Distribuidoras

Período de ressarcimento de consumidores pelas distribuidoras por cobrança indevida pode dobrar

As distribuidoras de energia elétrica poderão ressarcir os consumidores de energia por cobranças indevidas no período retroativo de até dez anos.

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Rede de distribuição/ Créditos: CEA Amapá

As distribuidoras de energia elétrica poderão ressarcir os consumidores de energia por cobranças indevidas no período retroativo de até dez anos, contados a partir da data da ocorrência. A sugestão consta em nota técnica (NT) disponibilizada pela agência nesta segunda-feira, 24 de junho, e que pode mudar um dos artigos da Resolução Normativa 1.000/2021, que estabelece o prazo de cinco anos para o mesmo tipo de ressarcimento.

O documento assinado pela Superintendência de Regulação dos Serviços de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica da Aneel (STD) responde à sentença registrada pela 19ª Vara Cível Federal de São Paulo, de 29 de setembro de 2023, no âmbito da Ação Civil Pública Cível movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que pede o prazo de ressarcimento respeite o art. 205 do Código Civil.

Conforme a NT, a equipe da autarquia recomenda que a partir de 29 de setembro de 2023, na hipótese de devolução ao consumidor de faturamento a maior, a distribuidora deverá devolver ao consumidor e demais usuários as quantias recebidas indevidamente nos últimos dez anos de faturamento imediatamente anteriores à constatação.

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O ressarcimento engloba casos de faturamento de valores incorretos, não apresentação de fatura ou faturamento sem utilização do sistema de medição nos casos em que não haja previsão, sem prejuízo das penalidades cabíveis

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A superintendência ainda sugere que as distribuidoras revejam, de ofício, todos os casos de ressarcimento ao consumidor por cobrança a maior deliberados a partir desta data, inclusive aqueles decididos pela agência reguladora em processo administrativo de ouvidoria.

Nos casos em que ocorra necessidade de pagamento complementar, a STD propõe que as distribuidoras devem realizar o ressarcimento no prazo máximo de 90 dias, contados da publicação de um despacho específico sobre a decisão.

Além disso, foi proposto que os consumidores eventualmente prejudicados por faturamento a maior poderão solicitar os valores pagos indevidamente em dobro.

Processos do prazo

O debate sobre o tema começou em dezembro de 2018, quando a 19ª Vara Cível Federal de São Paulo deferiu uma tutela provisória e suspendeu um dos artigos da REN nº 414/2010, determinando que fossem seguidos os prazos de ressarcimento do Código Civil.

Após a decisão, a REN 1.000/2021 entrou em vigor em janeiro de 2022 e a Aneel interpôs recurso de agravo de instrumento, alegando a perda da decisão anterior, dado o fim da vigência da antiga norma. O MPF entrou novamente com uma ação e pediu a revisão do prazo para dez anos.

Ressarcimento pelas distribuidoras

Durante o processo, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) pediu ao MPF pela manutenção do prazo estabelecido pela Aneel, sob a justificativa de que a resolução “não se confunde e nem prejudica o prazo prescricional” para os usuários formularem suas pretensões na via judicial.

“[O prazo] foi instituído no âmbito da discricionariedade técnica da Aneel e, como tal, não pode ter o seu mérito analisado pelo Judiciário, sob pena de violação à separação de poderes. Por fim, a manutenção do prazo estabelecido pela Aneel [deve ser mantido] por uma questão de eficiência regulatória e de tratamento paritário entre as partes, tendo em vista que foi estabelecido o mesmo prazo para as concessionárias cobrarem administrativamente os valores devidos pelos consumidores”, diz trecho de carta da entidade ao órgão.

Num primeiro momento, a agência reguladora chegou a concordar com o entendimento da Abradee, quando interpôs uma apelação defendendo que os prazos administrativos possuem natureza regulatória, e não prescricionais, e foram estabelecidos para incentivar a eficiência na operação realizada pelas distribuidoras.

Nesse processo anterior, a Aneel disse que a ampliação do prazo para dez anos traria graves consequências econômicas para as distribuidoras, com repercussão sobre o valor das tarifas. Além disso, a “distinção regulatória promovida pela autarquia entre “faturamento a menor” e “faturamento a maior” só permanece se for mantida a natureza administrativa do referido prazo”.

A agência reguladora ainda citou que não foram avaliados os seguintes alguns riscos que a sentença poderia produzir, incluindo a capacidade da agência de efetivar a fiscalização do faturamento sobre intervalos de dez anos; a perda do incentivo à eficiência no serviço prestado pela distribuidora; e o risco reverso de que a diminuição de receitas das
distribuidoras seja refletida no preço cobrado aos consumidores.

“Desse modo, a imposição do prazo prescricional previsto no Código Civil, viola os dispositivos da Lei n. 9.427/1996, que conferem a autonomia regulatória”, diz a Aneel.

Resposta do MPF

O Ministério Público Federal rebateu as duas partes, e disse no processo que o prazo para a repetição de valores indevidamente pagos pelos consumidores não se trata de questão de conhecimento técnico-científico envolvido no fornecimento da energia elétrica, mas  de uma “matéria estritamente de direito, disciplinada por lei em sentido estrito, que incide sobre a relação jurídica constituída entre as fornecedoras de energia elétrica e os usuários do serviço”.

“Ausente previsão legislativa, não se permite que agência reguladora possa estabelecer administrativamente em seus regulamentos prazo prescricional diverso daquele previsto pelo código civil. É absolutamente descabida, como se vê, a invocação do argumento da discricionariedade técnica. […] O consumidor tem o direito de exercer, extrajudicialmente, sua pretensão de repetição do indébito em face das distribuidoras, enquanto não ultrapassado o prazo prescricional legal”, argumentou o MPF.

Para o ministério, além da necessidade de observar o código civil, a Aneel, ao expedir seus regulamentos, deve levar em conta os preceitos estabelecidos pelo código de defesa do consumidor. O MPF também justificou que, por vezes, as justificativas usadas para manutenção do prazo desconsideram que alguns consumidores não tenham condições de arcar com as taxas e custos exigidos em um processo judicial.

Sobre a estrutura administrativa, o ministério argumentou que a Aneel não trouxe nenhum dado concreto ou estimativa “capaz de embasar a sua suposição de que a aplicação do prazo decenal, por si só, aumentaria a demanda por seus serviços”.

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Por fim, o Ministério Público Federal alegou que os questionamentos sobre possíveis impactos econômicos sobre os consumidores finais “não merecem prosperar”, visto que o prazo prescricional diz respeito à devolução de valores indevidamente recebidos pelas distribuidoras e “nada tem a ver com política tarifária e de equilíbrio contratual e financeiro das distribuidoras”.

“[Elas também defendem] que a resolução fixa o mesmo limitador temporal de 36 meses para as distribuidoras cobrarem os usuários por consumo obtido irregularmente (furto, fraude). Com isso, as recorrentes insistem que a intervenção judicial traz graves consequências econômicas às distribuidoras, que fatalmente serão repassadas aos usuários do serviço”, concluiu o MPF.