FAQ: O que está acontecendo com Belo Monte?

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Publicado

08/Fev/2021 20:30 BRT

(Por Camila Maia, Natália Bezutti e Rodrigo Polito)

Em janeiro deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) determinou o desvio do Trecho de Vazão Reduzida (TVR) da hidrelétrica de Belo Monte para a média de 3.100 m³/s, acima dos 1.100 m³/s previstos pela Norte Energia, responsável pelo empreendimento, e de acordo com a sua licença ambiental. Na primeira semana de fevereiro, o Ibama determinou nova alteração, para 10.900 m³/s.

Nas duas oportunidades, a Norte Energia se manifestou em resposta, alegando diversos impactos negativos que a alteração poderia implicar, desde a parada total de geração no trecho da casa de força da hidrelétrica Pimental, a problemas socioambientais, como a redução do nível de água do reservatório principal, resultando na formação de poças e risco de perecimento de peixes aprisionados nos locais.

Em 8 de fevereiro, a Norte Energia assinou um termo de compromisso com o Ibama estabelecendo que a hidrelétrica de Belo Monte vai operar com o hidrograma B durante o ano de 2021, assim como previsto em seu licenciamento ambiental.

Para isso, vai investir R$ 157,5 milhões, já provisionados nas demonstrações financeiras da empresa, para realizar medidas de mitigação de compensação adicional para garantir a produção energética e a conservação do meio ambiente e dos modos de vida das populações da Volta Grande do Xingu.

MegaWhat reuniu as principais discussões sobre o tema. Confira abaixo: 

1) Quem determina mudança de vazão? 

Os hidrogramas das hidrelétricas passam por aprovação do Ibama e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), no respectivo âmbito das suas atribuições. Da mesma forma, a mudança na vazão pode ser determinada pelos órgãos.

À ANA cabe definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplo dos recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas.

Segundo a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, no caso de reservatórios de aproveitamentos hidrelétricos, a definição será efetuada em articulação com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

2) Por que o Ibama determinou a mudança na vazão de Belo Monte?

Antes da hidrelétrica de Belo Monte, o rio Xingu faz uma bifurcação: parte da água é direcionada à usina e parte vai abastecer a Volta Grande do Xingu (PA), onde habitam famílias ribeirinhas e há terras indígenas.

Quando foi feito o licenciamento ambiental da hidrelétrica, o Ibama definiu dois níveis de vazão para o trecho da Volta Grande do Xingu, denominado trecho de vazão reduzida. Foram definidos dois hidrogramas de vazões mínimas, que deveriam ser utilizados de forma alternada até a conclusão dos estudos complementares que definirão a vazão mínima que será observada no longo prazo. Esses estudos foram iniciados quando a usina entrou em operação integral, em 2019.

Com o barramento e o desvio da água do rio para abastecer a hidrelétrica, o fluxo natural do rio passou a ser controlado pela usina, de modo a garantir a alimentação e reprodução das espécies aquáticas da região. Em 2020, o rio passou por uma seca, e a água liberada por Belo Monte não foi suficiente para evitar a morte de peixes e plantas no trecho.

O Ibama verificou que os impactos ambientais foram maiores que o previsto, e determinou o aumento da vazão de água no trecho até que a hidrelétrica apresente novos estudos ou proponha ações mitigatórias.

3) Qual o efeito da mudança de vazão?

Com o aumento da vazão para o trecho de Volta Grande do Xingu, há uma redução equivalente na vazão destinada à Belo Monte. Ou seja, há menos água sendo turbinada, e menos energia sendo gerada.

4) Qual o impacto na formação do preço? 

Aumentar ou reduzir a vazão em uma determinada hidrelétrica significa aumentar ou reduzir o uso de seus reservatórios e, consequentemente, o volume de geração de energia. Como base da geração brasileira é constituída por hidrelétricas, mudanças no regime de operação podem interferir diretamente no preço da energia.

Se há aumento da geração hidrelétrica, há uma redução da geração térmica, e vice e versa. Se o sistema demandar um maior acionamento de geração térmica, o custo da energia fica mais caro, já que a energia a partir de combustíveis fósseis tem um preço mais elevado.

Além disso, a redução na geração de Belo Monte nos meses em que há, historicamente, maior vazão na usina, pode exigir que outras hidrelétricas sejam acionadas em um momento em que as chuvas estão muito abaixo do esperado no Sudeste/Centro-Oeste, quando as usinas deveriam acumular água nos reservatórios para fazer frente ao período seco do ano, que se inicia em maio, sendo abril o mês de transição.

Segundo ofício enviado pela Aneel em janeiro ao Ibama a mudança na vazão da hidrelétrica de Belo Monte nos dois primeiros meses de 2021 poderia levar a um impacto de cerca de R$ 1,3 bilhão para os consumidores de energia elétrica, considerando encargos e descolamento de preços, entre outros fatores. (Mais detalhes são apresentados nas respostas das perguntas 7 e 8)

5) Qual o prazo para a nova vazão ser considerada no preço? 

Segundo a Resolução CNPE 07/2016, as alterações nos dados de entrada devem ser comunicadas com antecedência não inferior a um mês do Programa Mensal da Operação (PMO) em que serão implementadas.

6) Essa é a primeira vez que acontece? 

Não. Como exemplo, no dia 3 de dezembro, a Agência Nacional de Águas publicou resolução autorizando a operação excepcional dos reservatórios das hidrelétricas de Três Marias, com vazão média máxima mensal de até 750 m³/s, e de Xingó, com vazão média mensal de até 2.750 m³/s.

Nessa oportunidade, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entendeu que a alteração deveria ser aplicada conforme definição no Submódulo 7.2 dos Procedimentos de Rede, segundo o qual “a periodicidade para atualização das informações empregadas no PMO” ocorrerá “sempre que necessária, de forma imediata”.

No entanto, após recurso de um agente à Aneel questionando a ausência de um calendário para alterações, o tema foi deliberado em reunião de diretoria, que decidiu, por maioria (3X2), que a alteração está enquadrada no submódulo do 7.3 do Proret, no sentido que a formação de custo futuro é feita mensalmente no Programa Mensal da Operação (PMO), e que qualquer revisão extraordinária dessa formação deve passar por autorização expressa da Aneel.

7) A mudança na vazão de Belo Monte foi considerada na operação do Sistema Interligado Nacional (SIN)?

A mudança de vazão foi incorporada na operação do sistema pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mas não foi considerada na formação de preços, uma vez que não foi divulgada com um mês de antecedência.

O ONS implementou as mudanças de hidrograma na operação imediatamente a fim de garantir seu funcionamento adequado. O descasamento entre o Preço da Liquidação das Diferenças (PLD) e o Custo Marginal da Operação (CMO) acaba sendo custeado por meio de encargo.

Do lado da Câmara De Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a mudança só seria aplicada se o Ibama determinasse, até o fim de fevereiro (antes do Programa Mensal da Operação de março – marcado para 25 de fevereiro), o hidrograma para abril.

8) Quais os custos com essa alteração?

O descolamento entre o preço de energia e o custo de operação do sistema na primeira semana de fevereiro, deve gerar um custo de R$ 162 milhões devido a não geração da energia prevista no período.

Segundo a CCEE, com a liberação da vazão máxima, deixarão de ser gerados 6.550 MW médios. Para a conta de milhões suportada por encargos, a Câmara considerou o custo dessa energia não gerada, valorada ao PLD médio projetado para o período.

Segundo dados do ONS, a adoção dos níveis de vazão determinados pelo Ibama, se mantida, vai resultar numa perda de geração da ordem de 21.118 MW médios em seis meses, quando comparada com a geração que seria possibilitada pela utilização dos hidrogramas anteriormente perdidos.

Para a Norte Energia, concessionária de Belo Monte, a CCEE estima um impacto de redução de geração de R$ 184 milhões no ano, sendo mais de R$ 1,2 bilhão ao setor por conta do GSF.

9) A mudança na vazão provoca impactos ambientais?

Segundo a Norte Energia, a redução na vazão provoca a redução expressiva do nível de água do reservatório principal da usina, resultando na formação de poças e potencial risco de perecimento dos peixes aprisionados nesses locais, com prejuízos à piracema e impactos em importantes áreas de alimentação da fauna aquática.

Além disso, o Sistema de Transposição de Peixes precisou ser paralisado pois o deplecionamento do reservatório ultrapassou a conta mínima de operação de 95 metros. Isso inviabiliza a migração de peixes em plena piracema.


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Matéria atualizada em 9 de fevereiro, às 9h08, para publicação do acordo entre Norte Energia e Ibama