados.
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